Rezar na vida quotidiana

A oração cristã, embora esteja ancorada na Liturgia, permeia todos os aspectos do nosso dia-a-dia. Trata-se de um diálogo contínuo com Deus que se assemelha ao comportamento de um enamorado que traz sempre no seu coração a pessoa amada. Por isso, não há realidade da nossa vida que não se possa converter em tema do nosso diálogo com Deus: cada alegria, cada tristeza, cada pensamento ou acontecimento. E, na oração, tudo é transformado pela graça de Deus, gerando em nós uma esperança inabalável. Por outro lado, a oração ajuda-nos a amar os outros, não obstante os seus erros, pois quando estamos na presença de Deus, lembramo-nos que somos todos pecadores amados pelo Senhor e que a pessoa é mais importante do que as suas acções. Enfim, na oração vemos ainda melhor as nossas fragilidades, mas também a nossa grandeza. Portanto, rezemos sempre, por tudo e por todos, pois a oração, quando feita segundo o Coração de Jesus, pode obter milagres (Papa Francisco, Resumo da Audiência Geral, 10 de Fevereiro, 2021).

Texto completo da Audiência Geral (10 de Fev., 2021):

http://www.vatican.va/content/francesco/pt/audiences/2021/documents/papa-francesco_20210210_udienza-generale.html

 

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A finalidade ou fruto da Sagrada Escritura

A finalidade ou fruto da Sagrada Escritura não é um êxito qualquer: é a plenitude da felicidade eterna. Porque as palavras da Escritura são palavras de vida eterna, pois foram escritas não só para acreditarmos, mas também para alcançarmos a vida eterna, aquela vida na qual veremos, amaremos e serão saciados todos os nossos desejos. Só então compreenderemos perfeitamente o amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento, e assim seremos enriquecidos com toda a plenitude de Deus. A esta plenitude há-de introduzir-nos a Escritura divina, segundo a afirmação do Apóstolo já citada. Esta é a finalidade, esta é a intenção que há-de guiar-nos ao estudar, ensinar e ouvir a Sagrada Escritura.

Para chegar directamente a este resultado final, através do recto caminho da Escritura, devemos começar pelo princípio, isto é, voltar-nos para o Pai das luzes com fé sincera, dobrando os joelhos do nosso coração, para que Ele, por seu Filho, no Espírito Santo, nos dê o verdadeiro conhecimento de Jesus Cristo e, com o conhecimento, nos dê o seu amor. Deste modo, conhecendo-O e amando-O, fundados solidamente na fé e enraizados na caridade, podemos compreender a largura, o comprimento, a altura e a profundidade da Sagrada Escritura, e por este conhecimento podemos chegar ao conhecimento pleno e amor extático da Santíssima Trindade, para onde se voltam as aspirações dos santos e onde está a perfeição de toda a verdade e de toda a bondade.

São Boaventura

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Optimizar 

Ser optimista é bom, mas tem os seus perigos. O optimista pode não perceber bem os problemas dos outros, pode não dar o verdadeiro valor ao mal. Outra coisa é ter a capacidade de optimizarOptimizar é tirar o melhor partido possível de tudo o que acontece, mesmo de uma catástrofe. Perante ela, quem sabe optimizar põe-se numa atitude positiva, anima os outros e reage bem. Mais vale optimizar que ser optimista. 

 Vasco P. Magalhães, sj 

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5º Domingo do Tempo Comum – Ano B

Curou muitas pessoas, atormentadas por várias doenças (Mc 1, 34)

A doença é uma das experiências mais duras do ser humano. Não só padece o doente que sente a sua vida ameaçada e sofre sem saber porquê, para quê e até quando. Sofre também a sua família, os entes queridos e os que o cuidam. De pouco servem as palavras e explicações. O que fazer quando a ciência já não pode deter o inevitável? Como lidar humanamente com a deterioração? Como estar junto ao familiar ou amigo gravemente doente?

O primeiro é aproximar-se. Ao que sofre não se pode ajudar de longe. Há que estar perto. Sem pressas, com discrição e respeito total. Ajudá-lo a lutar contra a dor. Dar-lhe forças para que colabore com aqueles que tratam de o curar. Isto requer acompanhá-lo nas várias etapas da doença e nos diferentes estados de ânimo. Ofereçer-lhe o que necessita em cada momento. Não nos incomodarmos com a sua irritabilidade. Ter paciência. Permanecer junto a ele.

