São Nuno de Santa Maria, santo da Eucaristia

Um dos traços que sobressaem do perfil espiritual de São Nuno é a sua profunda piedade eucarística. Indubitavelmente, esta piedade aconteceu nos moldes e formas típicas daquela época. É bem conhecido o seu desejo de restaurar as igrejas devastadas pela guerra ou por qualquer outra causa, para que a Eucaristia pudesse ser celebrada com dignidade. Fundou ou restaurou também confrarias do Santíssimo Sacramento em muitos lugares, e fomentou as celebrações do Corpus, insistindo e ordenando que estas se fizessem com solenidade, decoro e piedade, e tudo isto, precisamente numa época da história da Igreja em que surgiram, em diversos lugares, críticas à ideia da presença real.

De igual modo, quer como Condestável do Exército, quer no convento, participava frequentemente na Eucaristia, preparando-se espiritualmente com muita seriedade e com penitências e jejuns. Contam as crónicas da época, e assim o recolhe o sumário do processo, que uma vez em que lhe perguntaram sobre os motivos pessoais de dita piedade eucarística, o Condestável respondeu: Quem quiser ver-me vencido nas batalhas que me afaste deste sagrado convite, no qual o próprio Deus, pão dos fortes, vigora os homens. Portanto, fortalecido com este manjar, revisto-me do ânimo e valor necessários para vencer o inimigo.

Para além do caso pontual em si e das circunstâncias do mesmo, não deixa de ser interessante para nós esta confiança plena na Eucaristia que, concebida como pharmakon (como lhe chamam alguns Padres Gregos), nos ajuda a vencer os inimigos da vida, que já não são soldados ou cavaleiros reais, mas inimigos mais perigosos, como o pecado, a violência, o egoísmo.

Esta centralidade da Eucaristia nas nossas vidas liga muito bem com o espírito carmelita, uma vez que, já a partir da própria Regra, no Capítulo XIV, o carmelita é chamado a colocar a eucaristia como o centro (não só arquitectónico ou temporal, como pede o texto da Formula Vitae), mas no centro das nossas inclinações, das nossas inquietações, dos nossos apostolados e das nossas vidas.

Que o exemplo da piedade eucarística de São Nuno de Santa Maria nos ajude a revitalizar a nossa vivência da eucaristia, para que o sacramento central da nossa fé não se converta numa mera rotina ou numa mera actividade pastoral, mas que ilumine toda a nossa vida e projecte os valores do reino sobre o nosso mundo e a nossa sociedade actual.

Fernando Millán Romeral, O. Carm.

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32º Domingo do Tempo Comum – Ano B

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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos (Mc 12, 38-44)

Continuando o seu ensinamento, Jesus dizia: «Tomai cuidado com os doutores da Lei, que gostam de exibir longas vestes, de ser cumprimentados nas praças, de ocupar os primeiros lugares nas sinagogas e nos banquetes; eles devoram as casas das viúvas a pretexto de longas orações. Esses receberão uma sentença mais severa.» Estando sentado em frente do tesouro, observava como a multidão deitava moedas. Muitos ricos deitavam muitas. Mas veio uma viúva pobre e deitou duas moedinhas, uns tostões. Chamando os discípulos, disse: «Em verdade vos digo que esta viúva pobre deitou no tesouro mais do que todos os outros; porque todos deitaram do que lhes sobrava, mas ela, da sua penúria, deitou tudo quanto possuía, todo o seu sustento.»

Reflexão

O Evangelho deste 32º Domingo do Tempo Comum, Marcos 12,38-44, põe em cena e em claro destaque uma viúva pobre que dá a Deus a sua vida toda, em contraponto com os escribas e muitos outros, que fazem bom teatro religioso. A cena central passa-se no átrio das mulheres do Templo de Jerusalém, num lugar chamado «Casa do Tesouro». Muita gente deitava aí muito do que lhe sobrava, mas a viúva pobre deu «tudo quanto tinha, a sua vida toda!».

O Evangelho refere que a viúva é pobre. Duplamente desfavorecida, portanto. Enquanto viúva e enquanto pobre. Mas a tecla que soa mais forte, é que deu tudo, ainda que tenha dado pouco. O acento não está posto na quantidade, mas na totalidade. A viúva deu toda a sua vida, tudo o que tinha. Não se questiona sobre como vai viver a seguir. Dá um salto no abandono total de si mesma ao Senhor. Ela é verdadeiramente filha de Abraão, o Pai da fé. Espera contra toda a esperança. Lança-se nos braços de Deus.

