Ano da Fé – XXX

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Convertei-vos e acreditai

Converter-se significa assumir uma forma diferente de pensar e agir, colocando Deus e a sua vontade em primeiro lugar, prontos, se necessário, a renunciar a qualquer outra coisa, por muito importante e querida que possa ser. Significa libertar-se dos ídolos que criámos para nós e que prendem o coração: bem-estar, prestígio social, afectos desordenados, preconceitos culturais e religiosos. A decisão tem de ser clara, sem reservas: “Portanto, se o teu olho for para ti ocasião de pecado, arranca-o e lança-o fora… E se a tua mão direita for para ti origem de pecado, corta-a e deita-a fora (Mt 5, 29-30). Todavia Jesus conhece a fragilidade humana e sabe ser paciente (cf. Lc 13, 8-9).

Quem se converte abre-se à comunhão, reencontra a harmonia com Deus, consigo mesmo, com os outros e com as coisas; redescobre um bem originário, que no fundo esperava desde sempre. Quando Jesus chama Zaqueu, chefe de cobradores de impostos em Jericó que não tinha senão   acumulado riquezas, explorando o povo e grangeando o ódio de todos, desse encontro resulta uma mudança radical na sua vida: “Senhor, vou dar metade dos meus bens aos pobres e, se defraudei alguém em qualquer coisa, devolver-lhe-ei quatro vezes mais” (Lc 19, 8). Só então, pela primeira vez, Zaqueu se sente verdadeiramente feliz, porque se sente renascer como filho de Deus e como irmão no meio de irmãos.

As renúncias que Jesus pede são, na realidade, uma libertação para crescer, para se ser mais pessoa. O sacrifício é caminho para a verdadeira liberdade, na comunhão com Deus e com os outros. Quem reconhece Deus como Pai e faz a sua vontade, experimenta logo o seu reino e recebe energias com vista a uma moralidade mais elevada, a uma história diferente, pessoal e comunitária, que tem a vida eterna por meta.

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Ano da Fé – XXIX

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As bem-aventuranças

Jesus proclama bem-aventurados os últimos da sociedade, porque são os primeiros destinatários do reino. Precisamente porque são pobres e necessitados, Deus no seu amor gratuito e misericordioso, vai ao seu encontro e chama-os a serem seus filhos, conferindo-lhes uma dignidade que nenhuma circunstância exterior pode anular ou diminuir, nem a indigência, nem a marginalização, nem a doença, nem o insucesso, nem a humilhação, nem a perseguição, nem qualquer outra adversidade. Os pobres, os que sofrem e os pecadores experimentam a sua fraqueza, de um modo agudo. Estão dispostos a deixar-se salvar por Deus. São levados a medir o valor da sua pessoa, não pelos bens exteriores, mas pelo amor que o Pai lhes tem. Porém, para fazer a experiência jubilosa d’Ele, devem abandonar-se ao seu amor, com humildade e confiança e, portanto, converter-se.

O próprio Jesus é pobre e perseguido, mas cheio de alegria, exulta no Espírito Santo e louva o Pai. Basta-lhe ser amado como Filho. É feliz por receber tudo do Pai e por nada ser sem Ele. A sua pobreza não se reduz a uma condição exterior. É acima de tudo, uma atitude espiritual, é humildade: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 29).

O reino é oferecido a todos, mas só atinge efectivamente quem, reconhecendo a sua insuficiência e a precariedade dos bens terrenos, espera a salvação unicamente de Deus e, com a sua graça, se torna justo, manso e misericordioso com os outros. As atitudes para acolher o reino encontram-se bem explícitas nas bem-aventuranças. Tendo presente a redacção do evangelista Mateus, aqui é apresentada uma redacção numa perspectiva catequética:

Bem-aventurados os humildes que apenas confiam em Deus, porque para eles está reservado o seu reino. / Bem-aventurados aqueles que se afligem com o mal presente no mundo e em si próprios, porque Deus os consolará. / Bem-aventurados os mansos, aqueles que são acolhedores, cordiais, pacientes e renunciam a impor-se aos outros pela força, porque Deus lhes permitirá conquistar o mundo. / Bem-aventurados aqueles que desejam ardentemente a vontade de Deus para si e para os outros, porque Deus os saciará à sua mesa. / Bem-aventurados os misericordiosos, que sabem perdoar e realizar obras de caridade, porque Deus será misericordioso para com eles. / Bem-aventurados os puros de coração, que têm uma consciência recta, porque Deus os admitirá à sua presença na liturgia celeste. / Bem-aventurados aqueles que constroem uma convivência pacífica, justa e fraterna, porque Deus os acolherá como filhos. / Bem-aventurados os perseguidos por causa da nova justiça evangélica, porque Deus, rei justo, os salvará”.

