Ano da Fé – LXIII

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Jesus na cruz

Jesus foi condenado à morte de cruz, suplício reservado aos escravos e aos criminosos de direito comum. Suplício infamante e atroz ao mesmo tempo. Na cruz, segundo Mateus 27, 46 e Mc 15, 34,  Jesus pronuncia estas palavras: “Meu Deus, meu Deus , porque me abandonaste?”. Este grito, que a tradição judaica aplica ao Justo sofredor, é a expressão do abismo a que pode descer o homem que se sente abandonado por Deus, mas é também uma oração confiante, na medida em que Jesus retoma aqui a primeira frase do salmo 21, cuja segunda parte é uma proclamação de esperança saída do mais profundo abatimento, um abandono filial. Algumas experiências dos místicos ajudam-nos a intuir, por analogia, quão tremenda foi para Jesus a experiência do abandono por parte do Pai: “Não há sofrimento maior para a pessoa do que o pensamento de ter sido abandonado por Deus… A alma experimenta vivamente a sombra da morte, o lamento da morte e os sofrimentos do inferno” (São João da Cruz).

São Lucas e São João dão à morte de Jesus uma luz complementar. Em Lucas, Jesus perdoa aos seus algozes (cf. Lc 23, 34), promete o paraíso, “hoje mesmo”, ao malfeitor arrependido (Lc 23, 43) e a sua última palavra é uma palavra de abandono confiante nas mãos do Pai: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23, 46). João, por seu lado, refere a palavra comovente de Jesus a sua Mãe e ao discípulo que ele amava: “Mulher, eis o teu filho. (…) Eis a tua Mãe” (Jo 19, 26-27).

Jesus manifestou na cruz uma confiança filial absoluta para com o Pai, assim como um amor infinito para com todos – para com os inimigos como para os seres mais queridos – no meio de um sofrimento e de um abandono que temos dificuldade em imaginar.

A cruz foi, é e será sempre um escândalo e uma loucura. É necessário realizar a conversão para reconhecer o Salvador num homem crucificado. E todavia “o que é loucura de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1Cor 1, 25). Para permanecer ao pé da cruz será sempre necessário uma conversão de olhar: “Hão-de olhar para Aquele que trespassaram” (Jo 19, 37). A morte de Jesus, assumida por amor e obediência à missão recebida do Pai, é revelação da glória de Deus. É o testemunho último e inesgotável de que “Deus amou de tal maneira o mundo que entregou o seu Filho único, para que todo o homem que acredita n’Ele não se perca” (Jo 3, 16).

Se levares alegre a tua cruz, ela te levará (Tomás de Kempis).

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Ano da Fé – XLII

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 A agonia e condenação de Jesus à morte

Depois da última ceia Jesus entra em agonia, isto é, numa luta interior entre o desejo de não ser entregue ao “domínio das trevas” (Lc 22, 53), de escapar à morte sangrenta que se anuncia, e o de realizar até ao fim a vontade do Pai e a missão recebida. Jesus confessa que “está triste com uma tristeza de morte” (Mt 26, 38). Nesta cena dolorosa de combate e de tentação, nesta hora de angústia, Jesus partilha a aflição que qualquer homem sente diante da morte.

Ao contrário dos discípulos que não conseguem contrariar o sono, Jesus dá exemplo de uma oração incessante, dizendo: “Pai, se este cálice não pode passar sem que eu o beba, faça-se a tua vontade” (Mt 26, 42).

Depois da agonia Jesus foi preso, conforme as indicações de Judas, o traidor. Jesus vai sujeitar-se a um duplo processo: primeiro, o judaico, no decurso do qual o Sinédrio, presidido por Caifás, o acusa formalmente de blasfémia, por ter respondido “Dizeis bem, Eu o sou” à pergunta “Tu és, então, o Filho de Deus?”; depois, o romano, ao comparecer diante de Pilatos, o governador da província; só ele tem direito de condenar à morte e de fazer executar a sentença. Por este duplo processo os evangelistas mostram que a morte de Jesus é da responsabilidade dos homens, de todos os homens, que se uniram na mesma cumplicidade pecadora para levar Jesus à morte. Jesus é o Justo, cuja vida e testemunho se tinham tornado insuportáveis aos olhos deles. Ele é o Inocente condenado. Na condenação de Jesus entram em acção simultâneamente, por um lado, a liberdade dos homens e, por outro, a liberdade soberana de Jesus, que se insere nos frutos amargos do pecado para aí fazer triunfar o amor.

