1º Domingo do Advento – Ano C

Sol e nuvens - paisagem

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas (Lc 21, 25-28.34-36)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Haverá sinais no Sol, na Lua e nas estrelas; e, na Terra, angústia entre os povos, aterrados com o bramido e a agitação do mar; os homens morrerão de pavor, na expectativa do que vai acontecer ao universo, pois as forças celestes serão abaladas. Então, hão-de ver o Filho do Homem vir numa nuvem com grande poder e glória. Quando estas coisas começarem a acontecer, cobrai ânimo e levantai a cabeça, porque a vossa redenção está próxima.» «Tende cuidado convosco: que os vossos corações não se tornem pesados com a devassidão, a embriaguez e as preocupações da vida, e que esse dia não caia sobre vós subitamente, como um laço; pois atingirá todos os que habitam a terra inteira. Velai, pois, orando continuamente, a fim de terdes força para escapar a tudo o que vai acontecer e aparecerdes firmes diante do Filho do Homem.»

Reflexão

Jesus foi um criador incansável de esperança. Toda a sua existência consistiu em contagiar os outros com a esperança que ele mesmo vivia a partir do mais profundo de seu ser. Hoje escutamos o seu grito de alerta: “cobrai ânimo e levantai a cabeça, porque a vossa redenção está próxima. Tende cuidado convosco: que os vossos corações não se tornem pesados com a devassidão, a embriaguez e as preocupações da vida”. Quando uma sociedade tem por objectivo, quase único da vida, a satisfação cega dos apetites e se fecha cada um no seu próprio prazer, ali morre a esperança. Aqueles que estão satisfeitos não buscam nada, realmente, novo!

Tudo muda quando, o mesmo Evangelho, é lido a partir do sofrimento. Quando a miséria é insuportável e o momento presente é vivido somente como sofrimento destruidor, é fácil sentir, exactamente, o contrário.”Graças a Deus que isto não durará para sempre”. Os últimos da Terra são quem melhor podem compreender a mensagem de Jesus: “Felizes os que choram, porque deles é o reino de Deus”. Estes homens e mulheres, cuja existência é de fome e miséria, estão à espera de  algo de novo e diferente que responda aos seus anseios mais profundos de vida e de paz.

Um dia “o sol, a lua e as estrelas tremerão”, isto é, tudo aquilo que cremos poder confiar para sempre se afundará. As nossas ideias de poder, segurança e progresso serão abaladas. Tudo aquilo que não conduz o ser humano à verdade, à justiça e à fraternidade entrará em colapso, e “na terra haverá angústia das pessoas”.

Porém, a mensagem de Jesus não é de desesperança para ninguém. No momento da verdade última, não desespereis, ficai despertos, colocai a vossa confiança em Deus.

Palavra para o caminho

Orando continuamente”, diz, a terminar, o Evangelho deste Primeiro Domingo do Advento. “Orar continuamente” significa não se deixar enterrar na lama dos caminhos banais e fúteis deste tempo, de qualquer tempo, e que o Evangelho mostra que a busca desenfreada do sucesso e das falsas soluções da devassidão, da embriaguez e das preocupações da vida é uma teia que nos enreda e não nos deixa ver bem. Andamos sempre tão atarefados com inúmeros afazeres, que ficamos com o “coração pesado” e insensível, incapaz de ver o Filho-do-Homem-que-vem, a qualquer hora, nos nossos irmãos mais pequeninos! Ora, o Advento é o Filho do Homem que vem, para que nós o acolhamos para mergulharmos no definitivo e libertar-nos do provisório.

 

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Encontro da Família Carmelita em Fátima

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Meditação dos mistérios gozosos

1º Mistério: A anunciação do anjo Gabriel a Nossa Senhora. O Anjo Gabriel disse a Maria: “Não temas, pois achaste graça diante de Deus (Lc 1, 30).