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Ano da Fé – XXVIII

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O Reino de Deus é para os pobres

Na Bíblia encontramos delineada em traços impressionantes, a condição dos pobres: duramente explorados nos trabalhos ocasionais; espoliados do boi, do burro e das ovelhas; curvados pelas canseiras e pelas humilhações; alimentam-se de ervas que encontram nos campos e de algumas uvas esquecidas nas vinhas depois das vindimas; passam a noite despidos e indefesos face ao frio, encharcados de chuva, quando nem sequer encontram uma gruta onde se possam refugiar. (Jb 24, 2-11; Is 1, 10-28; Am 2, 6-8; Mq 3, 1-12). De um modo geral são considerados pobres todos aqueles que, por causa da sua fragilidade, não conseguem fazer valer os seus direitos e todos os que sofrem, de uma forma ou de outra, a opressão dos prepotentes.

Segundo a Bíblia, um rei é justo quando se torna defensor dos pobres, dos órfãos e das viúvas, de todos quantos não têm capacidade de se fazer respeitar. Por maioria de razão, a justiça real de Deus manifesta-se a favor dos oprimidos, dos famintos, dos doentes, dos aflitos, dos perseguidos e começa a libertá-los: “Feliz o que tem por auxílio o Deus de Jacob, o que põe a sua confiança no Senhor, seu Deus, que fez o céu e a terra, o mar e quanto neles existe. Eternamente fiel à sua palavra, faz justiça aos oprimidos e dá pão aos que têm fome. O Senhor dá liberdade aos cativos, o Senhor dá vista aos cegos; o Senhor levanta os abatidos, o Senhor ama os justos. O Senhor protege o estrangeiro, ampara o órfão e a viúva, e entrava o caminho aos pecadores. O Senhor reina eternamente. Sião, o teu Deus é rei por todas as gerações” (Sl 145, 5-10; Mt 10, 7-8; 11, 4-6; Lc 4, 18-21; 6, 20-22).

Tornando visível, por meio do seu comportamento, a própria actuação de Deus, Jesus vai ao encontro de todas as misérias espirituais e materiais. Alimenta com a palavra e o pão as multidões cansadas e sem guia, desprezadas pelos grupos religiosos cumpridores. Comove-se perante os doentes, que se aglomeram à sua volta e cura-os. Aproxima-se de várias categorias de marginalizados, as crianças, as mulheres, os leprosos, os pecadores apontados a dedo, como os publicanos e as prostitutas, os pagãos. Estende a mão a quem se encontra humilhado pelo pecado, pelo sofrimento, pelo desprezo dos outros. Jesus não se limita a agir pessoalmente. Envolve os discípulos na sua missão ao serviço do reino, exige de todos eles um sério empenhamento, através das obras de misericórdia, na libertação, mesmo parcial e provisória de todas as formas de mal, até à chegada da glória da realidade total (Mt 25, 35-40).

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Ano da Fé – XXVII

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A feliz notícia: chegou o Reino de Deus – II

Os profetas, principalmente Isaías, anunciaram uma grande intervenção de Deus em favor de Israel, um novo “êxodo”. Deus cuidará pessoalmente do seu povo, como um pastor faz com o seu rebanho. Libertá-lo-á, curá-lo-á, guiá-lo-á para Jerusalém. Um mensageiro correrá à frente a levar a boa notícia, “mensageiro que anuncia a paz, que traz a boa nova, que apregoa a vitória! Que diz a Sião: o teu Deus é Rei” (Is 52, 7); mensageiro enviado “a levar a boa-nova aos que sofrem…, a dar aos amargurados de Sião, uma coroa em vez de cinzas” (Is 61, 1.3). Ezequiel também levantou a sua voz para confortar e encorajar: o Senhor irá ainda manifestar a santidade e o poder do seu nome, guiará Israel pessoalmente através de um novo David, dará ao povo o seu Espírito, para que possa observar os mandamentos, ressuscitá-lo-á para uma nova vida (cf. Ez 34, 11-27; 36, 22-28; 37, 1-14).