Jesus não somente é julgado e condenado pelas autoridades religiosas e políticas, depois de ter sido traído por Judas, mas é escarnecido e torturado pelos soldados, apupado pela multidão que a ele prefere Barrabás, desamparado dos seus e renegado por Pedro. Abandonado à sua solidão, ele faz a experiência do fracasso e da contradição total. A acção que leva à morte é obra dos homens e a acção que leva à vida é obra de Deus. Só o desígnio de amor de Deus (cf. 1Jo 4, 10) podia fazer servir esta morte à reconciliação e à salvação daqueles que a infligiram.

Só quem seriamente ponderou quão pesada é a cruz pode conceber quão pesado é o pecado (Santo Anselmo de Cantuária).

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Ano da Fé – XLI

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A última ceia

Jesus sabe bem que caminha para a morte (cf. Mc 10, 32-34). Esta morte, ele não a suporta como uma fatalidade, mas aceita-a em plena liberdade e dá-lhe sentido: faz dela o dom da sua vida (cf. Jo 15, 13).

É no decurso da última ceia, partilhada com os discípulos, que Jesus revela o sentido da sua morte. Toma o pão e o vinho e diz: “isto é o meu corpo, entregue por vós. Fazei isto em memória de mim. (…) Este cálice é a nova aliança estabelecida no meu sangue. Todas as vezes que dele beberdes, fazei isto em memória de mim” (1Cor 11, 24-25). O corpo e o sangue significam a totalidade da pessoa, oferecida aos seus sob uma dupla forma. De um lado, a instituição da Eucaristia; do outro o seu corpo entregue e o seu sangue vertido sobre a cruz pelo perdão dos pecados. Ambos os dons estão ligados um ao outro de modo a fazerem um só. A Eucaristia exprime o sentido que Jesus quis dar à sua morte: ele dá a vida para que nós tenhamos a vida. Mas este dom da vida que Jesus realizou na cruz, este dom pleno do amor divino, é-nos efectivamente comunicado na Eucaristia. Todas as vezes que comemos deste pão e bebemos deste cálice (cf. 1Cor 11, 25), recebemos como alimento de vida aquele que realizou a sua Páscoa, aquele que foi “entregue pelas nossas faltas e que ressuscitou para nossa justificação” (Rom 4, 25). Pela celebração da Eucaristia o mistério da cruz e da ressurreição ficará perpetuamente presente e agindo na vida dos crentes. Na ceia, Jesus sela a identidade entre o seu ensinamento e a sua vida, identidade cuja manifestação suprema será a cruz.

Na última ceia Jesus lava os pés aos discípulos. Este gesto de humilde serviço é um anúncio profético do que Jesus vai fazer na cruz. Pelo baptismo da sua paixão e morte, ele vai prestar aos homens o serviço supremo de os lavar, de os purificar pelo seu sangue. Ao realizar este gesto Jesus dá-nos também um exemplo, a fim de que façamos, também nós, como ele fez pelos homens (cf. Jo 13, 15). Aqueles que recebem a Eucaristia são chamados ao amor e ao serviço fraterno, até dar a própria vida pelos irmãos.

Deus ter-nos-ia dado algo maior, se houvesse algo maior que Ele próprio (São João Maria Vianney).

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Ano da Fé – XL

 

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A comunidade dos discípulos

Ao mesmo tempo que introduz o Reino na história, Jesus inicia a reunião definitiva do povo de Deus. As duas coisas caminham a par, porque o Reino, de acordo com as profecias, deve tornar-se visível num povo.

O Mestre experimenta compaixão pelas multidões, que vagueiam “como ovelhas sem pastor” (Mc 6, 34) e, a fim de reunir Israel, vigia incansavelmente, prega e realiza curas. Bem depressa reúne uma comunidade de discípulos, como primícias e representação dos futuros crentes, como grupo de cooperadores na colheita da seara. Alguns aderem a ele permanecendo nas suas casas e nas suas anteriores condições familiares e sociais, continuado o trabalho habitual. Outros deixam a família, os bens, o trabalho e seguem-no também fisicamente, formando um grupo itinerante, no qual se pratica diária e concretamente a comunhão.

Dentre estes discípulos mais próximos, Jesus escolhe Doze. O número é intencional. Trata-se de uma acção profética simbólica, através da qual o Mestre declara a sua intenção de reunir as doze tribos dispersas, de convocar o Israel dos últimos tempos, aberto também aos pagãos. Escolheu-os para “andarem com ele e para os enviar a pregar, com o poder de expulsar os demónios” (Mc 3, 14-15).