Comentando o acontecimento da Anunciação, diz São Bernardo: «Ouviste, ó Virgem, a voz do Anjo: Conceberás e darás à luz um filho. Ouviste-o dizer que não será por obra de varão, mas por obra do Espírito Santo. O Anjo aguarda a resposta (…). Todo o mundo, prostrado a teus pés, espera a tua resposta: da tua palavra depende a consolação dos infelizes, a redenção dos cativos, a liberdade dos condenados, a salvação de todos os filhos de Adão, de toda a tua linhagem. Dá depressa, ó Virgem a tua resposta. Profere a tua palavra humana e concebe a divina. Porque demoras? Abre, ó Virgem santa, o coração à fé, os lábios ao consentimento, as entranhas ao Criador. Eis que o desejado de todas as nações está à tua porta e bate. Se te demoras e Ele passa adiante, terás então de recomeçar dolorosamente a procurar o amado da tua alma. Eis a serva do Senhor, disse a Virgem, faça-se em mim segundo a tua palavra».

2º Mistério: A Visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel. Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se à pressa para a montanha, e saudou Isabel. Isabel, erguendo a voz exclamou; Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Feliz de ti que acreditaste. Maria disse então: A minha alma glorifica o Senhor (cf. Lc 1, 39-56).

Meditando sobre a visita de Nossa Senhora à sua prima Santa Isabel, a carmelita Beata Isabel da Trindade escreveu: «Quando leio no Evangelho «que Maria percorreu diligentemente as montanhas da Judeia» para ir cumprir o seu ofício de caridade, junto a sua prima Isabel, vejo-a passar tão bela, tão calma, tão majestosa, tão recolhida interiormente, com o Verbo de Deus.

Parece-me que a atitude da Virgem, durante os meses que decorreram entre a Anunciação e o Natal, é o modelo das almas interiores, dos seres que Deus escolheu para viverem de dentro, no fundo do abismo sem fundo. Com que paz, com que recolhimento, Maria se entregava e se prestava a todas as coisas! Como é que mesmo as mais banais eram por ela divinizadas? Porque, em tudo, a Virgem permanecia  a adoradora do dom de Deus! Isto porém, não impedia de se entregar ao que era exterior, sempre que se tratava de praticar a caridade».

3º Mistério: O nascimento de Jesus em Belém. O Anjo disse aos pastores: “Anuncio-vos uma grande alegria. Hoje, nasceu-vos em Belém um Salvador”. E os pastores “foram apressadamente e encontraram Maria, José e o menino deitado na manjedoura (Lc 2, 10-11.16).

Acerca do mistério da Encarnação, São João da Cruz escreveu estas palavras luminosas: «Mas agora que está fundada a fé em Cristo e promulgada a lei evangélica, nesta era da graça, Deus disse-nos tudo ao mesmo tempo e de uma só vez nesta Palavra única, e nada mais tem a revelar. O que antigamente Deus disse pelos profetas a nossos pais de muitos modos e de muitas maneiras, agora, por último, nestes dias, nos falou pelo Filho tudo de uma só vez. Deus ficou como mudo e não tem mais que falar, porque o que antes disse parcialmente pelos Profetas, revelou-O totalmente, dando-nos o Todo que é o seu Filho. E por isso, quem agora quisesse consultar Deus ou pedir-Lhe alguma visão ou revelação, não só cometeria um disparate, mas faria agravo a Deus, por não pôr os olhos totalmente em Cristo e buscar fora d’Ele outra realidade ou novidade.

Poderia Deus responder-lhe deste modo: Este é o meu Filho amado, no qual pus toda a minha complacência; escutai-O. Se já te falei todas as coisas na minha Palavra, que é o meu Filho – e não tenho outra – que mais te posso Eu responder agora ou revelar? Põe os olhos só n’Ele, porque n’Ele tudo disse e revelei, e acharás ainda mais do que pedes e desejas».

