Ano da Fé – XL

 

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A comunidade dos discípulos

Ao mesmo tempo que introduz o Reino na história, Jesus inicia a reunião definitiva do povo de Deus. As duas coisas caminham a par, porque o Reino, de acordo com as profecias, deve tornar-se visível num povo.

O Mestre experimenta compaixão pelas multidões, que vagueiam “como ovelhas sem pastor” (Mc 6, 34) e, a fim de reunir Israel, vigia incansavelmente, prega e realiza curas. Bem depressa reúne uma comunidade de discípulos, como primícias e representação dos futuros crentes, como grupo de cooperadores na colheita da seara. Alguns aderem a ele permanecendo nas suas casas e nas suas anteriores condições familiares e sociais, continuado o trabalho habitual. Outros deixam a família, os bens, o trabalho e seguem-no também fisicamente, formando um grupo itinerante, no qual se pratica diária e concretamente a comunhão.

Dentre estes discípulos mais próximos, Jesus escolhe Doze. O número é intencional. Trata-se de uma acção profética simbólica, através da qual o Mestre declara a sua intenção de reunir as doze tribos dispersas, de convocar o Israel dos últimos tempos, aberto também aos pagãos. Escolheu-os para “andarem com ele e para os enviar a pregar, com o poder de expulsar os demónios” (Mc 3, 14-15).

Jesus encontra-se profundamente ligado à comunidade dos discípulos, formada por aqueles que acreditam nele e, especialmente por aqueles que o acompanham fisicamente. Considera-os a sua verdadeira família. Infelizmente, depois de um começo prometedor, o ministério de Jesus depara com uma crise cada vez mais grave. Muitos rejeitam o convite ao banquete do Reino, sob vários pretextos, como se a comunhão com Deus tivesse pouco valor. Com o passar do tempo, Jesus, ao constatar a insensibilidade das multidões curiosas e superficiais, manteve-se cada vez mais à parte, para se dedicar principalmente à formação do grupo dos discípulos. Quer prepará-los em vista ao desenvolvimento seguinte da sua obra e não fazer deles um grupo elitista. Apesar do insucesso momentâneo, encoraja os poucos que ainda o seguem: “Não temas, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino” (Lc 12, 32). Garante que a comunidade por ele reunida, será sólida para sempre “e as portas do inferno nada poderão contra ela” (Mt 16, 18). Confiará a sua orientação a Simão Pedro.

A partir da comunidade dos discípulos, depois da morte e ressurreição do Senhor, desenvolver-se-á a Igreja, realização plena de Israel, sinal visível e instrumento de salvação no meio de todos os povos, semente e profecia da nova humanidade. Não se pode aderir a Cristo sem aderir também à Igreja, parte essencial do seu projecto. O seguimento de Cristo apenas é possível na comunidade.

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Ano da Fé – XXXIX

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A festa dos pecadores reconciliados

O Reino de Deus manifesta-se, ainda mais do que nos milagres, no perdão concedido aos pecadores, na sua regeneração como homens novos, reconduzidos à comunhão com o Pai e com os irmãos. Jesus indica do seguinte modo a sua missão: “O Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19, 10). As pessoas devotas escandalizam-se com o comportamento de Jesus e dizem d’Ele: “Aí está um glutão e bebedor, amigo de publicanos e pecadores” (Mt 11, 19). Jesus detém-se junto dos pecadores para que sintam que são amados por Deus, reconheçam os seus pecados, readiquiram confiança e aprendam a amar. Jesus sabe que está em total sintonia com a misericórdia do Pai, atribuindo-se até o poder divino de perdoar os pecados, embora se levante à sua volta um murmúrio de reprovação e a acusação de blasfémia.

Deus é o primeiro a amar e fá-lo de forma apaixonada. Vai procurar os pecadores e, quando se convertem, faz grande festa. Na parábola do pai misericordioso (ou do filho pródigo), a alegria do pai pelo reencontro do filho perdido exprime-se num banquete. Também Jesus, apesar do escândalo dos bem-pensantes, senta-se frequentemente com os pecadores. Na cultura e na religião hebraica, o banquete era, desde sempre, a expressão fundamental da amizade, da festa e da paz. Através do gesto de aceitar os convites que lhe faziam, Jesus pretende celebrar a festa do Reino que chega ao mundo, como oferta de perdão, de amizade e de alegria. É o triunfo da graça e da misericórdia.