Jesus encontra-se profundamente ligado à comunidade dos discípulos, formada por aqueles que acreditam nele e, especialmente por aqueles que o acompanham fisicamente. Considera-os a sua verdadeira família. Infelizmente, depois de um começo prometedor, o ministério de Jesus depara com uma crise cada vez mais grave. Muitos rejeitam o convite ao banquete do Reino, sob vários pretextos, como se a comunhão com Deus tivesse pouco valor. Com o passar do tempo, Jesus, ao constatar a insensibilidade das multidões curiosas e superficiais, manteve-se cada vez mais à parte, para se dedicar principalmente à formação do grupo dos discípulos. Quer prepará-los em vista ao desenvolvimento seguinte da sua obra e não fazer deles um grupo elitista. Apesar do insucesso momentâneo, encoraja os poucos que ainda o seguem: “Não temas, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino” (Lc 12, 32). Garante que a comunidade por ele reunida, será sólida para sempre “e as portas do inferno nada poderão contra ela” (Mt 16, 18). Confiará a sua orientação a Simão Pedro.

A partir da comunidade dos discípulos, depois da morte e ressurreição do Senhor, desenvolver-se-á a Igreja, realização plena de Israel, sinal visível e instrumento de salvação no meio de todos os povos, semente e profecia da nova humanidade. Não se pode aderir a Cristo sem aderir também à Igreja, parte essencial do seu projecto. O seguimento de Cristo apenas é possível na comunidade.

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Ano da Fé – XXXIX

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A festa dos pecadores reconciliados

O Reino de Deus manifesta-se, ainda mais do que nos milagres, no perdão concedido aos pecadores, na sua regeneração como homens novos, reconduzidos à comunhão com o Pai e com os irmãos. Jesus indica do seguinte modo a sua missão: “O Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19, 10). As pessoas devotas escandalizam-se com o comportamento de Jesus e dizem d’Ele: “Aí está um glutão e bebedor, amigo de publicanos e pecadores” (Mt 11, 19). Jesus detém-se junto dos pecadores para que sintam que são amados por Deus, reconheçam os seus pecados, readiquiram confiança e aprendam a amar. Jesus sabe que está em total sintonia com a misericórdia do Pai, atribuindo-se até o poder divino de perdoar os pecados, embora se levante à sua volta um murmúrio de reprovação e a acusação de blasfémia.

Deus é o primeiro a amar e fá-lo de forma apaixonada. Vai procurar os pecadores e, quando se convertem, faz grande festa. Na parábola do pai misericordioso (ou do filho pródigo), a alegria do pai pelo reencontro do filho perdido exprime-se num banquete. Também Jesus, apesar do escândalo dos bem-pensantes, senta-se frequentemente com os pecadores. Na cultura e na religião hebraica, o banquete era, desde sempre, a expressão fundamental da amizade, da festa e da paz. Através do gesto de aceitar os convites que lhe faziam, Jesus pretende celebrar a festa do Reino que chega ao mundo, como oferta de perdão, de amizade e de alegria. É o triunfo da graça e da misericórdia.

Há a fome do pão ordinário, mas há também a fome de amor, de bondade e de atenção mútua – e esta é a grande pobreza que as pessoas hoje sofrem muito (Santa Madre Teresa).

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Ano da Fé – XXXVIII

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Os milagres de Jesus – II

Muitos dos nossos contemporâneos consideram que os milagres são incompatíveis com o conhecimento científico da natureza. No máximo estão dispostos a admitir alguns fenómenos excepcionais, como efeito de sugestão ou de outras forças psíquicas e físicas ainda desconhecidas.

Uma desconfiança tão radical não parece justificada. O mundo apresenta-se como um processo evolutivo, sempre aberto a muitas possibilidades, caracterizado pela continuidade e, ao mesmo tempo, pela novidade. Nesta perspectiva, é possível conhecer o milagre como superação criativa de uma dada situação, por virtude divina, valorizando as próprias causas naturais. Não se trata, portanto de uma subversão, mas de uma recomposição da ordem das coisas, quase que uma antecipação da realização definitiva. Quanto à sugestão, não é difícil apercebermo-nos de que se trata de uma explicação insustentável. Nenhuma confiança, por muito grande que seja, pode causar curas instantâneas de graves doenças orgânicas, como a lepra, o cancro ou fracturas ósseas. Sem contar que, por vezes, são curadas pessoas que não estão conscientes ou em estado de coma, são revitalizados mortos ou é transformada a natureza inanimada.