4º Mistério: A apresentação de Jesus no Templo. Segundo a Lei de Moisés, Maria e José levaram o Menino a Jerusalém para O apresentarem ao Senhor. Ora vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão; era justo e piedoso. Tinha-lhe sido prometido que não morreria antes de ter visto o Messias. Simeão tomou-o nos braços e bendisse a Deus, dizendo: “Agora, Senhor, segundo a tua palavra, deixarás ir em paz o teu servo, porque meus olhos viram a Salvação que ofereceste a todos os povos, Luz para se revelar às nações e glória de Israel, teu povo” (Lc 2, 22-26).

A festa da Apresentação é também a festa da Luz, porque Jesus é a “Luz para se revelar às nações”. A este propósito São Sofrónio faz o seguinte comentário: «Na verdade a luz veio ao mundo e, dispersando as trevas que o envolviam, encheu-o de esplendor; visitou-nos do alto o Sol nascente e derramou a sua luz sobre os que se encontravam nas trevas. Caminhemos empunhando as lâmpadas, acorramos trazendo as luzes, não só para indicar que a luz refulge já em nós, mas também para anunciar o esplendor maior que dela nos há-de vir.

Eis que veio a luz verdadeira, que ilumina todo o homem que vem a este mundo. Nenhum fique excluído deste esplendor, nenhum persista em continuar imerso na noite, mas avancemos resplandecentes; iluminados por este fulgor, vamos todos juntos ao seu encontro e com o velho Simeão recebamos a luz clara e eterna; associemo-nos à sua alegria e cantemos com ele um hino de acção de graças ao Pai da luz, que enviou a luz verdadeira e, afastando todas as trevas, nos fez participantes do seu esplendor».

5º Mistério: O encontro de Jesus no Templo entre os doutores da Lei. Depois de José e Maria andarem três dias aflitos à procura de Jesus, encontraram-no no Templo, sentado entre os doutores, a ouvi-los e a fazer-lhes perguntas (Lc 2, 46).

No regresso a Nazaré, após um dia de viagem, Maria e José aperceberam-se de que Jesus «não fazia caminho com eles», e ficaram preocupados e foram procurá-lo. Sinal importante para nós: quando nos apercebermos de que Jesus não está a fazer caminho connosco, devemos ficar preocupados e ir à procura dele. Por outras palavras: não podemos perder Jesus. Podemos perder coisas e tralhas que atrapalham e sobrecarregam. Mas Jesus é a nossa vida, se o perdemos, perdemo-nos, e é Ele que todos nos pedem: «Nós queremos ver Jesus!» (João 12,21).

Porque me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?” (Lc 2, 49). Embora não compreendendo a resposta de Jesus, Maria guardava todas estas palavras e acontecimentos, compondo-os no seu coração. Expressão belíssima que mostra bem a altura do crente verdadeiro, que não tem de compreender tudo já, mas guarda e vai compondo palavras e acontecimentos divinos numa bela melodia. «Maria teve que caminhar pela fé. Imitando a sua fé, somos capazes de ver para além das coisas exteriores que nos rodeiam. Ela foi capaz de ver Deus no coração do universo, guiando todas as coisas e todas as pessoas para si mesmo, através de Jesus Cristo. Maria era uma contemplativa, o que não significa que ela passasse os seus dias de joelhos. Uma contemplativa é uma amiga amadurecida de Deus que busca a realidade com os olhos de Deus e que ama o que vê com o coração de Deus» (Joseph Chalmers).

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A alma da santidade

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Uma vida santa não é fruto principalmente do nosso esforço, das nossas acções, porque é Deus, o três vezes Santo (cf. Is 6, 3), que nos torna santos, é a acção do Espírito Santo que nos anima a partir de dentro, é a própria vida de Cristo Ressuscitado que nos é comunicada e que nos transforma. (…)

Qual é a alma da santidade? De novo o Concílio Vaticano II esclarece; diz-nos que a santidade cristã mais não é do que a caridade plenamente vivida: «”Deus é amor; quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele” (1 Jo 4, 16). Ora, Deus difundiu abundantemente o seu amor nos nossos corações por meio do Espírito Santo, que nos foi doado (cf. Rm 5, 5); por isso o primeiro dom e o mais necessário é a caridade, com a qual amamos Deus acima de todas as coisas e ao próximo por amor a Ele. (…)