Há a fome do pão ordinário, mas há também a fome de amor, de bondade e de atenção mútua – e esta é a grande pobreza que as pessoas hoje sofrem muito (Santa Madre Teresa).

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Ano da Fé – XXXVIII

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Os milagres de Jesus – II

Muitos dos nossos contemporâneos consideram que os milagres são incompatíveis com o conhecimento científico da natureza. No máximo estão dispostos a admitir alguns fenómenos excepcionais, como efeito de sugestão ou de outras forças psíquicas e físicas ainda desconhecidas.

Uma desconfiança tão radical não parece justificada. O mundo apresenta-se como um processo evolutivo, sempre aberto a muitas possibilidades, caracterizado pela continuidade e, ao mesmo tempo, pela novidade. Nesta perspectiva, é possível conhecer o milagre como superação criativa de uma dada situação, por virtude divina, valorizando as próprias causas naturais. Não se trata, portanto de uma subversão, mas de uma recomposição da ordem das coisas, quase que uma antecipação da realização definitiva. Quanto à sugestão, não é difícil apercebermo-nos de que se trata de uma explicação insustentável. Nenhuma confiança, por muito grande que seja, pode causar curas instantâneas de graves doenças orgânicas, como a lepra, o cancro ou fracturas ósseas. Sem contar que, por vezes, são curadas pessoas que não estão conscientes ou em estado de coma, são revitalizados mortos ou é transformada a natureza inanimada.

Os milagres ajudam a acreditar de modo racional. Isso mesmo sugeriu o próprio Jesus: “se não credes em Mim, crede nas minhas obras; para que conheçais e acrediteis que o Pai está em Mim e Eu n’Ele” (Jo 10, 38). Contudo, os milagres não bastam para produzir a fé. É a atracção interior do Pai que a suscita. Nem são só os milagres os eventos salvíficos principais. O verdadeiro pão não é o que foi multiplicado, mas o eucarístico; a verdadeira luz não é a que foi restituída ao cego de nascença, mas a fé baptismal. Os sacramentos prefigurados pelos milagres, são uma comunicação de salvação mais importante.

Um milagre não ocorre contra a Natureza, mas contra o nosso conhecimento da Natureza (Santo Agostinho).

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Ano da Fé – XXXVII

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Os milagres de Jesus – I

No Antigo Testamento, os acontecimentos prodigiosos do Êxodo e, em geral, os milagres realizados por Deus e pelos seus enviados atestam a presença salvífica do Senhor na história do seu povo. No Novo Testamento, esses factos extraordinários são chamados “milagres (obras poderosas), prodígios e sinais” (Act 2, 22). Obras poderosas, porque manifestam o poder criador de Deus; prodígios, porque são acontecimentos extraordinários e inexplicáveis, que provocam a admiração das pessoas; sinais, porque no contexto da pregação evangélica transmitem um significado preciso: a chegada do Reino de Deus.

Os milagres são gestos através dos quais Deus nos fala. Dirigem-se sempre às pessoas, ou porque lhes dizem directamente respeito, como as curas dos doentes, ou, pelo menos, lhes trazem alguns benefícios materiais e espirituais, como sucede na multiplicação dos pães e em outras transformações da natureza.

Jesus de Nazaré, coerente com a sua missão de Messias-Servo, firme ao repelir as tentações da riqueza, do êxito e do poder, nunca se serve dos milagres para seu interesse pessoal. Tal como ensina com autoridade, assim realiza os milagres com autoridade, em seu próprio nome: ”Eu te ordeno” (Mc 5, 41).

