Um pensamento para cada dia da Quaresma – III

ash-wednesday1

1. No princípio criou Deus o homem para lhe comunicar os seus dons: escolheu os patriarcas para lhes dar a salvação; ia formando um povo, para ensinar os ignorantes a seguir a Deus; preparava os profetas, para habituar os homens a serem morada do seu Espírito e a viverem em comunhão com Deus. Ele, que não precisava de nada, concedia a comunhão com Ele aos que d’Ele precisavam; para os que Lhe eram agradáveis traçava, como um arquitecto, o edifício da salvação; aos que nada viam no Egipto servia Ele próprio de guia; aos que andavam errantes no deserto dava uma lei perfeita, aos que entravam na terra prometida oferecia uma digna herança; enfim, para os que voltavam para a casa do Pai, matava o vitelo mais gordo e vestia-os com a melhor túnica. Assim, de muitas maneiras ia sintonizando o género humano com a salvação futura (S. Ireneu).

2. Vinde, filhos, escutai-me e ensinar-vos-ei o temor do Senhor. Portanto, se o temor do Senhor é ensinado, deve-se aprender. Não nasce do terror, mas da instrução racional; não precede da perturbação da natureza, mas da observância dos mandamentos, das obras de uma vida inocente e do conhecimento da verdade. Para nós, o temor de Deus fundamenta-se no amor e atinge a sua plenitude no exercício da perfeita caridade. O nosso amor a Deus leva-nos a seguir os seus conselhos, a cumprir os seus mandamentos, a confiar nas suas promessas (S. Hilário).

3. Assim, por meio do Decálogo, Deus preparava o homem para a sua amizade e para a concórdia com o próximo. Era o homem que tirava proveito de tudo isto, uma vez que Deus não tinha nenhuma necessidade do homem. Tudo isto contribuía para a glória do homem, suprindo o que lhe faltava, isto é, a amizade de Deus. Mas isto nada acrescentava a Deus, porque Deus não precisava do amor do homem (S. Ireneu).

4. Nós morremos com Cristo, e trazemos no nosso corpo a morte de Cristo, para que também a vida de Cristo se manifeste em nós. Por isso, já não é a nossa vida que vivemos, mas a de Cristo: vida de inocência, vida de castidade, vida de sinceridade, vida de todas as virtudes.

5. Descansar em Deus e contemplar as suas delícias, é o grande banquete da alegria plena e da tranquilidade sem fim (Santo Ambrósio).

6. Qual é a água que Ele há-de dar, senão aquela de que está escrito: Em vós está a fonte da vida? E não podem passar sede os que se inebriam com a abundância da vossa casa (Santo Agostinho).

7. A grandeza do homem, a sua glória e a sua dignidade consistem em conhecer onde está a verdadeira grandeza e segui-la de todo o coração, em buscar com ardor a glória que vem da glória do Senhor. Portanto, quem se gloria no Senhor de modo perfeito e irrepreensível é aquele que não se exalta com a sua própria justiça, mas reconhece que não a tem e compreende que só na fé em Cristo está a sua justificação (S. Basílio Magno).

8. Homem, sê para ti mesmo a medida da misericórdia; deste modo alcançarás misericórdia como quiseres, quanto quiseres e com a prontidão que quiseres basta que te compadeças dos outros com generosidade e prontidão (S. Pedro Crisólogo).

9. Se tu me dizes: “Mostra-me o teu Deus” eu posso responder-te: “Mostra-me o homem que há em ti, e eu te mostrarei o meu Deus”. Mostra-me, portanto, como vêem os olhos da tua mente e como ouvem os ouvidos do teu coração. A alma do homem deve ser pura como um espelho resplandecente. Quando um espelho está baço, não pode o homem contemplar nele o seu rosto; do mesmo modo, quando há pecado no homem, não lhe é possível ver a Deus (S. Teófilo de Antioquia).

10. Só a oração vence a Deus. Por isso ela não tem outra finalidade senão tirar do caminho da morte as almas dos defuntos, robustecer os fracos, curar os enfermos, libertar os possessos, abrir as portas dos cárceres, desatar as cadeias dos inocentes. Ela perdoa os pecados, afasta as tentações, extingue as perseguições, conforta os pusilânimes, enche de alegria os generosos, encaminha os peregrinos, acalma as tempestades, detém os salteadores, alimenta os pobres, ensina os ricos, levanta os que caíram, sustenta os que vacilam, confirma os que estão de pé (Tertuliano).

