Ano da Fé – XLIX

PELIGROSO "GUSTAV" SIGUE FORTALECIÉNDOSE POCO A POCO ANTES DE LLEGAR A CUBA

Creio no Espírito Santo – III

O Espírito Santo vai-se manifestando discretamente, até se revelar em força nos momentos mais decisivos da história da salvação. No Antigo Testamento, «o Espírito Santo, como pessoa, está encoberto», como diz o Papa João Paulo II na sua Encíclica Dominum et Vivificantem (cf. n.º 15). Irrompe no Novo Testamento, depois de o Filho consumar a sua obra de salvação. De facto, como podemos verificar, no Antigo Testamento predomina a figura do Pai; no Novo Testamento predomina a figura do Filho e ao mesmo tempo abre-se o caminho à acção do Espírito Santo na Igreja. Assim se torna explícita a existência da Santíssima Trindade, presente desde o princípio na obra da criação. O Espírito Santo é uma pessoa, mas para se falar dele usa-se a linguagem dos símbolos, que evidenciam aquilo que Ele faz. Eis alguns desses símbolos:

Vento, sinal da força de Deus: o vento destrói obstáculos que pareciam intransponíveis (Act 2, 2) e é símbolo da força, acção e dinamismo de Deus, que se manifestam logo na criação (cf. Gn 1, 2) e depois actuam nos profetas (Ez 1, 4) e nos Apóstolos (Act 2, 2).

Hálito, alma (alento vital) do homem: Gn 2, 7.

Água: os rios de água viva de que fala Jesus em Jo 7, 38 são o símbolo da vida nova no Espírito Santo: “Ele falava do Espírito que deviam receber aqueles que tinham crido nele; pois não havia ainda Espírito, porque Jesus ainda não fora glorificado” (Jo 7, 39).

A pomba é o sinal da simplicidade, da liberdade e da paz, do calor e da vida, e do mistério de Deus. Conforme a pomba que pousa na arca de Noé (Gn 8, 6-12) anuncia a nova humanidade, também aquela que aparece no Baptismo de Jesus (Mt 3, 16) anuncia que Ele é o iniciador da nova criação, o que baptiza no Espírito Santo.

O fogo significa, na Bíblia, a presença amorosa e activa de Deus no meio do seu povo. É sinal de insatisfação, de inquietação, de purificação (Is 6, 6-7; Ez. 1, 4) e entrega à missão, sobretudo ao ministério da Palavra (cf. Act 4, 8. 20: a ânsia de proclamar a Palavra é como um fogo que queima). Por isso em Act 2, 3 o Espírito Santo desce em forma de línguas de fogo.

A acção do Espírito Santo não se opõe à acção de Cristo, mas vem depois dele e graças a ele «para continuar no mundo, mediante a Igreja, a obra da Boa Nova da salvação» (cf. Dominum et Vivificantem, n.º 3). Assim, «o Espírito Santo fará com que perdure sempre na Igreja a mesma verdade, que os Apóstolos ouviram do seu Mestre» (cf. Dominum et Vivificantem, n.º4).

A sua acção concretiza-se em favor de cada pessoa individual, e em favor da Igreja. O Espírito Santo e as suas inspirações não são propriedade privada de ninguém, mas é em confronto com a Igreja que nós devemos avaliar os carismas que o Espírito vai suscitando em cada pessoa.

O Espírito Santo é o Espírito da Verdade. É no seu testemunho que «o testemunho humano dos Apóstolos encontrará o seu mais forte sustentáculo» (cf. Dominum et Vivificantem, n.º 5). Assim o Espírito Santo não ensina nada diferente do que Jesus Cristo ensinou, mas pelo contrário, assegura de modo duradouro a transmissão e irradiação da Boa Nova revelada por Jesus de Nazaré (cf. Dominum et Vivificantem, n.º 7).

Portanto, quem pede: «Vem, Espírito Santo!», tem de estar preparado para dizer: «Vem e incomoda-me onde tenho de ser incomodado!» (Wilhems Stählin).