O significado dos milagres é múltiplo. Deus tornou-se presente de uma forma nova, para vencer o pecado, a doença, a morte e todas as formas de mal, a fim de dar ao homem a salvação integral, espiritual, corporal, social e cósmica, agora como antecipação e depois, no final da história, em plenitude, fazendo “novas todas as coisas” (Ap 21, 5). O povo, perante estes gestos divinos é chamado a acreditar e a converter-se. Contudo, por vezes, Jesus manifestou relutância em realizar milagres. Esta recusa tem um significado específico: ele quer evitar que as pessoas instrumentalizem Deus em função dos seus interesses imediatos. Para quem não procura a comunhão com Deus mas apenas os seus benefícios, o milagre torna-se alienante. Jesus exige, pelo menos, uma fé inicial, uma abertura ao mistério.

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Ano da Fé – XXXVI

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O Pai Nosso

Jesus ensina aos seus discípulos a oração do Pai Nosso. Embora na apresentação de Lucas e de Mateus ela se apresente de formas diferentes, na realidade, apesar dos diferentes pedidos, pede-se uma só coisa, a única necessária: a vinda do reino de Deus a nós e ao mundo. É a oração dos filhos, que fazem seu o projecto do Pai e se abandonam totalmente a Ele. É a oração dos humildes de coração, voltados para uma salvação maior do que a que se pode programar e construir com as próprias mãos. Apresentamos uma paráfrase do Pai Nosso, útil para reencontrar o seu sentido original.

Pai nosso, que estás acima de tudo como o céu, faz que o Teu nome seja glorificado e reconhecido como santo. / Mostra a todos que só Tu és Deus, reunindo definitivamente o Teu povo disperso e purificando-o dos seus pecados através do dom do Teu Espírito. / Que venha em plenitude a Tua realeza, que traz liberdade, justiça e paz. / Que se cumpra o Teu desígnio de salvação, nos Céus e na Terra. / Dá-nos desde já o nosso pão futuro, uma antecipação do convite do reino. / Dá-nos o pão necessário para vivermos hoje, como aos hebreus no deserto davas o maná dia após dia. Confiamos em Ti e não queremos afadigar-nos em função do amanhã, do que iremos comer ou de que modo nos vestiremos. / Na Tua misericórdia, perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós estamos prontos a perdoar a quem nos fez mal. / Não nos deixes sucumbir à tentação. Faz com que nunca percamos a confiança em Ti, de modo que nunca deixemos de sentir a Tua presença e nos sintamos abandonados. / Livra-nos do poder do maligno, que se opõe ao teu reino e nos dá a morte”.

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Ano da Fé – XXXV

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Meu Pai e vosso Pai

A experiência de liberdade e fraternidade que Jesus propõe a todos aqueles que o seguem, pressupõe uma normal atitude filial para com Deus. Jesus dirige-se a Deus chamado-lhe habitualmente “Abba” (Mc 14, 36), que significa “Papá”. “Abba” é uma palavra infantil, uma das primeiríssimas palavras que a criança aprende a pronunciar. Chamar familiarmente “Papá” a Deus, como o faz Jesus, parece algo insólito e audacioso. Jesus, porém tem uma experiência única de Deus. Conhece-o e é por ele conhecido numa intimidade recíproca absoluta. Dirije-se-lhe com comovida gratidão e total submissão, como o primeiro dos humildes e dos pobres, que sabem que tudo recebem por doação. Mas, precisamente porque recebe a plenitude da vida de Deus, pode falar-lhe com tom familiar e pode falar dele com autoridade: “Bendigo-te, ó Pai, Senhor dos céus e da terra, porque escondestes estas coisas aos sábios e entendidos e as revelastes aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque isso foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho senão o Pai, como ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11, 25-27).

Deus quer ser “Abba” para todos nós, quer que nos aproximemos dele com a mesma atitude filial, a mesma liberdade audaciosa e firme confiança de Jesus. O apóstolo Paulo compreendeu-o muito bem: “Vós não recebestes um Espírito de escravidão, para cair de novo no temor; recebestes, pelo contrário, um Espírito de adopção, pelo qual chamamos ‘Abba, Pai’” (Rom 8, 15).