O reino de Deus anunciado pelos profetas apresenta-se como a instauração de “um mundo novo”, perfeitamente reconciliado, que seria penetrado do amor e da presença de Deus, e em que os homens viveriam como irmãos – um mundo novo que se encontra agora apenas em germe. Mas este dom é já uma realidade efectiva e de alcance definitivo, mesmo se a sua plena manifestação é ainda objecto da nossa esperança. O reino de Deus está próximo, porque está já misteriosamente presente pelo facto de Jesus estar presente, proclamando e apressando a sua vinda. O presente, humilde e escondido, contém uma maravilhosa virtualidade que se desenvolverá no futuro. É como a semente, que silenciosamente germina na terra e no tempo próprio produz a espiga. É preciso acreditar, acima de tudo, no amor do Pai, que se manifesta através de Jesus, e converter-se do pecado, que é a raiz de todos os males. O apelo a acolher o reino de Deus dirige-se a todos, mas manifesta-se de maneira exemplar às pessoas que Jesus convida a fazer parte do grupo daqueles que o seguem: “Chamou-os, e eles, deixando no mesmo instante o barco e o pai, seguiram-no” (Mt 4, 22).

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Ano da Fé – XXVI

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A feliz notícia: chegou o Reino de Deus – I

Jesus de Nazaré não ensina uma perspectiva do mundo, retirada da experiência humana comum, um conjunto de verdades religiosas e morais, fruto de reflexão especialmente penetrante. Apresenta-se, antes, como o mensageiro de um acontecimento que acabou de ter início e se encontra em pleno desenvolvimento. O seu ensino, antes de ser ensino, é um anúncio, um grito de alegria: o reino de Deus está a chegar.

Uma simples frase colocada na abertura do Evangelho de Marcos, resume toda a sua pregação: “Completou-se o tempo e o reino de Deus está perto. Arrependei-vos e acreditai na Boa Nova” (Mc 1, 15). Esta é a boa notícia que Jesus tem para comunicar. Esta é a causa para a qual vive, a firme esperança que o sustém. Jesus afirma que a história atingiu a viragem decisiva, a grande promessa começa a realizar-se. Deus vem para reinar de um modo novo e definitivo. Vem para abrir um caminho seguro em direcção à plenitude de vida e da paz. Jesus não só é o mensageiro que anuncia a inauguração do reino de Deus mas, para além de mensageiro, considera-se também protagonista do reino. A intervenção de Deus concretiza-se através dele.

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Ano da Fé – XXV

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As tentações de Jesus no deserto

Depois do baptismo, Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto (cf. Lc 4, 1) onde foi tentado. Esta tentação tem uma relação directa com a missão que ele recebeu e que tinha sido revelada à beira do Jordão. Segundo Mateus e Lucas, Jesus passa no deserto quarenta dias, que simbolizam os quarenta anos que o povo de Israel passou no deserto do Sinai. A tríplice tentação de Jesus lembra as tentações do povo de Deus durante o Êxodo e à entrada da terra prometida. Recapitulando em si a história do povo eleito, Jesus faz suas as tentações que Israel conheceu e que são fundamentalmente as de qualquer homem. Obedecendo à vontade do Pai e apoiando-se na Escritura, Jesus resiste sem fraqueza e, pela força do Espírito Santo, vence Satanás.

A tentação de Jesus é por excelência aquela de que fala o livro do Génesis: “ser como deuses” (Gen 3, 5”; a tentação do orgulho radical que tem ciúmes de Deus, desejo de referir tudo a si mesmo, de não depender de Deus. Satanás, o tenebroso “príncipe deste mundo” (Jo 12, 31), apresenta a Jesus uma estratégia triunfalista, um falso messianismo feito de milagres clamorosos, como transformar as pedras em pão, lançar-se do alto do Templo com a certeza de ser salvo, conquistar o domínio político de todas as nações. Jesus rejeita decididamente as tentações. Diz “não” à falsa prosperidade material, porque “nem só de pão vive o homem mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4, 4). Diz “não” à ambígua popularidade obtida através do milagre espectacular, porque não se deve instrumentalizar Deus em função das nossas necessidades de segurança. Diz “não” à ambição do poder temporal, porque a verdadeira libertação do homem nasce do coração. A sua natureza de Filho de Deus manifesta-se não através da posse, na exibição de poder e domínio, mas no serviço humilde, no perdão, no amor, na entrega de si próprio na cruz.