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Ano da Fé – XLVIII

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Creio no Espírito Santo – II

Significativamente, o Espírito é mencionado na abertura e encerramento da Bíblia. Toda a história, desde a criação até à realização final, se desenrola sob o influxo do poderoso “sopro” de Deus. O Espírito é a omnipotência do amor com que Deus realiza o seu projecto no mundo: que produz as coisas, dá a vida, suscita os profetas, justifica os pecadores, faz ressuscitar os mortos.

No Novo Testamento, com a vinda e a obra de Jesus, o Espírito de Deus está presente. O anjo da Anunciação anuncia que o Espírito virá sobre a Virgem Maria, de tal modo que aquele que vai nascer dela “será santo e chamado Filho de Deus” (Lc 1, 35). Mais tarde, no baptismo de Jesus, os céus abrem-se e Jesus vê o Espírito de Deus descer como uma pomba sobre ele (cf. Mt 3, 16). É o Espírito que o conduz ao deserto e é pela força do Espírito que resiste ao tentador. Toda a sua acção, a autoridade da sua Palavra, os milagres como os gestos mais simples que ele realiza, são obra deste Espírito que Deus lhe dá “sem medida” (Jo 3, 34).

Este Espírito, Jesus prometeu-o aos seus discípulos no momento de os deixar: “Pedirei ao Pai, e ele vos dará outro Defensor que estará sempre convosco: o Espírito de verdade” (Jo 14, 16). Com efeito, para que o Espírito seja derramado, é necessário que Jesus, realizada a sua obra, parta: “Se eu não partir, o Defensor não virá até vós; mas se eu partir, enviar-vo-lo-ei” (Jo 16, 7). A partida de Jesus é o seu regresso ao Pai.

A grande manifestação do Espírito Santo à Igreja nascente dá-se porém no Pentecostes. Segundo o texto de Act. 2, 4, “…todos ficaram repletos do Espírito Santo…”. Deu-se aqui o cumprimento da promessa de Jesus Cristo, de que não deixaria órfãos os seus discípulos. O Espírito Santo é o defensor e consolador prometido, e por Ele os discípulos darão testemunho de Cristo. É pela sua acção que a Igreja se dá a conhecer ao mundo. Os Apóstolos perdem o medo de testemunhar a sua fé em Jesus Cristo ressuscitado e lançam-se na missão de anunciar o Evangelho ao mundo, porque o Espírito Santo está com eles. É também Ele que guia a Igreja e está presente nas suas grandes decisões. Por isso se diz que o Espírito Santo é a alma da Igreja.

A missão do Espírito é introduzir-nos na comunhão com Deus. Por meio dele, o amor de Deus é derramado nos nossos corações e o Pai e o Filho passam a habitar em nós, tornamo-nos irmãos em Cristo, a ele unidos como a seu corpo, participantes da sua relação filial com o Pai, capazes de partilhar a sua caridade para com todos, co-herdeiro da sua glória.

Mas a nossa capacidade de compreensão é limitada; por isso, a missão do Espírito é introduzir a Igreja de maneira sempre nova, de geração em geração, na grandeza do mistério de Cristo (Bento XVI).

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Ano da Fé – XLVIII

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Creio no Espírito Santo – I

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

O tempo pascal, que com alegria estamos a viver guiados pela liturgia da Igreja, é por excelência o tempo do Espírito Santo doado «sem medida» (cf. Jo 3, 34) por Jesus crucificado e ressuscitado. Este tempo de graça concluir-se-á com a festa do Pentecostes, na qual a Igreja revive a efusão do Espírito sobre Maria e os Apóstolos reunidos em oração no Cenáculo.

Mas quem é o Espírito Santo? No Credo professamos com fé: «Creio no Espírito Santo que é Senhor e dá a vida». A primeira verdade à qual aderimos no Credo é que o Espírito Santo é Kyrios, Senhor. Isto significa que Ele é verdadeiramente Deus como o Pai e o Filho, objecto do mesmo acto de adoração e glorificação que dirigimos ao Pai e ao Filho. De facto, o Espírito Santo é a terceira Pessoa da Santíssima Trindade; é o grande dom de Cristo Ressuscitado que abre a nossa mente e o nosso coração à fé em Jesus como o Filho enviado pelo Pai e que nos guia para a amizade e a comunhão com Deus.