Os milagres ajudam a acreditar de modo racional. Isso mesmo sugeriu o próprio Jesus: “se não credes em Mim, crede nas minhas obras; para que conheçais e acrediteis que o Pai está em Mim e Eu n’Ele” (Jo 10, 38). Contudo, os milagres não bastam para produzir a fé. É a atracção interior do Pai que a suscita. Nem são só os milagres os eventos salvíficos principais. O verdadeiro pão não é o que foi multiplicado, mas o eucarístico; a verdadeira luz não é a que foi restituída ao cego de nascença, mas a fé baptismal. Os sacramentos prefigurados pelos milagres, são uma comunicação de salvação mais importante.

Um milagre não ocorre contra a Natureza, mas contra o nosso conhecimento da Natureza (Santo Agostinho).

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Ano da Fé – XXXVI

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O Pai Nosso

Jesus ensina aos seus discípulos a oração do Pai Nosso. Embora na apresentação de Lucas e de Mateus ela se apresente de formas diferentes, na realidade, apesar dos diferentes pedidos, pede-se uma só coisa, a única necessária: a vinda do reino de Deus a nós e ao mundo. É a oração dos filhos, que fazem seu o projecto do Pai e se abandonam totalmente a Ele. É a oração dos humildes de coração, voltados para uma salvação maior do que a que se pode programar e construir com as próprias mãos. Apresentamos uma paráfrase do Pai Nosso, útil para reencontrar o seu sentido original.

Pai nosso, que estás acima de tudo como o céu, faz que o Teu nome seja glorificado e reconhecido como santo. / Mostra a todos que só Tu és Deus, reunindo definitivamente o Teu povo disperso e purificando-o dos seus pecados através do dom do Teu Espírito. / Que venha em plenitude a Tua realeza, que traz liberdade, justiça e paz. / Que se cumpra o Teu desígnio de salvação, nos Céus e na Terra. / Dá-nos desde já o nosso pão futuro, uma antecipação do convite do reino. / Dá-nos o pão necessário para vivermos hoje, como aos hebreus no deserto davas o maná dia após dia. Confiamos em Ti e não queremos afadigar-nos em função do amanhã, do que iremos comer ou de que modo nos vestiremos. / Na Tua misericórdia, perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós estamos prontos a perdoar a quem nos fez mal. / Não nos deixes sucumbir à tentação. Faz com que nunca percamos a confiança em Ti, de modo que nunca deixemos de sentir a Tua presença e nos sintamos abandonados. / Livra-nos do poder do maligno, que se opõe ao teu reino e nos dá a morte”.

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Ano da Fé – XXXV

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Meu Pai e vosso Pai

A experiência de liberdade e fraternidade que Jesus propõe a todos aqueles que o seguem, pressupõe uma normal atitude filial para com Deus. Jesus dirige-se a Deus chamado-lhe habitualmente “Abba” (Mc 14, 36), que significa “Papá”. “Abba” é uma palavra infantil, uma das primeiríssimas palavras que a criança aprende a pronunciar. Chamar familiarmente “Papá” a Deus, como o faz Jesus, parece algo insólito e audacioso. Jesus, porém tem uma experiência única de Deus. Conhece-o e é por ele conhecido numa intimidade recíproca absoluta. Dirije-se-lhe com comovida gratidão e total submissão, como o primeiro dos humildes e dos pobres, que sabem que tudo recebem por doação. Mas, precisamente porque recebe a plenitude da vida de Deus, pode falar-lhe com tom familiar e pode falar dele com autoridade: “Bendigo-te, ó Pai, Senhor dos céus e da terra, porque escondestes estas coisas aos sábios e entendidos e as revelastes aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque isso foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho senão o Pai, como ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11, 25-27).

Deus quer ser “Abba” para todos nós, quer que nos aproximemos dele com a mesma atitude filial, a mesma liberdade audaciosa e firme confiança de Jesus. O apóstolo Paulo compreendeu-o muito bem: “Vós não recebestes um Espírito de escravidão, para cair de novo no temor; recebestes, pelo contrário, um Espírito de adopção, pelo qual chamamos ‘Abba, Pai’” (Rom 8, 15).

Jesus, procura por todos os meios despertar o sentimento vivo da paternidade e ternura de Deus. Os homens têm de se convencer de que são amados desde toda a eternidade e chamados pelo seu nome, que não nasceram por acaso e nunca se encontram sós nem na vida, nem na morte. Podem não amar a Deus, mas não o podem impedir de amar primeiro.