É importante ouvi-lo. Que o doente possa contar e partilhar o que vai dentro de si: as esperanças frustradas, as suas queixas e medos, a sua angústia perante o futuro. É um respirar para o doente poder desabafar com alguém de confiança. Nem sempre é fácil ouvir. Requer colocar-se no lugar do que sofre, e estar atentos ao que nos diz com as suas palavras e, sobretudo, com os seus silêncios, gestos e olhares. A verdadeira escuta exige acolher e compreender as reacções do doente. A incompreensão fere profundamente a quem está a sofrer e se queixa. De nada servem conselhos, razões ou explicações doutas. Só a compreensão de quem acompanha com carinho e respeito pode aliviar.

A pessoa pode adoptar ante a doença atitudes saudáveis e positivas, ou pode deixar-se destruir por sentimentos estéreis e negativos. Muitas vezes necessitará de ajuda para confiar e colaborar com os que o atendem, para não se encerrar sozinho na sua dor, para ter paciência consigo mesmo, ou para ser agradecido.

O doente pode necessitar também de se reconciliar consigo mesmo, curar feridas do passado, dar um sentido mais profundo ao seu sofrimento, purificar a sua relação com Deus. O crente pode então ajudá-lo a orar, a viver com paz interior, a crer no Seu perdão e a confiar no Seu amor salvador.

O Evangelista Marcos diz-nos que as pessoas levavam os seus doentes e possuídos a Jesus. Ele sabia acolhê-los com carinho, despertar a sua confiança em Deus, perdoar o seu pecado, aliviar a sua dor, e curar a sua doença. A sua acção face ao sofrimento humano sempre será para os cristãos o exemplo a seguir no trato com os doentes.

José Antonio Pagola

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Concretizar a paciência com o mundo

Enfim o terceiro «lugar», a paciência com o mundo. Simeão e Ana cultivam no coração a esperança anunciada pelos profetas, mesmo se tarda a realizar-se e cresce lentamente no meio das infidelidades e ruínas do mundo. Não entoam o lamento pelo que está errado, mas esperam com paciência a luz na obscuridade da história. É preciso esperar a luz na obscuridade da história; sim, esperar a luz na obscuridade da própria comunidade. Precisamos desta paciência, para não acabarmos prisioneiros das lamentações. Alguns são mestres em lamentações, doutoraram-se em lamentações, são muito bons a lamentar-se! Não, a lamentação prende: «o mundo já não nos escuta» – tantas vezes ouvimos isto – «já não temos vocações, temos de fechar a loja», «vivemos tempos difíceis» – «ah, a quem tu o vens dizer!…». Assim começa o dueto das lamentações. Às vezes acontece que, à paciência com que Deus trabalha o terreno da história e trabalha também o terreno do nosso coração, opomos a impaciência de quem julga tudo imediatamente: agora ou nunca, agora já. E assim perdemos aquela virtude, “pequena” mas a mais bela: a esperança. Tenho visto muitos homens e mulheres consagrados que perdem a esperança. Simplesmente por impaciência.

Papa Francisco, Homilia da Missa para os Consagrados, 2 de Fevereiro, 2021

 

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Concretizar a paciência na vida comunitária

O segundo lugar onde se concretiza a paciência: a vida comunitária. As relações humanas, especialmente quando se trata de partilhar um projecto de vida e uma actividade apostólica, todos sabemos que nem sempre são pacíficas. Às vezes surgem conflitos e não se pode exigir uma solução imediata, nem se deve julgar precipitadamente a pessoa ou a situação: é preciso saber dar tempo ao tempo, procurar não perder a paz, esperar o momento melhor para uma clarificação na caridade e na verdade. Não se deixar confundir pelas tempestades. Na leitura do breviário para amanhã, há uma passagem interessante de Diádoco de Foticeia, sobre o discernimento espiritual, que diz «quando o mar está agitado não se veem os peixes; mas podem-se ver quando o mar está calmo». Nunca poderemos fazer um bom discernimento, ver a verdade, se o nosso coração estiver agitado e impaciente. Nunca. Nas nossas comunidades, requer-se esta paciência mútua: suportar, isto é, carregar aos próprios ombros a vida do irmão ou da irmã, incluindo as suas fraquezas e defeitos. Todos. Lembremo-nos disto: o Senhor não nos chama para ser solistas – sabemos que existem tantos na Igreja – não, não nos chama para ser solistas, mas para fazer parte dum coro, que às vezes desafina, mas sempre deve tentar cantar em conjunto.