Jesus, procura por todos os meios despertar o sentimento vivo da paternidade e ternura de Deus. Os homens têm de se convencer de que são amados desde toda a eternidade e chamados pelo seu nome, que não nasceram por acaso e nunca se encontram sós nem na vida, nem na morte. Podem não amar a Deus, mas não o podem impedir de amar primeiro.

Não é fácil para o homem sentir-se intimamente amado por Deus. A superficialidade, a desordem moral, os preconceitos do ambiente que o rodeia, a experiência do mal endurecem-lhe o coração e cegam-lhe o olhar. Mas se na fé se abrir à proximidade do Pai, o homem transforma-se noutro, dotado de uma diferente capacidade de valorizar, de agir, de sofrer e de amar.

 

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Ano da Fé – XXXIV

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Libertos para sermos irmãos

Se Jesus de Nazaré pratica e, ao mesmo tempo, exige o desapego das riquezas, da ambição, dos afectos desordenados, dos preconceitos culturais e religiosos, fá-lo em nome de uma liberdade que se concretiza na comunhão com os irmãos e com Deus. Aqueles que se convertem ao Reino de Deus e obedecem à vontade divina, constituem uma família mais sólida do que a do parentesco fundada em laços de sangue: “Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe”. Aqueles dentre eles que são chamados a deixar trabalho, a casa e a condição de vida comum, não vão acabar sozinhos, mas encontram uma família maior, a comunidade dos discípulos. Esta é a promessa de Jesus: “Quem tiver deixado a casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, os filhos ou campos por minha causa e por causa da Boa Nova, receberá cem vezes mais agora, no tempo presente, em casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, juntamente com perseguições e, no tempo futuro, a vida eterna “ (Mc 10, 29-30).

Nem entre os seguidores de Jesus faltam egoísmos e tensões; mas a lei que regula os relacionamentos é a da caridade. Quem decide seguir Jesus, sabe que deve comprometer-se seriamente num modo de vida que prevê serviço mútuo, correcção fraterna, perdão, reconciliação, atenção aos mais fracos.

Esta atitude deve valer em relação a todos, mesmo em relação aos estranhos. Isso mesmo no-lo ensina, com admirável eficácia a parábola do samaritano (cf. Lc 10, 30-37). É preciso carregar todas as pessoas que encontramos, para além de qualquer diferença racial, social e religiosa. É errado interrogar-nos sobre quem é o nosso próximo. Somos nós que nos devemos fazer próximos de quem quer que seja, mesmo de quem é estranho, até dos nossos inimigos. O modelo é o próprio amor de Deus: “Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6, 36).

Jesus exemplifica o que quer dizer amar, nas palavras do juízo final: “Tive fome e deste-me de comer; tive sede e deste-me de beber; era peregrino e recolheste-me; estava nu e deste-me de vestir;  adoeci e visitaste-me; estive na prisão e foste ter comigo” (Mt 25, 35-36). Amar significa, portanto, fazer o bem em concreto, com atenção e criatividade. A medida é o próprio Jesus: “Assim como eu vos amei, vós também vos deveis amar uns aos outros” (Jo 13, 34).

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Ano da Fé – XXXIII

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Libertos da angústia

O Reino de Deus liberta do medo de ser posto de lado pela sociedade e até do temor de perder a vida. Quando ouve dizer que Herodes Antipas quer matá-lo, tal como já fez com João Baptista,  Jesus não altera o caminho: “Ide dizer a essa raposa: agora estou a expulsar demónios e a realizar curas hoje e amanhã; ao terceiro dia atinjo o meu termo; mas hoje, amanhã e depois devo seguir o meu caminho” (Lc 13, 32-33).

Os discípulos são chamados a dar provas da mesma coragem. Não têm medo de ser anti-conformistas e diferentes dos outros, de ser insultados e perseguidos. Não se deixam seduzir pelo caminho largo, onde caminha a maioria, ou por falsos mestres, que difundem doutrinas na moda. Renunciam à idolatria do seu eu, põem de lado os medos e os interesses imediatos, dão a vida e aceitam a cruz.