Mas gostaria de reflectir principalmente sobre o facto de que o Espírito Santo é a fonte inesgotável da vida de Deus em nós. O homem de todos os tempos e lugares deseja uma vida plena e boa, justa e serena, uma vida que não seja ameaçada pela morte, mas que possa amadurecer e crescer até à sua plenitude. O homem é como um viajante que, ao atravessar os desertos da vida, tem sede de água viva, jorrante e fresca, capaz de saciar profundamente o seu desejo de luz, amor, beleza e paz. Todos nós sentimos este desejo! E Jesus doa-nos esta água viva: ela é o Espírito Santo, que procede do Pai e que Jesus derrama nos nossos corações. «Vim para que tenhais vida e vida em abundância», diz-nos Jesus (Jo 10, 10).

Jesus promete à Samaritana que dará a «água viva», em abundância e para sempre, a todos aqueles que o reconhecerem como o Filho enviado pelo Pai para nos salvar (cf. Jo 4, 5-26; 3, 17). Jesus veio para nos dar esta «água viva» que é o Espírito Santo, para que a nossa vida seja guiada, animada e alimentada por Deus. Quando dizemos que o cristão é um homem espiritual entendemos precisamente isto: é uma pessoa que pensa e age em conformidade com Deus, segundo o Espírito Santo. Mas pergunto-me: e nós, pensamos segundo Deus? Agimos em conformidade com Deus? Ou deixamo-nos guiar por muitas outras coisas que não são propriamente Deus? Cada um deve responder a isto no profundo do seu coração.

Nesta altura podemos perguntar-nos: por que esta água pode saciar-nos profundamente? Sabemos que a água é essencial para a vida; sem água morremos; ela sacia, purifica e torna a terra fecunda. Na Carta aos Romanos encontramos esta expressão: «O amor de Deus foi derramado em nossos corações, pelo Espírito Santo, que nos foi concedido» (5, 5). A «água viva», o Espírito Santo, Dom do Ressuscitado que passa a habitar em nós, purifica-nos, ilumina-nos, renova-nos e transforma-nos porque nos torna partícipes da própria vida de Deus que é Amor. Por isso, o Apóstolo Paulo afirma que a vida do cristão é animada pelo Espírito e pelos seus frutos, que são «caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, temperança» (Gl 5, 22-23). O Espírito Santo introduz-nos na vida divina como «filhos no Filho Unigénito». Noutro trecho da Carta aos Romanos, que recordámos várias vezes, são Paulo sintetiza-o com estas palavras: «Na verdade, todos aqueles que são movidos pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus. Vós não recebestes um espírito de escravidão, para cair de novo no temor; recebestes, pelo contrário, um espírito de adopção, pelo qual chamamos: “Abba, Pai”. O próprio Espírito atesta em união com o nosso espírito que somos filhos de Deus; filhos e igualmente herdeiros – herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo – se sofremos com Ele, é para sermos também glorificados com Ele» (8, 14-17). Este é o dom precioso que o Espírito Santo derrama nos nossos corações: a própria vida de Deus, vida de filhos verdadeiros, uma relação de intimidade, liberdade e confiança no amor e na misericórdia de Deus, que tem como efeito também um olhar novo para os outros, próximos e distantes, vistos sempre como irmãos e irmãs em Jesus, que devem ser respeitados e amados. O Espírito Santo ensina-nos a ver com os olhos de Cristo, a viver e a compreender a vida como Ele o fez . Eis por que a água viva que é o Espírito Santo sacia a nossa vida, porque nos diz que somos amados por Deus como filhos, que podemos amar Deus como seus filhos e com a sua graça podemos viver como filhos de Deus, como Jesus. E nós, escutamos o Espírito Santo? O que nos diz? Diz-nos: Deus ama-te. É o que nos diz. Deus ama-te, gosta de ti. Nós amamos deveras Deus e os outros, como Jesus? Deixemo-nos guiar pelo Espírito Santo, permitamos que Ele nos fale ao coração e nos diga: Deus é amor, Deus espera-nos, Deus é Pai, ama-nos como verdadeiro pai, ama-nos verdadeiramente e só o Espírito Santo diz isto ao nosso coração. Ouçamos o Espírito Santo, escutemos o Espírito Santo e vamos em frente por este caminho de amor, misericórdia e perdão. Obrigado!