Eis por que Santo Agostinho, comentando o capítulo quarto da Primeira Carta de São João, pode afirmar uma coisa corajosa: «Dilige et fac quod vis», «Ama e faz o que queres». E prossegue: «Quando silencias, que seja por amor; quando falas, fala por amor; quando corriges, que seja por amor; quando perdoas, que seja por amor; haja em ti a raiz do amor, porque desta raiz só pode derivar o bem» (7, 8: pl 35). Quem é guiado pelo amor, quem vive a caridade plenamente é guiado por Deus, porque Deus é amor. Assim é válida esta grande palavra: «Dilige et fac quod vis», «Ama e faz o que queres». (…)

Gostaria de convidar todos a abrir-se à acção do Espírito Santo, que transforma a nossa vida, para sermos também nós como peças do grande mosaico de santidade que Deus vai criando na história, para que o rosto de Cristo resplandeça na plenitude do seu esplendor. Não tenhamos medo de tender para o alto, para as alturas de Deus; não tenhamos medo que Deus nos peça demasiado, mas deixemo-nos guiar em todas as acções quotidianas pela sua Palavra, mesmo se nos sentimos pobres, inadequados, pecadores: será Ele que nos transforma segundo o seu amor. Obrigado.

Bento XVI

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Os santos mostram-nos o potencial da nossa humanidade

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Houve tempos em que se considerava que os místicos, como Santa Teresa de Jesus, percorriam um caminho diferente do dos outros cristãos. Como consequência, os escritos dos místicos pareciam representar uma espiritualidade de elite, espiritualidade reservada só a alguns que não se podia aplicar à maioria.

Hoje entendemos que estes santos somos nós, com maiúsculas. Eles mostram-nos o potencial da nossa humanidade. Estão na cabeça da coluna e mostram-nos o impacto do amor de Deus nas suas vidas. O que escrevem não é algo de especial reservado somente a alguns, mas serve de orientação e de alento para todos. O caminho que descrevem é mais normativo do que excepcional.

Um dos contributos de Santa Teresa de Jesus é o de indicar alguns sinais na vida de uma pessoa que cresce na santidade. Independentemente de que uma pessoa tenha tido ou não experiências religiosas extraordinárias (como vozes e visões semelhantes às de Santa Teresa), estes sinais indicam que o caminho espiritual está assente numa base firme. São sinais da transformação, da crescente abertura da pessoa à acção do Espírito. Podemos assinalar entre estes “sinais de santidade”: Profunda humanidade. Ampla liberdade. Grande generosidade.

John Welch, O. Carm.

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Solenidade de Cristo, Rei do Universo – Ano B

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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João (Jo 18, 33-37)

Naquele tempo Pilatos entrou de novo no pretório, chamou Jesus e perguntou-lhe: «Tu és rei dos judeus?» Respondeu-lhe Jesus: «Tu perguntas isso por ti mesmo, ou porque outros to disseram de mim?» Pilatos replicou: «Serei eu, porventura, judeu? A tua gente e os sumos sacerdotes é que te entregaram a mim! Que fizeste?» Jesus respondeu: «A minha realeza não é deste mundo; se a minha realeza fosse deste mundo, os meus guardas teriam lutado para que Eu não fosse entregue às autoridades judaicas; portanto, o meu reino não é de cá.» Disse-lhe Pilatos: «Logo, Tu és rei!». Respondeu-lhe Jesus: «É como dizes: Eu sou rei! Para isto nasci, para isto vim ao mundo: para dar testemunho da Verdade. Todo aquele que vive da Verdade escuta a minha voz.»

Reflexão

O juízo contra Jesus teve lugar, provavelmente, no palácio em que residia Pilatos quando se dirigia a Jerusalém. Ali encontram-se, numa manhã de Abril do ano trinta, um rei indefeso, chamado Jesus e o representante do poderoso sistema imperial de Roma.