11. O clamor de Cristo fica sufocado em nós, se a língua não proclama aquilo em que o coração acredita. Para que o seu clamor não fique sufocado em nós, é preciso que cada um, na medida das suas possibilidades, dê a conhecer aos outros o mistério da sua vida nova (S. Gregório Magno).

12. Visitemos a Cristo, alimentemos a Cristo, tratemos as feridas de Cristo, vistamos a Cristo, recebamos a Cristo, honremos a Cristo. (…) Mas uma vez que o Senhor do Universo prefere a misericórdia ao sacrifício, uma vez que a compaixão tem muito mais valor do que a gordura de milhares de cordeiros, ofereçamos a misericórdia e a compaixão na pessoa dos pobres que hoje na terra são humilhados, de modo que, ao sairmos deste mundo, sejamos recebidos nas moradas eternas pelo mesmo Cristo nosso Senhor (S. Gregório de Nazianzo).

 

Abrir

O Senhor é rico em misericórdia

www_diocesedeuruacu_com_br

Não és apenas tu quem comete muitas faltas: todos as cometemos. Mas o Senhor é paciente e rico em misericórdia. Na Sua Providência também pode tirar proveito das nossas faltas, se as colocamos diante do altar. “Tu, Senhor, não desprezas, um coração humilhado e contrito” (Salmo 50). Este é um dos meus versículos preferidos.

Santa Teresa Benedita da Cruz

Abrir

3º Domingo da Quaresma – Ano A

F-7.5

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João (Jo 4, 5-42)

Chegou, pois, a uma cidade da Samaria, chamada Sicar, perto do terreno que Jacob tinha dado ao seu filho José. Ficava ali o poço de Jacob. Então Jesus, cansado da caminhada, sentou-se, sem mais, na borda do poço. Era por volta do meio-dia. Entretanto, chegou certa mulher samaritana para tirar água. Disse-lhe Jesus: «Dá-me de beber.» Os seus discípulos tinham ido à cidade comprar alimentos. Disse-lhe então a samaritana: «Como é que Tu, sendo judeu, me pedes de beber a mim que sou samaritana?» É que os judeus não se dão bem com os samaritanos. Respondeu-lhe Jesus: «Se conhecesses o dom que Deus tem para dar e quem é que te diz: ‘dá-me de beber’, tu é que lhe pedirias, e Ele havia de dar-te água viva!» Disse-lhe a mulher: «Senhor, não tens sequer um balde e o poço é fundo. Onde consegues, então, a água viva? Porventura és mais do que o nosso patriarca Jacob, que nos deu este poço donde beberam ele, os seus filhos e os seus rebanhos?»

Replicou-lhe Jesus: «Todo aquele que bebe desta água voltará a ter sede; mas, quem beber da água que Eu lhe der, nunca mais terá sede: a água que Eu lhe der há-de tornar-se nele em fonte de água que dá a vida eterna.» Disse-lhe a mulher: «Senhor, dá-me dessa água, para eu não ter sede, nem ter de vir cá tirá-la.» Respondeu-lhe Jesus: «Vai, chama o teu marido e volta cá.» A mulher retorquiu-lhe: «Eu não tenho marido.»

Declarou-lhe Jesus: «Disseste bem: ‘não tenho marido’, pois tiveste cinco e o que tens agora não é teu marido. Nisto falaste verdade.» Disse-lhe a mulher: «Senhor, vejo que és um profeta! Os nossos antepassados adoraram a Deus neste monte, e vós dizeis que o lugar onde se deve adorar está em Jerusalém.» Jesus declarou-lhe: «Mulher, acredita em mim: chegou a hora em que, nem neste monte, nem em Jerusalém, haveis de adorar o Pai. Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, pois a salvação vem dos judeus. Mas chega a hora – e é já – em que os verdadeiros adoradores hão-de adorar o Pai em espírito e verdade, pois são assim os adoradores que o Pai pretende. Deus é espírito; por isso, os que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade.» Disse-lhe a mulher: «Eu sei que o Messias, que é chamado Cristo, está para vir. Quando vier, há-de fazer-nos saber todas as coisas.» Jesus respondeu-lhe: «Sou Eu, que estou a falar contigo.»