Papa Francisco

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Ano da Fé – XLVII

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A ressurreição de Jesus – II

É a partir do testemunho e da fé dos apóstolos que nós acreditamos na ressurreição de Jesus: “Este Jesus, Deus ressuscitou-o: e disso todos nós somos testemunhas” (Act 2, 32). Hoje nós acreditamos sem ter visto. Os apóstolos, esses, viram e acreditaram. Por terem visto, eles podem atestar o acontecimento da ressurreição e dar testemunho que o Ressuscitado é, de facto, Jesus de Nazaré. Mas, se eles viram, foi para que nós pudéssemos acreditar, graças ao seu testemunho.

A ressurreição é a resposta amorosa de Deus ao amor filial e fiel de Jesus, mostrando quem era o inocente e quem eram os pecadores. Pela ressurreição Deus confirmou os actos e as palavras de Jesus bem como a autoridade que ele se tinha atribuído. Manifestou que em Jesus o Reino chegou, que Aliança Nova foi selada e que Jesus é o Messias prometido, o Ungido do Senhor. Nele as promessas de Deus estão realizadas. A ressurreição é a chegada de um mundo novo anunciado pelos profetas.

A ressurreição não constituiu simplesmente um triunfo para Jesus, mas é causa da nossa salvação: “foi ressuscitado para nossa justificação” (Rom 4, 25). Recebeu o poder divino de dar a vida e tornou-se o fundador da nova humanidade, o novo Adão, que nos faz renascer como filhos de Deus e conduz o mundo à sua perfeição. A vitória sobre o mal é certa. A história encaminha-se para a salvação; a última palavra pertence à graça de Deus. Devemos sacudir de nós a tristeza e a resignação, para nos abrirmos à coragem da esperança.

O acontecimento da morte e da ressurreição de Cristo é o coração do Cristianismo, o ponto central e fundamental da nossa fé, o poderoso impulso da nossa certeza, o vento forte que afugenta toda a angústia e incerteza, a dúvida e o calculismo humano (Bento XVI).

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Ano da Fé – XLVI

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A ressurreição de Jesus – I

A ressurreição de Jesus é o fundamento e o objecto por excelência da fé e da esperança cristãs. “Se Cristo não ressuscitou, não tem sentido a nossa pregação e também não tem sentido a vossa fé” – declara São Paulo (1Cor 15, 14). Os cristãos estão encarregados, no seguimento dos Apóstolos, a anunciar ao mundo esta “boa nova”: Cristo ressuscitou!

Ninguém assistiu à ressurreição de Jesus. Ela foi anunciada, primeiro, por um mensageiro de Deus, um anjo, que disse às mulheres: “Não tenhais medo; sei que procurais Jesus, o Crucificado. Não está aqui: ressuscitou, como tinha dito. Vinde ver o lugar onde jazia. Mas ide depressa dizer aos seus discípulos: ele ressuscitou dos mortos e vai à vossa frente para a Galileia. Lá o vereis!” (Mt 28, 5-7). No primeiro dia da semana, elas foram as primeiras a vir ao túmulo e a encontrá-lo vazio; foram elas as primeiras a receber o anúncio da ressurreição.

Se ninguém assistiu à saída do túmulo, Jesus ressuscitado deu-se a ver “às testemunhas que Deus tinha antecipadamente escolhido” – como Pedro o declarará em casa de Cornélio – : “a nós que comemos e bebemos com ele depois da sua ressurreição de entre os mortos” (Act 10, 41). Os discípulos de Jesus não cessaram de atestar com força e perseverança, e mesmo com perigo da própria vida, terem visto Jesus vivo.

A ressurreição de Jesus não é um regresso ao modo de vida anterior – o nosso – estabelecido sob a lei da morte. Deste ponto de vista a ressurreição de Jesus difere radicalmente de uma ressurreição provisória, como a de Lázaro, ou a de qualquer outra pessoa, realizada por Jesus. “Ressuscitado dos mortos, Cristo já não pode morrer; a morte já não tem domínio sobre ele”(Rm 6, 9).