O evangelho de João relata o diálogo entre ambos. Na realidade, mais que um interrogatório, parece um discurso de Jesus para esclarecer alguns temas que interessam muito ao evangelista. Num determinado momento, Jesus faz esta solene proclamação:”Para isto nasci, para isto vim ao mundo: para dar testemunho da Verdade. Todo aquele que vive da Verdade escuta a minha voz”. Esta afirmação recolhe uma característica básica que define a trajectória profética de Jesus: a sua vontade de viver na verdade de Deus. Jesus não somente diz a verdade, mas busca a verdade e somente a verdade de um Deus que deseja um mundo mais humano para todos os seus filhos e filhas.

Por isso, Jesus fala com autoridade, porém, sem falsos autoritarismos. Fala com sinceridade, porém sem dogmatismos. Não fala como os fanáticos que tratam de impor a sua verdade. Tampouco, como os funcionários que a defendem por obrigação ainda que não acreditem nela. Não se sente jamais guardião da verdade, mas testemunha.

Jesus não converte a verdade de Deus em propaganda. Não a utiliza em proveito próprio, mas em defesa dos pobres. Não tolera a mentira ou o encobrimento das injustiças. Não suporta as manipulações.

Esta verdade que Jesus traz consigo não é uma doutrina teórica. É um apelo que pode transformar a vida das pessoas. Jesus já o havia dito: “Se vos mantiverdes fiéis à minha Palavra… conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres”.

Palavra para o caminho

A mentira é hoje um dos pressupostos mais firmes da nossa convivência social. O homem contemporâneo vê-se obrigado a pensar, a tomar decisões e a agir envolto numa densa névoa de mentira e falsidade, da qual é difícil libertar-se. Contudo, as palavras de Jesus são um desafio e uma promessa: “a verdade vos tornará livres”. Santa Teresa de Jesus que amava a verdade, diz-nos estas palavras admiráveis de mulher crente: “a verdade padece mas não perece”.

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São Nuno de Santa Maria, santo da humildade

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Uma das características da figura do novo santo que mais chama à atenção é, sem dúvida alguma, a humildade. Não apenas no fim da sua vida, quando, sendo já carmelita, viveu de maneira totalmente austera e penitente, mas, mesmo sendo Condestável e uma das figuras mais célebres e admiradas da Coroa portuguesa, Nuno foi sempre um homem humilde, um homem que fugiu das honras excessivas e das ambições de poder.

É bem conhecida a sua tendência para a humilhação pessoal nos últimos anos da sua vida como donato carmelita, a ponto do príncipe D. Duarte, temeroso de que a sua conduta provocasse a irrisão ou o menosprezo por parte da coroa ou das instituições mais importantes do reino, o proibir de mendigar pelas ruas de Lisboa e de ir para um convento longínquo e perdido para não ser reconhecido como Condestável. Diante dos dois pedidos do príncipe, frei Nuno teve que ceder. Mas houve outros pedidos que o velho carmelita recusou com firmeza. Por exemplo, recusou ser sacerdote ou evitar os trabalhos mais humildes e baixos do mosteiro, trabalhos que, segundo o parecer do príncipe e de muitos nobres, eram contrários à dignidade e ao renome do herói nacional. Convém não esquecer que Nuno era, além disso, parente da família real, pelo casamento da sua filha Beatriz (casada com D. Afonso, filho de João I), o que tornava ainda mais incómoda para os monarcas a sua atitude. Também se negou totalmente a continuar a usar o título de Condestável ou a ser chamado por outro nome que não fosse o de Frei Nuno de Santa Maria. Como víamos mais acima, a sua resposta foi radical e sem ambiguidades: O Condestável morreu e está enterrado num santuário…