Nisto chegaram os seus discípulos e ficaram admirados de Ele estar a falar com uma mulher. Mas nenhum perguntou: ‘Que procuras?’, ou: ‘De que estás a falar com ela?’ Então a mulher deixou o seu cântaro, foi à cidade e disse àquela gente: «Eia! Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz! Não será Ele o Messias?» Eles saíram da cidade e foram ter com Jesus.

Entretanto, os discípulos insistiam com Ele, dizendo: «Rabi, come.» Mas Ele disse-lhes: «Eu tenho um alimento para comer, que vós não conheceis.» Então os discípulos começaram a dizer entre si: «Será que alguém lhe trouxe de comer?» Declarou-lhes Jesus: «O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e consumar a sua obra. Não dizeis vós: ‘Mais quatro meses e vem a ceifa’? Pois Eu digo-vos: Levantai os olhos e vede os campos que estão doirados para a ceifa. Já o ceifeiro recebe o seu salário e recolhe o fruto em ordem à vida eterna, de modo que se alegram ao mesmo tempo aquele que semeia e o que ceifa. Nisto, porém, é verdadeiro o ditado: ‘um é o que semeia e outro o que ceifa’. Porque Eu enviei-vos a ceifar o que não trabalhastes; outros se cansaram a trabalhar, e vós ficastes com o proveito da sua fadiga.»

Muitos samaritanos daquela cidade acreditaram nele devido às palavras da mulher, que testemunhava: «Ele disse-me tudo o que eu fiz.» Por isso, quando os samaritanos foram ter com Jesus, começaram a pedir-lhe que ficasse com eles. E ficou lá dois dias. Então muitos mais acreditaram nele por causa da sua pregação, e diziam à mulher: «Já não é pelas tuas palavras que acreditamos; nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é verdadeiramente o Salvador do mundo.

O simbolismo da água

Jesus utiliza a palavra água em dois sentidos: no sentido material, que tira a sede, e o sentido simbólico como fonte de vida e dom do Espírito. Ele usa uma linguagem que as pessoas entendem e que, ao mesmo tempo, desperta nelas a vontade de aprofundar e descobrir um sentido mais profundo da vida. O uso simbólico da água tem a sua raiz na tradição do Antigo Testamento, onde é frequente a mística da água como símbolo do Espírito de Deus nas pessoas. Jeremias, por exemplo, contrapõe a água viva do manancial à água da cisterna (Jer 2, 13). Quanto mais água se tira da cisterna menos água há, enquanto que do manancial quanto mais água se tira mais água há (outros textos do Antigo Testamento: Is 12, 3; 49, 10; 55, 1; Ez 47, 1-13; etc.). Jesus conhece as tradições do seu povo e apoiando-se nelas desenvolve o diálogo com a samaritana. Sugerindo o sentido simbólico da água faz com que ocorra à samaritana (e a nós também) todo um conjunto de episódios e frases do Antigo Testamento.

O diálogo entre Jesus e a samaritana

Jesus encontra a samaritana junto do poço, lugar habitual de encontros e de conversas (Gen 24, 10-27; 29, 1-14). Ele parte da necessidade muito concreta da sua própria sede. Jesus faz-se dependente da samaritana para matar a sua sede e desperta nela o gosto de ajudar e servir. O diálogo de Jesus com a samaritana tem dois níveis:

O nível superficial, no sentido material da água que mata a sede das pessoas e do sentido normal de marido como pai de família. A este nível, a conversa é tensa e difícil e não tem continuidade. A samaritana leva vantagem. A princípio Jesus tentou um encontro com ela através da porta do trabalho quotidiano (tirar água) mas não conseguiu. Depois tentou a porta da família (chamar o marido) mas também por esta porta nada conseguiu. Finalmente, a samaritana abordou o tema da religião (lugar da adoração). Jesus tentou entrar pela porta que ela abriu.