É sempre por iniciativa gratuita da sua parte que Jesus, do lado de lá da morte, torna o seu corpo visível a homens e mulheres que não são ressuscitados. Os relatos das aparições insistem fortemente sobre a originalidade absoluta da presença de Jesus. Ele torna-se presente e desaparece de uma maneira nova, diferente das maneiras anteriores de se encontrar com as pessoas e, todavia, é sempre ele! Deste modo os discípulos poderão atestar, de geração em geração, a identidade entre o Crucificado e o Ressuscitado.

Quem compreende a Páscoa não desespera (Dietrich Bonhoeffer).

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Ano da Fé – XLV

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O mistério da redenção

Quem provocou a morte de Jesus? Do ponto de vista histórico, a morte de Jesus foi desejada pelas autoridades hebraicas e romanas do tempo, e pela multidão de Jerusalém habilmente manipulada. Não por todos os hebreus de então e muito menos pelos das gerações seguintes.

Mas as causas históricas não explicam adequadamente a cruz de Cristo. A nível diferente, todos os homens são responsáveis por ela. Aqueles poucos que, em grau variável, a provocaram directamente são apenas os representantes do pecado, radicado em todos os homens, em todos os povos e em todas as épocas: “Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras” (1Cor 15, 3). “Segundo as Escrituras” significa segundo o projecto de Deus escondido no Antigo Testamento. Por trás da morte de Jesus está, pois, um desígnio de Deus, um desígnio de amor, a que a fé da Igreja chama mistério da redenção. Tal como o antigo Israel foi liberto da escravidão do Egipto para receber o dom da aliança e da Terra prometida, assim toda a humanidade é redimida, isto é, liberta da escravidão do pecado e introduzida no Reino de Deus. Surpreendendo todas as expectativas humanas, Deus revela-se na fraqueza e na loucura da cruz como amor sem medida; abraça, por meio do Crucificado, aqueles que se encontram longe d’Ele; e, por fim, subordina a morte de Jesus à salvação dos pecadores, por meio da gloriosa ressurreição.

O mistério da redenção, segundo o Novo Testamento, é mistério de amor. Deus é em si mesmo perfeitíssimo, feliz e imutável. Não pode diminuir, nem crescer, nem perder, nem adquirir. É por amor completamente livre e gratuito que chama à vida as criaturas e que concede a sua Aliança. O homem, criado livre, fecha-se, com o pecado, ao amor e aos dons de Deus. O pecado ofende a Deus e provoca-lhe um misterioso “sofrimento”, que, segundo a Bíblia, é amargura e desilusão, ciúme, ira e, sobretudo, compaixão. No seu amor sempre fiel, na sua misericórdia sem limites, “Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único, para que todo o que n’Ele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16). Cristo acolhe livremente a iniciativa do Pai. Partilha a atitude misericordiosa do Pai, a sua vontade, e o seu projecto. Entregou-se aos homens sem reservas, confiou-se às suas mãos, sem recuar perante a sua hostilidade, tomando sobre si o peso do seu pecado. Assim viveu e testemunhou na sua carne a fidelidade incondicional do amor de Deus à humanidade pecadora.

Os demónios não são os que O crucificaram, mas tu, que, juntamente com eles, O crucificaste e continuamente crucificas, quando te comprazes nos vícios e no pecado (São Francisco de Assis).

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Ano da Fé – XLIV

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A descida aos infernos

Conforme afirma a fé da Igreja formulada no “Credo apostólico”, Jesus ao morrer “desceu aos infernos”. O que significa esta expressão um tanto obscura? Os infernos são a morada simbólica dos defuntos. No tempo de Jesus considerava-se que aí havia lugares e condições diferentes para os justos e para os maus, enquanto uns e outros esperavam a recompensa plena no juízo final.