Quem tem Deus por Pai jamais pode sentir-se só. O sofrimento, mesmo o humanamente mais inquietante e difícil de aceitar, adquire um elevado valor e uma misteriosa fecundidade. Jesus afirma-o por meio de duas imagens delicadas e sugestivas: o grão de trigo cai à terra e morre, mas renasce multiplicado; a mulher no momento do parto, geme e grita, mas depois esquece completamente a dor por causa da alegria de ter um filho. Quem adere a Cristo com fé viva e firme, já não está sujeito à obsessão da ansiedade de encontrar seguranças e prazeres, para se sentir vivo. Está disponível para o serviço dos outros, experimenta pessoalmente que o Filho de Deus veio para libertar “aqueles que pelo temor da morte, estavam toda a vida sujeitos à escravidão” (Heb 2, 15).

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Ano da Fé – XXXII

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Libertos da sede de poder

Para além da riqueza, a proximidade de Deus também liberta da tentação de poder sobre os outros. Jesus veio, não para ser servido, mas para servir. Ele comporta-se como um servidor: “Ora eu estou no meio de vós como aquele que serve” (Lc 22, 27). Os discípulos deverão seguir o seu exemplo e servir-se uns aos outros, comportando-se uns com os outros como irmãos de igual dignidade e reconhecendo acima de si o único Pai.

A autoridade na comunidade cristã deverá ser exercida como um serviço e não como um domínio opressivo, à maneira dos reis das nações, que exploram as pessoas e se fazem chamar benfeitores (cf. Lc 22, 24-26): “Quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se escravo de todos” (Mc 10, 44).

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Ano da Fé – XXXI

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Libertos da escravidão da riqueza

A proximidade de Deus confere a coragem de opções radicais. Em primeiro lugar, liberta do desejo de possuir. Jesus vive para o Pai, ancorado no seu amor, disponível à sua vontade. A fim de testemunhar a confiança absoluta nele e dedicar-se totalmente ao seu Reino, assume uma vida pobre e itinerante. Quer que também os discípulos vão levar a feliz notícia, livres de todos os empecilhos: “Nada leveis para o caminho: nem cajado, nem alforge, nem pão, nem dinheiro, nem tenhais duas túnicas (Lc 9, 3). Adverte as pessoas, para que não se deixem sugestionar pela riqueza: “Ninguém pode servir a dois senhores… Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6, 24). A riqueza assenhoreia-se de uma pessoa quando se deposita nela a medida do valor e a segurança da vida: “Guardai-vos de toda a cobiça, porque, mesmo que um homem viva na abundância, a sua vida não depende dos seus bens” (Lc 12, 15). Trata-se de um perigo muito concreto. O jovem rico não consegue libertar-se dos seus bens, volta as costas a Jesus e vai-se embora triste (cf. Mt 19, 16-22).

A preocupação com o bem-estar é redimensionada. Há valores mais importantes e decisivos, para além do alimento e do vestuário: “Olhai para as aves do céu: não semeiam, nem ceifam, nem recolhem em celeiros; e o vosso Pai celeste alimenta-as: Não valeis vós mais do que elas?”. Claro que é necessário semear e colher, fiar e tecer, projectar e trabalhar, mas sem ansiedade pelo amanhã (cf. Mt 6, 19-21). É preciso possuir sem ser possuído, sem preferir o bem-estar à solidariedade.

O Evangelho manda distribuir e pôr em circulação os nossos bens: “Fazei para vós bolsas que não envelhecem, um tesouro inesgotável nos céus, do qual o ladrão não se aproxima e a traça não corrói” (Lc 12, 33). Condena a posse egoísta que não considera as necessidades alheias. Contudo, não pede que se viva na miséria. O valor absoluto é a fraternidade, não a pobreza material. Confirma-o a experiência da primeira Igreja em Jerusalém, onde os crentes tinham “um só coração e uma só alma” (Act 4, 32), punham os seus haveres em comum e, assim, “entre eles não havia ninguém necessitado” (Act 4, 34).

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