Papa Francisco, Homilia da Missa para os Consagrados, 2 de Fevereiro, 2021

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Concretizar a paciência na vida pessoal

Gostaria de indicar três «lugares» onde se concretiza a paciência. O primeiro é a nossa vida pessoal. Um dia respondemos à chamada do Senhor, oferecendo-nos a Ele com entusiasmo e generosidade. Ao longo do caminho, a par das consolações, tivemos também decepções e frustrações. Às vezes, o resultado esperado não corresponde ao entusiasmo do nosso trabalho; parece que a nossa sementeira não produz os frutos perspectivados, o fervor da oração diminui e nem sempre estamos imunes à aridez espiritual. Pode acontecer, na nossa vida de consagrados, que a esperança esmoreça por causa das expectativas frustradas. Devemos ter paciência connosco e esperar, confiantes, os tempos e as modalidades de Deus: Ele é fiel às suas promessas. Esta é a pedra basilar: Ele é fiel às suas promessas. Lembrar-nos disto permite repensar os percursos, revigorar os nossos sonhos, sem ceder à tristeza interior e ao desânimo. Irmãos e irmãs, a tristeza interior em nós consagrados é um verme, um verme que nos corrói por dentro. Fuji da tristeza interior!

Papa Francisco, Homilia da Missa para os Consagrados, 2 de Fevereiro, 2021

 

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“N’Ele vivemos, nos movemos e existimos”

Não há um único átomo do nosso ser onde Ele [Deus] não esteja presente, um único movimento dos nossos membros ou das nossas faculdades que Ele não tenha animado. Está à nossa volta, em nós, e até nas regiões mais íntimas e profundas da nossa alma.

Deus é a alma da nossa alma, a vida da nossa vida, a grande realidade na qual estamos imersos e que penetra, com a Sua presença activa e o Seu poder vivificante, tudo o que temos e o que somos, “pois nele vivemos, nos movemos e existimos”.

Beato Pe. Eugénio Maria do Menino Jesus

Oração

Jesus, que graça tão grande chegar à percepção experimental da Tua presença em mim!… Os santos chegaram a todas estas certezas luminosas, ainda que nada vissem, mas viam com a fé: viam-Te presente nas suas almas, enchendo os seus corações, as suas almas, as suas mentes e deixando que a Tua acção transbordasse nas suas acções quotidianas, por mais pequenas e monótonas que fossem. Eu sou alguém que Te busca; mas se eles Te encontraram, sei que também Te queres deixar encontrar por mim. Aumenta a minha fé, Jesus! Assim seja.

 

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A «logo-escuta» (ou o padrão Samuel da Pastoral)

1 – Que podemos fazer nestes tempos em que muito não pode ser feito? Que pode ser realizado numa altura em que – inopinadamente – qualquer actividade corre o risco de ser desmarcada?

2 – Em todo o real, avulta um sentido providencial. A pandemia também pode ser vista como um significante com um poderoso significado. Talvez possamos fazer o que (por muitos) ainda não foi feito. Para um crente, a escuta é essencial. Sem escuta, tudo corre o risco de ser superficial.

3 – Dá, por vezes, a sensação de que somos uma Igreja voluntariosa, mas pouco atenta. É bom não esquecer que o Cristianismo é a religião do Verbo, do Verbo que Se faz vida (cf. Jo 1, 14). Que tempo dedicamos à escuta do Verbo, ao acolhimento da Palavra, ou seja, à «logo-escuta»?

4 – Curiosamente, já o Antigo Testamento apresenta um perfil modelar desta «logo- escuta». Ela é protagonizada sobretudo por Samuel, o juiz mais célebre de Israel. Toda a sua missão está alavancada na «logo-escuta»: «Falai, Senhor, que o Vosso servo escuta» (1Sam 3, 9).

5 – Com esta sucessão de «recolher obrigatório», não haverá um apelo a um maior «recolhimento»? Há muita coisa que pode valer, mesmo naquilo que mais nos faz doer.

6 – Como pode falar de Deus quem não está habituado a escutar Deus? Como pode fazer a vontade de Deus quem não conhece a vontade de Deus? Note-se que a missão de Samuel nasce da oração de Samuel, da escuta de Samuel.