Estamos, sem dúvida, diante de um aspecto muito significativo para a nossa vida cristã actual. Num mundo que idolatra o poder, a fama, o prestigio social (às vezes inclusivamente à custa da verdade ou da justiça); num mundo em que se fomenta a vaidade das riquezas ou dos títulos; num mundo em que, apesar de um terço da humanidade passar necessidade e em algumas zonas do planeta permanecer a praga terrível da fome, se faz ostentação de riquezas e de luxos totalmente desproporcionados; num mundo em que vivemos como escravos da imagem pessoal, do look, das aparências, do culto do corpo e do politicamente correcto… o exemplo de São Nuno recorda-nos o valor da humildade e da simplicidade e convida-nos a nós, carmelitas, de um modo particular, a manter esse espírito, essa maneira de ser e de estar no mundo, por muito importante que possa ser o nosso trabalho, a nossa missão ou a nossa posição eclesial.

Posteriormente, grandes carmelitas viveram e ressaltaram o valor da humildade. Pensemos no célebre adágio de Santa Teresa de Jesus, nas sextas moradas (humildade é andar na verdade); ou no convite à simplicidade do pequeno que faz Santa Teresa de Lisieux; ou no exemplo sublime de humildade que sempre deu o Beato Tito Brandsma, mesmo ocupando os mais altos cargos na universidade e na vida civil do seu país. Muitos outros exemplos se poderiam citar dessa vivência profunda da humildade que sempre aconteceu no Carmelo. Trata-se, sem dúvida, de uma humildade cheia de coragem e de valentia, de uma humildade que não é apenas uma virtude psicológica, mas uma consequência da fé no Deus encarnado, no Deus que não duvidou em assumir a nossa humilde e frágil condição, fazendo-se um como nós para salvar, a partir de baixo, o género humano (cf. Flp. 2, 6-11).

Que o exemplo de São Nuno de Santa Maria nos ajude também a nós a viver a simplicidade evangélica, a não nos deixarmos seduzir pelas vaidades deste mundo (às vezes muito subtis) e a estar sempre próximos e solidários com os últimos, os marginalizados, com os pequenos e excluídos.

Fernando Millán Romeral, O. Carm.

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Deus é a nossa medida

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Muitos (…) gostariam que Deus quisesse o que eles querem. Mas entristecem-se de querer o que Deus quer, por receio de acomodar a sua vontade à de Deus. É por isso que eles pensam muitas vezes que aquilo que não satisfaz os seus gostos e desejos não é vontade de Deus; pelo contrário, julgam que aquilo que os satisfaz, também satisfaz a Deus. Quer dizer, medem a Deus por si em vez de se medirem eles por Deus. Isto é completamente contrário ao que Ele ensinou no Evangelho, quando disse: Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem perder a sua vida por minha causa, há-de encontrá-la (Mt 16, 25).

São João da Cruz

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33º Domingo do Tempo Comum – Ano B

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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos (Mc 13, 24-32)

Naquele tempo disse Jesus aos seus discípulos: «Naqueles dias, depois duma grande aflição, o Sol vai escurecer-se e a Lua não dará a sua claridade, as estrelas cairão do céu e as forças que estão no céu serão abaladas. Então, verão o Filho do Homem vir sobre as nuvens com grande poder e glória. Ele enviará os seus anjos e reunirá os seus eleitos dos quatro ventos, da extremidade da terra à extremidade do céu.» «Aprendei, pois, a parábola da figueira. Quando já os seus ramos estão tenros e brotam as folhas, sabeis que o Verão está próximo. Assim, também, quando virdes acontecer estas coisas, sabei que Ele está próximo, às portas. Em verdade vos digo: Não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam. O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão. Quanto a esse dia ou a essa hora, ninguém os conhece: nem os anjos do Céu, nem o Filho; só o Pai.»

Horizontes da Palavra

O cenário do Evangelho deste Domingo XXXIII do Tempo Comum (Marcos 13,24-32) não é de terror, mas de amor! Novos céus e nova terra, saídos das mãos de Deus-Pai, com o Filho-que-Vem, e que está próximo, à porta.

Não caminhamos para o caos. Podemos confiar em Deus, nosso Criador e Pai. A partir desta confiança total, Jesus expõe a sua esperança: a criação actual terminará, porém será para deixar lugar a uma nova criação, a qual terá Cristo ressuscitado como centro. Marcos quer oferecer algumas convicções para alimentar a esperança dos cristãos.

