1 – Que podemos fazer nestes tempos em que muito não pode ser feito? Que pode ser realizado numa altura em que – inopinadamente – qualquer actividade corre o risco de ser desmarcada?
2 – Em todo o real, avulta um sentido providencial. A pandemia também pode ser vista como um significante com um poderoso significado. Talvez possamos fazer o que (por muitos) ainda não foi feito. Para um crente, a escuta é essencial. Sem escuta, tudo corre o risco de ser superficial.
3 – Dá, por vezes, a sensação de que somos uma Igreja voluntariosa, mas pouco atenta. É bom não esquecer que o Cristianismo é a religião do Verbo, do Verbo que Se faz vida (cf. Jo 1, 14). Que tempo dedicamos à escuta do Verbo, ao acolhimento da Palavra, ou seja, à «logo-escuta»?
4 – Curiosamente, já o Antigo Testamento apresenta um perfil modelar desta «logo- escuta». Ela é protagonizada sobretudo por Samuel, o juiz mais célebre de Israel. Toda a sua missão está alavancada na «logo-escuta»: «Falai, Senhor, que o Vosso servo escuta» (1Sam 3, 9).
5 – Com esta sucessão de «recolher obrigatório», não haverá um apelo a um maior «recolhimento»? Há muita coisa que pode valer, mesmo naquilo que mais nos faz doer.
6 – Como pode falar de Deus quem não está habituado a escutar Deus? Como pode fazer a vontade de Deus quem não conhece a vontade de Deus? Note-se que a missão de Samuel nasce da oração de Samuel, da escuta de Samuel.
7 – É curioso que os nossos lábios até repetem muitas vezes «seja feita a Vossa vontade» (Mt 6, 10). Mas até que ponto nos disponibilizamos como o salmista: «Aqui estou, Senhor, para fazer a Vossa vontade» (Sal 40, 7)? Será que não existirá um excesso de «palavra proferida» e um défice de «palavra acolhida»?
8 – Deus, em Si mesmo, é um mistério de presença, de comunicação e de encontro. Sucede que nem sempre estamos em nós quando Deus vem até nós. Ou talvez estejamos demasiado em nós quando Ele vem até nós. Paradoxalmente, Deus fala, quase sempre, em silêncio. Pelo que só em silêncio poderemos escutá-Lo. O problema não é, pois, Deus ser silencioso. O problema é Deus estar a ser (por nós) silenciado.
9 – Deus vem quando estamos acordados e vem — ainda mais — para nos acordar quando, como sucedeu a Samuel, «adormecemos» (cf. 1Sam 5, 3). Deus é o despertador da sonolência em que, tantas vezes, nos deixamos cair. Quando procuramos Deus, verificamos que já Deus nos tinha procurado.
10 – Quando vamos ao encontro de Deus, notamos que já Deus nos tinha encontrado. Enfim, não é apenas o homem que se torna peregrino de Deus. Deus também Se torna peregrino do homem!
João António Pinheiro Teixeira