A tentação foi real para Jesus. Ele “foi provado em tudo, à nossa semelhança, excepto no pecado” (Heb 4, 15). Mesmo mais tarde, irá experimentar a tentação da violência na hora da paixão e será desfiado a descer da cruz para exibir o seu poder.

Diariamente (…) o cristão tem de suportar um combate parecido ao que Cristo aguentou no deserto da Judeia, no qual foi tentado pelo diabo durante quarenta dias…Trata-se de um combate espiritual dirigido contra o pecado e, no fundo, contra Satanás. É um combate que implica toda a pessoa e exige uma constante e atenta vigilância (Bento XVI).

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Ano da Fé – XXIV

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O baptismo de Jesus

Baptizar significa “imergir”. No seu baptismo, Jesus imergiu simbolicamente na história de pecado de toda a humanidade. Ao fazê-lo, toma sobre si os nossos pecados e compreende o seu baptismo como uma interpretação antecipada do seu sofrimento, morte e da sua ressurreição. Jesus é o Filho amado do Pai, mas, a intimidade divina, em vez de O separar une-O aos pecadores. Deus está próximo de quem se reconhece pobre e necessitado de ser salvo. O Pai fala, regozijando-se com o seu Filho, autenticando a sua missão, atestando a autoridade da sua Palavra, desvelando a sua identidade e comunica-lhe o poder do Espírito Santo para que possa realizar a sua missão. O que Jesus era desde a sua concepção é agora revelado ao mundo.

À luz dos acontecimentos da Páscoa, a imersão no rio Jordão surge quase como que o prelúdio do supremo “baptismo” nas águas da morte pelos nossos pecados, enquanto a primeira apresentação pública do Messias anuncia antecipadamente a entronização na glória da ressurreição. A Igreja compreendeu que Jesus tinha vindo santificar o rito do baptismo e dar-lhe, graças ao seu baptismo de sangue – isto é, a sua paixão e a sua morte – e graças à sua ressurreição, o valor de salvação para toda a humanidade.

Existe uma comunhão entre pecadores e justos, porque, efectivamente, não existem justos (Gertrud von le Fort).

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Ano da Fé – XXIII

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A infância e a vida oculta de Jesus

Pelo seu significado salvífico, os acontecimentos da infância e da vida oculta de Jesus têm grande relevo na fé, na devoção, na tradição cultural e artística do povo cristão. A Igreja torna a revê-los com especial solenidade no tempo litúrgico do Natal, em que celebra o mistério da Encarnação. No nascimento de Jesus, pobre entre os pobres, é antecipada a suprema pobreza do Crucificado e começa a resplandecer a glória de Deus, entendida como revelação do seu amor. Na circuncisão do Menino Jesus exprime-se a sua pertença ao povo de Israel e a sua submissão à Lei. Na apresentação no Templo, Israel, representado por Simeão e Ana, vê coroada a sua expectativa e encontra o seu Salvador, enviado por Deus também como “luz para iluminar as nações” (Lc 2, 32). Na chegada dos magos, são as nações pagãs que, através dos seus representantes, vão ao encontro do Messias de Israel e o adoram como Salvador universal. Na fuga para o Egipto, anuncia-se para o Messias um futuro de contrates e perseguições. Ele realizará a sua missão através do sofrimento. No reencontro no Templo emerge a consciência de Jesus acerca da sua missão e da sua identidade de Filho de Deus.

A longa permanência de Jesus em Nazaré, entretecida de fadiga quotidiana e relacionamentos vulgares com as pessoas anónimas de uma obscura aldeia, manifesta também a condescendência de Deus e a sua vontade de estar connosco e à nossa disposição. Deus ama a vida quotidiana que não constitui notícia, caracterizada pela família e o trabalho, a vida da quase totalidade do género humano. É nela que se deixa encontrar; basta vivê-la como um dom e uma missão, com fé e amor. Não é necessário realizar grandes empreendimentos para sermos santos.

A resposta de Maria (…) é a expressão decisivamente mais difícil da história (Reinhold Schneider).

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Ano da Fé – XXII

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A origem de Jesus

Mateus e Lucas, nos evangelhos da infância, falam-nos da infância de Jesus antes de apresentarem o seu ministério. As suas narrativas contribuem para uma dupla resposta à pergunta sobre a origem de Jesus: Jesus tem uma origem humana: nasceu de Maria; é descendente de David. Tem uma origem divina: seu Pai é o próprio Deus.