Jesus foi ter com os mortos “pregar aos espíritos que estavam na prisão da morte” (1Pe 3, 1; Ef 4, 9-10) e em seguida ressuscitou dos mortos. Foi ao encontro dos mortos como Salvador, levou-lhes os benefícios da sua morte redentora. O sentido desta fé neotestamentária resume-se em três afirmações: Jesus morreu de verdade; a sua morte redentora tem valor salvífico para todos os homens, mesmo para os que viveram antes dele; o seu encontro com os justos, que já tinham morrido, comunica-lhes a plenitude da comunhão com Deus. Definitivamente, a descida aos infernos, mais do que a sujeição à morte, é vitória sobre ela.

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Ano da Fé – LXIII

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Jesus na cruz

Jesus foi condenado à morte de cruz, suplício reservado aos escravos e aos criminosos de direito comum. Suplício infamante e atroz ao mesmo tempo. Na cruz, segundo Mateus 27, 46 e Mc 15, 34,  Jesus pronuncia estas palavras: “Meu Deus, meu Deus , porque me abandonaste?”. Este grito, que a tradição judaica aplica ao Justo sofredor, é a expressão do abismo a que pode descer o homem que se sente abandonado por Deus, mas é também uma oração confiante, na medida em que Jesus retoma aqui a primeira frase do salmo 21, cuja segunda parte é uma proclamação de esperança saída do mais profundo abatimento, um abandono filial. Algumas experiências dos místicos ajudam-nos a intuir, por analogia, quão tremenda foi para Jesus a experiência do abandono por parte do Pai: “Não há sofrimento maior para a pessoa do que o pensamento de ter sido abandonado por Deus… A alma experimenta vivamente a sombra da morte, o lamento da morte e os sofrimentos do inferno” (São João da Cruz).

São Lucas e São João dão à morte de Jesus uma luz complementar. Em Lucas, Jesus perdoa aos seus algozes (cf. Lc 23, 34), promete o paraíso, “hoje mesmo”, ao malfeitor arrependido (Lc 23, 43) e a sua última palavra é uma palavra de abandono confiante nas mãos do Pai: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23, 46). João, por seu lado, refere a palavra comovente de Jesus a sua Mãe e ao discípulo que ele amava: “Mulher, eis o teu filho. (…) Eis a tua Mãe” (Jo 19, 26-27).

Jesus manifestou na cruz uma confiança filial absoluta para com o Pai, assim como um amor infinito para com todos – para com os inimigos como para os seres mais queridos – no meio de um sofrimento e de um abandono que temos dificuldade em imaginar.

A cruz foi, é e será sempre um escândalo e uma loucura. É necessário realizar a conversão para reconhecer o Salvador num homem crucificado. E todavia “o que é loucura de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1Cor 1, 25). Para permanecer ao pé da cruz será sempre necessário uma conversão de olhar: “Hão-de olhar para Aquele que trespassaram” (Jo 19, 37). A morte de Jesus, assumida por amor e obediência à missão recebida do Pai, é revelação da glória de Deus. É o testemunho último e inesgotável de que “Deus amou de tal maneira o mundo que entregou o seu Filho único, para que todo o homem que acredita n’Ele não se perca” (Jo 3, 16).

Se levares alegre a tua cruz, ela te levará (Tomás de Kempis).

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Ano da Fé – XLII

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 A agonia e condenação de Jesus à morte

Depois da última ceia Jesus entra em agonia, isto é, numa luta interior entre o desejo de não ser entregue ao “domínio das trevas” (Lc 22, 53), de escapar à morte sangrenta que se anuncia, e o de realizar até ao fim a vontade do Pai e a missão recebida. Jesus confessa que “está triste com uma tristeza de morte” (Mt 26, 38). Nesta cena dolorosa de combate e de tentação, nesta hora de angústia, Jesus partilha a aflição que qualquer homem sente diante da morte.

Ao contrário dos discípulos que não conseguem contrariar o sono, Jesus dá exemplo de uma oração incessante, dizendo: “Pai, se este cálice não pode passar sem que eu o beba, faça-se a tua vontade” (Mt 26, 42).