O nível profundo, no sentido simbólico da água como imagem da vida nova trazida por Jesus e do marido como símbolo da união de Deus com o seu povo. A este nível, o diálogo tem continuidade perfeita. Depois de ter revelado que Ele mesmo, Jesus, oferece a água da nova vida, diz: “Vai, chama o teu marido e volta cá”. No passado os samaritanos tiveram cinco maridos, ídolos, ligados a cinco povos que foram levados para aquele lugar pelo rei da Assíria (2Re 17, 30-31). O sexto marido, o que tinha agora, não era o verdadeiro: “o que tens agora não é teu marido” (Jo 4, 18). Não realizava o desejo mais profundo do povo: a união com Deus, como marido que se une à sua esposa (Is 62, 5; 54, 5). O verdadeiro marido, o sétimo, é Jesus, como prometera Oseias: “Eu farei de ti a minha esposa para sempre; desposar-te-ei comigo na justiça, no direito, na piedade e na misericórdia. Farei de ti a minha esposa fiel, e reconhecerás que sou o Senhor!” (Os 2, 21-22). Jesus é o esposo que chega (Mc 2, 19) para trazer a vida nova à mulher que o procurou durante toda a sua vida e não o tinha encontrado até agora. Se o povo aceita Jesus como “esposo”, terá acesso a Deus em qualquer parte que esteja, tanto em espírito como em verdade (Jo 4, 23-24).

Jesus disse à samaritana que tinha sede mas não bebeu água. Isto é sinal de que a sua sede era simbólica e estava em relação com a sua missão: a sede de realizar a vontade do Pai (Jo 4, 34). Esta sede encontra-se sempre em Jesus, durante toda a sua vida, até à hora da morte. Nesta hora diz: “Tenho sede!” (Jo 19, 28). Declara que tem sede pela última vez e assim pode dizer: “Tudo foi realizado!”. Depois inclinando a cabeça entregou o espírito (Jo 19, 30). Realizou a sua missão.

Abrir

2.º Domingo da Quaresma – Ano A

raphael-transfiguration

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus (Mt 17, 1-9)

Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e seu irmão João, e levou-os, só a eles, a um alto monte. Transfigurou-se diante deles: o seu rosto resplandeceu como o Sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. Nisto, apareceram Moisés e Elias a conversar com Ele. Tomando a palavra, Pedro disse a Jesus: «Senhor, é bom estarmos aqui; se quiseres, farei aqui três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias.» Ainda ele estava a falar, quando uma nuvem luminosa os cobriu com a sua sombra, e uma voz dizia da nuvem: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus todo o meu agrado. Escutai-o.» Ao ouvirem isto, os discípulos caíram com a face por terra, muito assustados. Aproximando-se deles, Jesus tocou-lhes, dizendo: «Levantai-vos e não tenhais medo.» Erguendo os olhos, os discípulos apenas viram Jesus e mais ninguém. Enquanto desciam do monte, Jesus ordenou-lhes: «Não conteis a ninguém o que acabastes de ver, até que o Filho do Homem ressuscite dos mortos.»

Mensagem

Jesus toma consigo os seus discípulos mais íntimos e leva-os a «um alto monte». Não é a montanha a que o tentador o levou para lhe oferecer o poder e a glória de «todos os reinos do mundo». É a montanha em que os seus mais íntimos vão poder descobrir o caminho que leva à glória da ressurreição.

O rosto transfigurado de Jesus «resplandeceu como o sol» e manifestou em que consiste a sua verdadeira glória. Não provém do diabo, mas de Deus, seu Pai. Não se atinge pelos caminhos do poder mundano, mas pelo caminho paciente do serviço oculto, do sofrimento e da crucifixão.

Junto de Jesus aparecem Moisés e Elias, talvez como representante da lei e dos profetas. Não têm o rosto resplandecente, mas apagado. Não se põem a ensinar os discípulos, mas estão a «conversar com ele». A lei e os profetas estão orientados e subordinados a ele.

Pedro, no entanto, não consegue intuir o carácter único de Jesus: «Se quiseres farei aqui três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias». A cada um a sua tenda. Não sabe que Jesus não pode ser equiparado com ninguém.

É o próprio Deus que faz calar Pedro: «Ainda ele estava a falar», quando, entre luzes e sombras, ouvem a sua voz misteriosa: «Este é o meu filho muito amado», o que tem o rosto glorificado pela ressurreição. «Escutai-o». A Ele e mais ninguém. Meu filho é o único legislador, mestre e profeta. Não o confundais com ninguém.

Os discípulos caem por terra «muito assustados». Meter-lhes medo «escutar apenas Jesus» e seguir o seu caminho humilde de serviço ao reino até á cruz. É o próprio Jesus quem os liberta dos seus medos. «Aproximando-se» deles, como só ele sabia fazer «tocou-lhes» como tocava os doentes, e disse-lhes: «Levantai-vos e não tenhais medo» de me escutar e de me seguir só a mim.