Mateus começa por nos dar a genealogia de “Jesus Cristo, filho de David, filho de Abraão” (Mt 1, 1). A sucessão, de geração em geração, dos antepassados de Jesus manifesta o seu enraizamento na história da humanidade e do povo de Deus. Esta genealogia termina em José, porque é por ele, o esposo de Maria, que Jesus é legalmente o descendente de David. Mas Mateus conta, em seguida, qual foi “a origem de Jesus Cristo”: antes que José e Maria “tivessem coabitado, ela ficou grávida por acção do Espírito Santo” (Mt 1, 18). José recebe do “anjo do Senhor” a missão de “dar” ao menino “o nome de Jesus” (isto é, “o Senhor salva”), “porque é Ele que salvará o povo dos seus pecados” (Mt 1, 21). Em Lucas, depois da saudação, o anjo anuncia a Maria que ela vai conceber um filho, que será o Messias de Israel e no qual se cumprirão as promessas messiânicas. À pergunta de Maria “Como vai ser isso, se eu não conheço homem?”, o anjo responde que o menino, concebido por acção do Espírito Santo, será o Filho de Deus.

Segundo o evangelista João, a vida de Jesus mergulha em Deus: saiu de Deus, o Pai que o enviou, e volta para Deus (cf. Jo 13, 3; 14, 3-4). No prólogo do seu evangelho, São João remonta em Deus até àquele princípio mais absoluto que o do Génesis, em que o Verbo era, em que ele preexistia junto de Deus e ele próprio era Deus. Depois deixa-nos esta afirmação: “O Verbo fez-se carne” (Jo 1, 14). O prólogo termina com estas palavras que dizem ao mesmo tempo, quem é Jesus, donde vem e porque é que veio: “Deus, ninguém jamais o viu; o Filho único, que está no seio do Pai, é que no-lo deu a conhecer” (Jo 1, 18).

Deus é tão grande que Se pode tornar pequeno. Deus é tão poderoso que se pode fazer indefeso, aproximando-Se de nós como uma criança indefesa, para que O possamos amar (Bento XVI).

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Ano da Fé – XXI

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Os evangelhos e Jesus

Os cristãos são aqueles que puseram a sua fé em Jesus de Nazaré. Comprometeram a própria vida no seu seguimento. Confessam, ou melhor, proclamam que “Deus o ressuscitou dos mortos” (Act 3, 15), como Filho de Deus e como Salvador, como Senhor e Cristo, Messias de Deus. Tal é a fé dos Apóstolos expressa desde o início do Evangelho: “Começo da Boa Nova de Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc 1, 1). Tal é a tradição unânime da Igreja expressa no símbolo da fé: “Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho único de Deus”.

Jesus de Nazaré não é uma ideia, mas uma pessoa concreta. Isso mesmo o confirmam também os documentos de proveniência hebraica e pagã. Mas são os quatro Evangelhos que o dão a conhecer de forma substancial na sua vivência pessoal, na sua acção e ensino. Os quatro Evangelhos têm valor histórico, na medida em que referem fielmente as obras e as palavras de Jesus, repensadas à luz dos acontecimentos pascais, sob a inspiração do Espírito Santo. Eles são expressão da fé dos evangelistas e da primeira comunidade cristã, mas isso não impede que os consideremos fonte de informação segura, porque a fé cristã caracteriza-se precisamente pelo facto de se radicar na história.

A fé cristã encontra Deus num homem em carne e osso, visto com os olhos, ouvido com os ouvidos e tocado com as mãos. Supõe o conhecimento directo ou, pelo menos, a palavra de testemunhas dignas de crédito e tem a consciência de que, sem acontecimentos garantidos por sólidos testemunhos, não passaria de uma vã ilusão.

Os Evangelhos, embora não pretendam oferecer uma biografia completa recolhem uma selecção de factos e de afirmações de Jesus, considerados importantes pelo seu significado salvífico e suficientes para assegurar uma base à fé no Filho de Deus e à compreensão global do desígnio salvífico. Sem os Evangelhos, não saberíamos que Deus, por amor infinito, nos enviou o seu Filho, para que nós, apesar dos nossos pecados, encontrássemos o caminho de regresso à eterna comunhão com Deus, nos salvássemos e chegássemos ao conhecimento da verdade. Somos chamados a deixar-nos iniciar pelos Evangelhos no olhar de fé que eles lançam sobre o mistério de Jesus.

Fala de Cristo apenas quando te perguntarem! Mas vive de tal maneira que te perguntem por Cristo! (Paul Claudel)

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