Depois da agonia Jesus foi preso, conforme as indicações de Judas, o traidor. Jesus vai sujeitar-se a um duplo processo: primeiro, o judaico, no decurso do qual o Sinédrio, presidido por Caifás, o acusa formalmente de blasfémia, por ter respondido “Dizeis bem, Eu o sou” à pergunta “Tu és, então, o Filho de Deus?”; depois, o romano, ao comparecer diante de Pilatos, o governador da província; só ele tem direito de condenar à morte e de fazer executar a sentença. Por este duplo processo os evangelistas mostram que a morte de Jesus é da responsabilidade dos homens, de todos os homens, que se uniram na mesma cumplicidade pecadora para levar Jesus à morte. Jesus é o Justo, cuja vida e testemunho se tinham tornado insuportáveis aos olhos deles. Ele é o Inocente condenado. Na condenação de Jesus entram em acção simultâneamente, por um lado, a liberdade dos homens e, por outro, a liberdade soberana de Jesus, que se insere nos frutos amargos do pecado para aí fazer triunfar o amor.

Jesus não somente é julgado e condenado pelas autoridades religiosas e políticas, depois de ter sido traído por Judas, mas é escarnecido e torturado pelos soldados, apupado pela multidão que a ele prefere Barrabás, desamparado dos seus e renegado por Pedro. Abandonado à sua solidão, ele faz a experiência do fracasso e da contradição total. A acção que leva à morte é obra dos homens e a acção que leva à vida é obra de Deus. Só o desígnio de amor de Deus (cf. 1Jo 4, 10) podia fazer servir esta morte à reconciliação e à salvação daqueles que a infligiram.

Só quem seriamente ponderou quão pesada é a cruz pode conceber quão pesado é o pecado (Santo Anselmo de Cantuária).

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Ano da Fé – XLI

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A última ceia

Jesus sabe bem que caminha para a morte (cf. Mc 10, 32-34). Esta morte, ele não a suporta como uma fatalidade, mas aceita-a em plena liberdade e dá-lhe sentido: faz dela o dom da sua vida (cf. Jo 15, 13).

É no decurso da última ceia, partilhada com os discípulos, que Jesus revela o sentido da sua morte. Toma o pão e o vinho e diz: “isto é o meu corpo, entregue por vós. Fazei isto em memória de mim. (…) Este cálice é a nova aliança estabelecida no meu sangue. Todas as vezes que dele beberdes, fazei isto em memória de mim” (1Cor 11, 24-25). O corpo e o sangue significam a totalidade da pessoa, oferecida aos seus sob uma dupla forma. De um lado, a instituição da Eucaristia; do outro o seu corpo entregue e o seu sangue vertido sobre a cruz pelo perdão dos pecados. Ambos os dons estão ligados um ao outro de modo a fazerem um só. A Eucaristia exprime o sentido que Jesus quis dar à sua morte: ele dá a vida para que nós tenhamos a vida. Mas este dom da vida que Jesus realizou na cruz, este dom pleno do amor divino, é-nos efectivamente comunicado na Eucaristia. Todas as vezes que comemos deste pão e bebemos deste cálice (cf. 1Cor 11, 25), recebemos como alimento de vida aquele que realizou a sua Páscoa, aquele que foi “entregue pelas nossas faltas e que ressuscitou para nossa justificação” (Rom 4, 25). Pela celebração da Eucaristia o mistério da cruz e da ressurreição ficará perpetuamente presente e agindo na vida dos crentes. Na ceia, Jesus sela a identidade entre o seu ensinamento e a sua vida, identidade cuja manifestação suprema será a cruz.

Na última ceia Jesus lava os pés aos discípulos. Este gesto de humilde serviço é um anúncio profético do que Jesus vai fazer na cruz. Pelo baptismo da sua paixão e morte, ele vai prestar aos homens o serviço supremo de os lavar, de os purificar pelo seu sangue. Ao realizar este gesto Jesus dá-nos também um exemplo, a fim de que façamos, também nós, como ele fez pelos homens (cf. Jo 13, 15). Aqueles que recebem a Eucaristia são chamados ao amor e ao serviço fraterno, até dar a própria vida pelos irmãos.

Deus ter-nos-ia dado algo maior, se houvesse algo maior que Ele próprio (São João Maria Vianney).

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