Também a nós, cristãos de hoje, nos mete medo escutar somente Jesus. Não ousamos colocá-lo no centro das nossas vidas e comunidades. Não lhes deixamos ser a única e definitiva Palavra. É o próprio Jesus quem nos pode libertar de tantos medos, cobardias e ambiguidades se nos deixarmos transformar por ele.

Palavra para o caminho

Poucas palavras se repetem mais nos evangelhos do que estas de Jesus: “Não tenhais medo”. “Tende confiança”. “Não se perturbe o vosso coração”. “Não sejais cobardes”. O relato do Tabor recolhe a mesma mensagem. Quando os discípulos, envolvidos na sombra da nuvem, caem por terra assustados, ouvem estas palavras de Jesus: “Levantai-vos e não tenhais medo”, em seguida ouve-se uma voz vinda da nuvem: “Este é o meu Filho muito amado… Escutai-o”. Nunca devemos rebaixar a fé a remédio psicológico, mas escutar Deus revelado em Jesus e deixar-se iluminar pela sua Palavra pode curar o ser humano nas suas raízes mais profundas, dando sentido e infundindo uma confiança básica indestrutível” (José António Pagola).

Abrir

Um pensamento para cada dia da Quaresma – II

ash-wednesday1

1. E agora, os circuncisos de coração têm a vida por meio da nova circuncisão que se opera no verdadeiro Jordão, isto é, por meio do Baptismo para a remissão dos pecados (Afraates).

2. Nunca devemos julgar os homens perdidos sem remédio, nem deixar de ajudar com toda a diligência os que se encontram em perigo. Pelo contrário: reconduzamos ao bom caminho os que se extraviaram e afastaram da verdadeira vida, e alegremo-nos com o seu regresso à comunhão daqueles que vivem recta e piedosamente (S. Astério de Amasseia).

3. Ao ouvir esta palavra admirável, cheia de doçura, cheia de amor, cheia de imutável tranquilidade: Perdoa-lhes ó Pai, quem não correrá a abraçar com todo o afecto os seus inimigos? Perdoa-lhes ó Pai, disse Jesus. Poderá haver oração que exprima maior mansidão e caridade? Mas Jesus não se contentou com pedir; quis também desculpar, e acrescentou: Perdoa-lhes, ó Pai, porque não sabem o que fazem (B. Aelredo).

4. A Igreja acredita também que a chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontra no seu Senhor e Mestre. A Igreja afirma, além disso, que, subjacente a todas as transformações, há muitas coisas que não mudam, cujo último fundamento é Cristo, o mesmo ontem, hoje e para sempre (Gaudium et Spes).

5. O Senhor fez sua a debilidade da nossa humilde condição, e se permanecermos no seu amor e na confissão do seu nome, venceremos o que Ele venceu e receberemos o que Ele prometeu. Por isso, quer se trate de cumprir os mandamentos ou de suportar a adversidade, há-de ressoar sempre aos nossos ouvidos a voz do Pai que assim se fez ouvir: Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência: escutai-O (S. Leão Magno).

6. Para os judeus, ao Egipto seguiu-se o deserto; para ti ao êxodo deste mundo seguir-se-á o Céu (S. João Crisóstomo).

7. Assim, a oração que se eleva, com toda a pureza, de um coração fiel, é como incenso que sobe do altar santo. Nenhum outro perfume é agradável a Deus; este incenso todos o devem oferecer ao Senhor (Santo Agostinho).

Abrir

1.º Domingo da Quaresma – Ano A

Caminhando-no-deserto

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus (Mt 4, 1-11)

Então, o Espírito conduziu Jesus ao deserto, a fim de ser tentado pelo diabo. Jejuou durante quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome. O tentador aproximou-se e disse-lhe: «Se Tu és o Filho de Deus, ordena que estas pedras se convertam em pães.» Respondeu-lhe Jesus: «Está escrito: Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.» Então, o diabo conduziu-o à cidade santa e, colocando-o sobre o pináculo do templo, disse-lhe: «Se Tu és o Filho de Deus, lança-te daqui abaixo, pois está escrito: Dará a teu respeito ordens aos seus anjos; eles suster-te-ão nas suas mãos para que os teus pés não se firam nalguma pedra.» Disse-lhe Jesus: «Também está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus!»Em seguida, o diabo conduziu-o a um monte muito alto e, mostrando-lhe todos os reinos do mundo com a sua glória, disse-lhe: «Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares.» Respondeu-lhe Jesus: «Vai-te, Satanás, pois está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a Ele prestarás culto.» Então, o diabo deixou-o e chegaram os anjos e serviram-no.