7 – É curioso que os nossos lábios até repetem muitas vezes «seja feita a Vossa vontade» (Mt 6, 10). Mas até que ponto nos disponibilizamos como o salmista: «Aqui estou, Senhor, para fazer a Vossa vontade» (Sal 40, 7)? Será que não existirá um excesso de «palavra proferida» e um défice de «palavra acolhida»?

8 – Deus, em Si mesmo, é um mistério de presença, de comunicação e de encontro. Sucede que nem sempre estamos em nós quando Deus vem até nós. Ou talvez estejamos demasiado em nós quando Ele vem até nós. Paradoxalmente, Deus fala, quase sempre, em silêncio. Pelo que só em silêncio poderemos escutá-Lo. O problema não é, pois, Deus ser silencioso. O problema é Deus estar a ser (por nós) silenciado.

9 – Deus vem quando estamos acordados e vem — ainda mais — para nos acordar quando, como sucedeu a Samuel, «adormecemos» (cf. 1Sam 5, 3). Deus é o despertador da sonolência em que, tantas vezes, nos deixamos cair. Quando procuramos Deus, verificamos que já Deus nos tinha procurado.

10 – Quando vamos ao encontro de Deus, notamos que já Deus nos tinha encontrado. Enfim, não é apenas o homem que se torna peregrino de Deus. Deus também Se torna peregrino do homem!

João António Pinheiro Teixeira

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4º Domingo do Tempo Comum – Ano B

Que é isto? (Mc 1, 27)

O acontecimento relatado no texto de hoje, 4º Domingo do Tempo Comum – Ano B, apresenta um dos temas básicos do Evangelho de Marcos e de todos os Evangelhos: o confronto entre o Reino de Deus, concretizado na pessoa e projecto de Jesus, e o mal, expresso na imagem de um homem doente “possuído por um espírito impuro”. São Marcos apresenta no seu Evangelho a caminhada de Jesus, sempre com esta luta como pano de fundo, até ao conflito final no Calvário, que leva, através da Cruz, à vitória definitiva, na Ressurreição.

Marcos diz que Jesus ensinava, mas, como é costume deste evangelista, não nos diz o que ensinava. No evangelho de hoje ilustra o conteúdo do ensinamento de Jesus relatando uma acção realizada por ele: a cura de um homem “possesso”, ou seja, a libertação de alguém do domínio do mal. O evangelista mostra-nos que com a chegada do Evangelho do Reino acontece a libertação verdadeira, onde o mal, o pecado, com todas as suas expressões, está derrotado pelo bem.

No relato de hoje, os dois poderes estão diante um do outro. O mal, falando através do homem, reclama contra a chegada do bem: “Que há entre nós e Ti, Jesus Nazareno? Vieste para nos perder?” O mal, mesmo quando disfarçado, nunca aceita a chegada de um projecto alternativo. Isto acontece ainda hoje. Enquanto as instituições eclesiais ou não, se limitam a acções paliativas e assistenciais (sem negar o seu valor e urgência) diante do sofrimento das pessoas, ninguém reclama, mas quando se põe a claro e se expressa as verdadeiras raízes do sofrimento aparece a perseguição: “Quando eu fazia campanhas em prol dos pobres, me diziam «o senhor é um santo», mas quando comecei a perguntar por que existiam tantos pobres, disseram-me «o senhor é um comunista!»” (D. Hélder Câmara).

O Evangelho deste 4º Domingo do Tempo Comum diz-nos que com a chegada de Jesus (e também pela acção das comunidades cristãs e dos cristãos) algo de novo acontece. Marcos sublinha isto pela reacção do povo: “Que é isto? Um novo ensino com autoridade”. A diferença do ensinamento de Jesus não estava tanto no seu conteúdo, que estava profundamente enraizado no Antigo Testamento, mas na sua maneira de ensinar. Ele não dependia da citação de autoridades, como faziam os escribas, mas falava a partir da sua própria experiência de Deus, do Deus da vida. Jesus libertou os seus ouvintes da dependência dos escribas, dando-lhe verdadeira autonomia, ao revelar o verdadeiro rosto de Deus Pai. Deus quer que toda a força que aliena, domina e oprime (aqui representada pela força demoníaca) seja derrotada pela mensagem libertadora do Evangelho.

Cabe a nós, discípulos de Jesus, realizar este projecto, não correndo atrás do miraculismo, dos falsos messianismos, e das teologias interesseiras e enganadoras, porque falsas.

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