Primeira convicção. Esta vida que agora vivemos não será para sempre. Um dia chegará a Vida definitiva, sem espaço nem tempo. Viveremos no Mistério de Deus.

Segunda convicção. Jesus voltará e os seus seguidores poderão ver finalmente o seu rosto: “verão o Filho do Homem vir”. O sol, a lua e os astros apagar-se-ão mas o mundo não ficará sem luz. Será Jesus quem o iluminará para sempre instaurando a verdade, a justiça e a paz na história humana tão escrava hoje de abusos, injustiças e mentiras.

Terceira convicção. Jesus trará consigo a salvação de Deus. Chega com o poder grande e salvador do Pai. Não se apresenta com aspecto ameaçador. O evangelista evita falar aqui de juízos e de condenações. Jesus vem “reunir os seus eleitos”, os que esperam com fé a sua salvação.

Quarta convicção. As palavras de Jesus “não passarão”. Não perderão a sua força salvadora. Continuarão a alimentar a esperança dos seus seguidores e a ser o alento dos pobres. Não caminhamos para o nada, para o vazio. Espera-nos o abraço de Deus.

Palavra para o caminho

Uma parte da Igreja antiga lia este “discurso escatológico” e outros textos similares do Novo Testamento no sentido da chegada iminente do “fim do mundo” (leitura ainda hoje desgraçadamente doentia nas seitas, com ano, dia e hora marcados!). Sim, é do “fim do mundo” que se trata, mas num sentido novo e inaudito: é a Palavra de Deus que não passa, e que é Amor e é Primeira e Última, sempre nova, portanto, que vem “pôr fim ao nosso mundo” de posse e egoísmo, auto-satisfação e auto-expansão ilimitada. É o Último, que é o Amor gratuito e desinteressado, que põe fim ao penúltimo, que é a nossa vã maneira de viver. Neste sentido novo, é de desejar que o nosso mundo velho e caduco entre em agonia e acabe já, para que comece verdadeiramente em nós e já um mundo novo e belo, cuja matriz é o Amor gratuito e incondicional. Neste sentido intenso e belo, vale a oração “Senhor, vem!”, porque, com sabedoria serena, sabemos que “o Senhor vem!” (António Couto).

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“O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão”

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São muitos os que nunca pegaram nos evangelhos. Acostumados a escutar na igreja algumas passagens, não lhes passa pela cabeça que também eles podem ler pessoalmente as palavras de Jesus e conhecer a sua forma de agir. Deste modo, ficam privados de uma das experiências mais importantes para alimentar a sua fé. É difícil ler os evangelhos? É necessária alguma preparação especial?

O importante é abrir os evangelhos e estar convencido de que Jesus tem algo a dizer à minha vida. As suas palavras podem dar um novo sentido a tudo o resto. O evangelho, lido e relido com fé, pode transformar a minha forma de viver. Nele encontrarei luz e força para enfrentar a vida de maneira mais humana.

Há muitas formas de ler o evangelho. Alguns fazem-no para defender melhor as suas próprias posições e atacar com maior contundência os seus adversários. Outros procuram normas seguras para saber a que devem segurar-se. Só acerta o que procura encontrar-se sinceramente com a pessoa de Cristo. É ele quem pode transformar a nossa vida.

Esta postura de procura é essencial. Quem já sabe tudo e tem tudo claro, nunca aprenderá do Mestre de Nazaré; os que se sentem proprietários satisfeitos da sua fé permanecem geralmente impermeáveis à sua palavra. O evangelho é para quem procura. Estou convencido que só o descobrem os que se sentem mal, os que se sabem pecadores, os que necessitam de luz, os que procuram Deus.