Uma chave de leitura

Jesus foi tentado. Mateus apresenta-nos as tentações: tentação do pão, tentação do prestígio, tentação do poder. Trata-se de várias formas de esperança messiânica que naquele tempo existiam no povo de Israel. O messias glorioso que, como um novo Moisés, daria de comer ao povo no deserto: “ordena que estas pedras se convertam em pães”. O messias desconhecido que de repente se imporia a todos por meio de gestos espectaculares no Templo: “lança-te daqui abaixo”. O messias nacionalista que quer dominar o mundo: “tudo isto te darei”.

No Antigo Testamento tentações idênticas fazem cair o povo no deserto, depois da saída do Egipto (Dt 8, 3; 6, 16; Dt 6, 13). Jesus repetirá a história mas resistirá à tentação de perverter o plano de Deus para o adaptar aos seus interesses humanos de momento. Tentador ou Satanás é tudo o que desvia do plano de Deus. Pedro foi Satanás para Jesus (Mt 16, 23).

A tentação foi uma constante na vida de Jesus. Ela acompanhou-o do princípio até ao fim, desde o baptismo até à morte de cruz, porque na medida em que se alargava entre o povo o anúncio da Boa Nova do Reino crescia a pressão sobre Jesus para se adaptar às perspectivas messiânicas do povo e ser o messias que os outros desejavam e queriam: “messias glorioso e nacionalista”, “messias rei”, “messias sumo sacerdote”, “messias juiz”, “messias guerrilheiro”, “messias doutor da lei”. A Carta aos Hebreus diz: “Ele foi provado em tudo à semelhança de nós, menos no pecado” (Heb 4, 15).

Mas a tentação jamais conseguiu desviar Jesus da sua missão. Ele continuava firme no caminho do “Messias Servo”, anunciado pelo profeta Isaías e esperado sobretudo pelos pobres do povo, os anawim. Jesus não teve medo de provocar conflitos, nem com as autoridades, nem com as pessoas mais queridas. Todos os que tentavam desviá-lo do caminho recebiam respostas duras e reacções inesperadas:

– Pedro tenta afastar Jesus do caminho da Cruz: “Não será assim, Senhor; isto não acontecerá jamais!” (Mt 16, 22). Jesus repreendeu-o duramente: “Afasta-te de mim, Satanás!” (Mc 8, 33).

– Os parentes, primeiramente, queriam levá-lo de volta para casa. Pensavam que estava louco (Mc 3, 21), mas escutaram palavras duras que pareciam uma ruptura (Mc 3, 33). Depois, quando Jesus gozava de certa fama, queriam que se mostrasse mais em público e permanecesse em Jerusalém, a capital (Jo 7, 3-4). Uma vez mais Jesus responde mostrando que há uma diferença radical entre a sua proposta e a deles (Jo 7, 6-7).

– Os seus pais lamentavam-se: “Filho, porque procedeste assim para connosco?” (Lc 2, 48). Receberam a resposta: “Porque me procuráveis? Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas que são do serviço de meu Pai?” (Lc 2, 49).

– Os apóstolos, contentes e entusiasmados com a fama que Jesus tinha no meio do povo queriam que voltasse para o povo: “Todos te procuram!” (Mc 1, 37). Mas receberam a recusa: “Vamos a outra parte, pelas aldeias e cidades vizinhas, a fim de que pregue também aí, porque foi para isto que eu vim!” (Mc 1, 38).

– João Baptista queria forçar Jesus a ser um “messias juiz severo” (Lc 3, 9; Mt 3, 7-12; Mt 11, 3). Jesus remete João para as profecias para que as confronte com os factos: “Ide e dizei a João o que vistes e ouvistes!” (Mt 11, 46; Is 29, 18-19; 35, 5-6; 61, 1).