Não é fácil para o homem sentir-se intimamente amado por Deus. A superficialidade, a desordem moral, os preconceitos do ambiente que o rodeia, a experiência do mal endurecem-lhe o coração e cegam-lhe o olhar. Mas se na fé se abrir à proximidade do Pai, o homem transforma-se noutro, dotado de uma diferente capacidade de valorizar, de agir, de sofrer e de amar.

 

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Ano da Fé – XXXIV

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Libertos para sermos irmãos

Se Jesus de Nazaré pratica e, ao mesmo tempo, exige o desapego das riquezas, da ambição, dos afectos desordenados, dos preconceitos culturais e religiosos, fá-lo em nome de uma liberdade que se concretiza na comunhão com os irmãos e com Deus. Aqueles que se convertem ao Reino de Deus e obedecem à vontade divina, constituem uma família mais sólida do que a do parentesco fundada em laços de sangue: “Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe”. Aqueles dentre eles que são chamados a deixar trabalho, a casa e a condição de vida comum, não vão acabar sozinhos, mas encontram uma família maior, a comunidade dos discípulos. Esta é a promessa de Jesus: “Quem tiver deixado a casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, os filhos ou campos por minha causa e por causa da Boa Nova, receberá cem vezes mais agora, no tempo presente, em casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, juntamente com perseguições e, no tempo futuro, a vida eterna “ (Mc 10, 29-30).

Nem entre os seguidores de Jesus faltam egoísmos e tensões; mas a lei que regula os relacionamentos é a da caridade. Quem decide seguir Jesus, sabe que deve comprometer-se seriamente num modo de vida que prevê serviço mútuo, correcção fraterna, perdão, reconciliação, atenção aos mais fracos.

Esta atitude deve valer em relação a todos, mesmo em relação aos estranhos. Isso mesmo no-lo ensina, com admirável eficácia a parábola do samaritano (cf. Lc 10, 30-37). É preciso carregar todas as pessoas que encontramos, para além de qualquer diferença racial, social e religiosa. É errado interrogar-nos sobre quem é o nosso próximo. Somos nós que nos devemos fazer próximos de quem quer que seja, mesmo de quem é estranho, até dos nossos inimigos. O modelo é o próprio amor de Deus: “Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6, 36).

Jesus exemplifica o que quer dizer amar, nas palavras do juízo final: “Tive fome e deste-me de comer; tive sede e deste-me de beber; era peregrino e recolheste-me; estava nu e deste-me de vestir;  adoeci e visitaste-me; estive na prisão e foste ter comigo” (Mt 25, 35-36). Amar significa, portanto, fazer o bem em concreto, com atenção e criatividade. A medida é o próprio Jesus: “Assim como eu vos amei, vós também vos deveis amar uns aos outros” (Jo 13, 34).

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Ano da Fé – XXXIII

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Libertos da angústia

O Reino de Deus liberta do medo de ser posto de lado pela sociedade e até do temor de perder a vida. Quando ouve dizer que Herodes Antipas quer matá-lo, tal como já fez com João Baptista,  Jesus não altera o caminho: “Ide dizer a essa raposa: agora estou a expulsar demónios e a realizar curas hoje e amanhã; ao terceiro dia atinjo o meu termo; mas hoje, amanhã e depois devo seguir o meu caminho” (Lc 13, 32-33).

Os discípulos são chamados a dar provas da mesma coragem. Não têm medo de ser anti-conformistas e diferentes dos outros, de ser insultados e perseguidos. Não se deixam seduzir pelo caminho largo, onde caminha a maioria, ou por falsos mestres, que difundem doutrinas na moda. Renunciam à idolatria do seu eu, põem de lado os medos e os interesses imediatos, dão a vida e aceitam a cruz.

Quem tem Deus por Pai jamais pode sentir-se só. O sofrimento, mesmo o humanamente mais inquietante e difícil de aceitar, adquire um elevado valor e uma misteriosa fecundidade. Jesus afirma-o por meio de duas imagens delicadas e sugestivas: o grão de trigo cai à terra e morre, mas renasce multiplicado; a mulher no momento do parto, geme e grita, mas depois esquece completamente a dor por causa da alegria de ter um filho. Quem adere a Cristo com fé viva e firme, já não está sujeito à obsessão da ansiedade de encontrar seguranças e prazeres, para se sentir vivo. Está disponível para o serviço dos outros, experimenta pessoalmente que o Filho de Deus veio para libertar “aqueles que pelo temor da morte, estavam toda a vida sujeitos à escravidão” (Heb 2, 15).

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