O evangelho deve ser lido sem pressa, dedicando tempo à sua leitura. O encontro com uma pessoa não se consegue olhando para o relógio. São necessárias a calma e o sossego. Não devemos ter pressa para acabar de ler uma passagem. Não se trata de ler um livro para ver o que diz, mas de escutar uma pessoa que pode iluminar a minha existência com uma nova luz.

Há muitos métodos para ajudar na iniciação à leitura dos evangelhos. O mais simples e prático é ler devagar um relato, observando o que diz e o que Jesus faz. As suas palavras e a sua maneira de agir ajudar-me-ão a descobrir o modo mais correcto de viver perante Deus e os outros. Convém parar em cada momento para colocar perguntas como estas: O que é que Jesus me ensina com isto? Como devo a partir de agora entender a minha vida? A que é que devo dar importância? Daqui em diante, onde encontrarei forças para viver?

Encontro-me frequentemente com pessoas decepcionadas devido a certos comportamentos no seio da Igreja. São cristãos que procuram sinceramente mais verdade. Pessoas que têm necessidade de compreensão e de esperança. Todos elas encontrar-se-iam no evangelho com Alguém diferente. Poderiam comprovar por experiência o que Jesus disse um dia: “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão”.

J. A. Pagola

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São Nuno de Santa Maria, santo de Maria

 

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Outra característica muito definida do perfil espiritual de São Nuno foi a sua devoção à Virgem Maria. Já na sua vida de soldado se encomendava sempre à Virgem Santíssima, antes das batalhas, e pedia também aos soldados que o fizessem. Tinha plena confiança na protecção de Nossa Senhora. Jejuava frequentemente em honra de Nossa Senhora e fomentava sempre a devoção mariana no meio daqueles que o rodeavam. De igual modo, no fim das batalhas, costumava peregrinar a algum santuário mariano.

Por isso mandou reconstruir alguns deles que estavam abandonados ou em mau estado. Ele mesmo pagou a reconstrução de alguns templos, ou mandou construir novos, ou decorá-los dignamente. Neste sentido, muitas igrejas dedicadas a algum orago mariano devem à maior ou menor participação do santo Condestável a sua criação ou subsistência, como as de Sousel; o templo dedicado a Nossa Senhora dos Mártires, em Estremoz; Vila Viçosa; Portel; Évora; Mourão; Camarate; Monsaraz; etc. Um lugar especial merecem, na lista, tanto o templo dedicado a Santa Maria das Vitórias (conhecido como Batalha), construído pelo próprio Rei D. João I a instâncias do seu Condestável para comemorar a batalha de Aljubarrota (perto de Fátima, é uma das jóias do gótico português), como o sumptuoso templo do Carmo, em Lisboa. Alguns historiadores apontam também a intervenção do santo Condestável no auge que em Portugal foi tendo a devoção à Imaculada Conceição, que, com o tempo, se haveria de converter na Padroeira do país, em 1640, a instâncias do Rei D. João IV.

Logicamente que a piedade mariana de Nuno cresceu com o contacto com os carmelitas e, sobretudo, ao ingressar no convento de Lisboa como irmão donato. O facto de ter escolhido, como nome religioso, o de “Nuno de Santa Maria” é, a todos os títulos, significativo. Consta que passava horas em oração diante duma imagem de Nossa Senhora, a quem se encomendava constantemente. O seu exemplo deve ter contribuído, sem dúvida, para que o templo se convertesse num centro importantíssimo de piedade mariana.

Uma vez mais o exemplo de São Nuno pode ser também um estímulo para a nossa própria vida espiritual. Certamente que a devoção mariana de Nuno era vivida sob as formas e expressões de piedade daquela época. Cada período da história deve procurar as suas próprias expressões e, no caso concreto do Carmelo, somos chamados a mostrar e a difundir a devoção à Virgem Santíssima de maneira que seja um reflexo da boa notícia da salvação em Cristo. Devemos conseguir que, como o Concílio Vaticano II nos pediu, a nossa piedade e a nossa devoção mariana não desemboquem nem num afecto estéril e transitório, nem numa vã credulidade (LG 67).

Fernando Millán Romeral, O. Carm.

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