– O povo vendo o sinal da multiplicação dos pães no deserto conclui: “Este certamente é o profeta que devia vir ao mundo!” (Jo 6, 14). As pessoas procuraram forçar Jesus a ser o “messias rei” (Jo 6, 15) mas Jesus retirou-se para a montanha para estar na solidão com o seu Pai.

– Na hora da prisão, a hora das trevas (Lc 22, 53), aparece a tentação de ser o “messias guerreiro”. Mas Jesus diz: “Mete a espada no seu lugar!” (Mt 26, 52) e “Orai para não cairdes em tentação!” (Lc 22, 40-46).

Jesus orientava-se pela Palavra de Deus e encontrava nela a luz e o alimento. É sobretudo a profecia do Servo, anunciada por Isaías (Is 42, 1-9; 49, 1-6; 50, 3-9; 52, 13-53, 12), que o anima e lhe dá coragem para continuar. No Baptismo e na Transfiguração, recebe do Pai a confirmação do seu caminho, da sua missão. A voz vinda do céu repete as palavras com que a profecia de Isaías apresenta o Servo de Jahvé ao povo: “Este é o meu Filho muito amado. Escutai-o!” (Mc 1, 11; 9, 6).

Jesus define a sua missão com estas palavras: “O Filho do Homem não veio para ser servido mas para servir e dar a sua vida pela redenção de muitos!” (Mt 20, 28; Mc 10, 45). É a lição que aprendeu de sua Mãe, que respondeu ao anjo: “Eis aqui a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1, 38). Orientando-se pela Palavra de Deus para aprofundar a consciência da sua missão e procurando força na oração, Jesus enfrentava as tentações. Inserido no meio dos pobres, os anwim, e unido ao Pai, sendo fiel a ambos, Jesus seguia o caminho do Messias Servo, o caminho do serviço ao povo (Mt 20, 28).

 

Abrir

Um pensamento para cada dia da Quaresma

ash-wednesday1

1. Percorramos todas as idades do mundo e veremos que em todas as gerações o Senhor concedeu o tempo favorável da penitênca a todos os que a Ele se quiseram converter. (…) Deste modo, imitando as obras grandiosas dos nossos ilustres antepassados, corramos de novo para a meta que nos foi proposta desde o princípio, que é a paz (S. Clemente).

2. É sem dúvida o banho da regeneração espiritual que nos faz homens novos; mas todos têm necessidade de se renovarem quotidianamente para remediar a ferrugem inerente à nossa condição mortal, e não há ninguém que não tenha de se esforçar para progredir no caminho da perfeição (S. Leão Magno).

3. Se queres ver restaurada em ti aquela morada que Deus edificou no primeiro homem, adorna a tua casa com a modéstia e a humildade, torna-a resplandecente com a luz da justiça, enfeita-a com o ouro das boas obras, e, em lugar das paredes e dos mosaicos, ornamenta-a com a fé e com a grandeza de ânimo; e, por cima de tudo, como cúpula e coroamento de todo o edifício, coloca a oração (S. João Crisóstomo).

4. Também não foi por precisar dos nossos serviços que nos mandou segui-l’O, mas para nos dar a salvação. Seguir o Senhor é receber a salvação, tal como seguir a luz é receber a luz (Santo Ireneu).

5. De facto, a nossa vida, enquanto somos peregrinos na terra, não pode estar livre de tentações, e o nosso aperfeiçoamento realiza-se precisamente através das provações. Ninguém se conhece a si mesmo se não for provado, ninguém pode receber a coroa se não tiver vencido, ninguém pode vencer se não combater, e ninguém pode combater se não tiver inimigos e tentações (Santo Agostinho).

6. Depois de tantos benefícios recebidos e de tantos outros que esperamos ainda, não teremos vergonha de Lhe negar a única retribuição que pede, o amor para com Ele e para com o próximo? Se Ele, que é Deus e Senhor, não se envergonha de ser chamado nosso Pai, ousaremos nós fechar o coração aos nossos irmãos? (S. Gregório de Nazianzo).

7. Os preceitos evangélicos, irmãos caríssimos, outra coisa não são que ensinamentos divinos, fundamentos para edificar a esperança, alicerces para consolidar a fé, alimento para revigorar o coração, leme para dirigir o caminho, refúgio para garantir a salvação. Enquanto instruem na terra os espíritos dóceis dos fiéis, conduzem-nos para o reino dos Céus (S. Cipriano).

Abrir