É bom que, observando bem esta cena exemplar, aprendamos a passar da mera ajuda para o dom de nós mesmos. Dom total. O discípulo de Jesus, à maneira de Jesus, deve pôr em jogo a própria vida. Tudo, e não apenas o supérfluo. Dar o que sobra não tem a marca de Deus, não é fazer a verdadeira memória de Jesus, que se entregou a si mesmo por nós (Efésios 5,2), por mim (Gálatas 2,20). O supérfluo deixa a vida intacta. O dom de si mesmo transforma a vida para sempre.

Palavra para o caminho

A viúva do Evangelho não procura honras, nem prestígio, mas age de maneira silenciosa e humilde. Dá tudo o que tem porque os outros podem ter necessidade. Segundo Jesus, deu mais do que outros, porque não dá do que lhe sobra, mas «tudo o que tem para viver».

Estas pessoas simples, mas com grande coração e cheios de generosidade, que sabem amar sem reservas, é o melhor que temos na Igreja. São elas que fazem o mundo mais humano, as que crêem verdadeiramente em Deus, as que mantêm vivo o Espírito de Jesus no meio de outras atitudes religiosas falsas e interesseiras. Destas pessoas temos de aprender a seguir Jesus. São as que mais se parecem a ele.

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São Nuno de Santa Maria – 6 de Novembro

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Nuno Álvares Pereira nasceu a 24 de Junho de 1360 em Cernache do Bonjardim, e foi educado nos ideais nobres da Cavalaria medieval, no ambiente das Ordens militares e depois na Corte real. Tal ambiente marcou a sua juventude. Aos dezasseis anos casou-se com Dona Leonor de Alvim, e desta união nasceram três filhos, sobrevivendo apenas a sua filha Beatriz. As suas qualidades e virtudes impressionaram particularmente o Mestre de Aviz, futuro rei D. João I, que encontrou em Dom Nuno um exímio chefe militar e nomeou-o Condestável, isto é, Comandante supremo do exército. Nuno conduziu o exército português repetidas vezes à vitória, sendo a mais significativa a de Aljubarrota a 14 de Agosto de 1385, assegurando a independência de Portugal em relação ao Reino de Castela.

Nuno Álvares Pereira em face das suas virtudes heróicas e religiosas, desde muito cedo recebeu do povo o título de Santo Condestável. Sendo um guerreiro, não foi por vocação bélica, mas por defesa de valores que ele considerava principais: por um lado, o amor à Pátria e a lealdade ao monarca escolhido pelo povo, Dom João I, por outro lado, o espírito da cruzada, face à posição de Castela, que optara pela obediência ao Papa de Avinhão (durante o Grande Cisma do Ocidente), enquanto Portugal se manteve leal a Roma, de onde ter direito ao título de Nação Fidelíssima. Por conseguinte, a gesta heróica do Condestável teve em vista, de forma especial, a unidade da Igreja na obediência romana. As virtudes militares não o levaram a esquecer a prática das virtudes, sobretudo a caridade. São muitos os testemunhos do tempo sobre a caridade que praticava com os adversários, não os considerando inimigos, mas apenas opositores. No final de várias batalhas, ele mesmo ordenava aos seus militares que tratassem dos mortos e sobretudo dos adversários feridos em combate, aos quais protegia da espontânea revolta popular. Isto é: fez a guerra em nome da paz. Ainda guerreiro, era conhecido por ser um homem de fé e de oração, raro iniciando uma batalha sem antes se recolher em oração, sem pressa de combate.

Em reconhecimento dos serviços prestados ao País e ao Reino, foi largamente premiado pelo Rei Dom João I com a oferta de muitos bens, sobretudo terras e povoações, tornando-se o homem mais rico de Portugal a seguir ao Rei. À medida que os deveres bélicos o deixavam mais livre, e já coberto de glórias, iniciou uma nova fase de vida, em 1393, partilhando com os seus companheiros de armas algumas das numerosas terras que lhe tinham sido doadas. Escolhendo para si mesmo uma vida de oração e de contemplação, iniciou, em 1389, numa das colinas de Lisboa, a construção de um convento, com Igreja de estilo gótico que chegou a ser tida como a mais bela da cidade. Deu ao convento o nome de Nossa Senhora do Vencimento, em acção de graças pelas suas vitórias e, poucos anos depois (decerto 1397), escolheu para habitantes do novo Convento os frades Carmelitas que, nessa época, só dispunham de uma comunidade, em Moura, no Sul de Portugal. Para Governo e sustento da nova comunidade de Lisboa, que veio a ser a mais importante, fez a doação de um valioso património, reservando-se o direito de ser ele a administrar esse património, enquanto vivo fosse. Em 1423, celebrando-se o I Capítulo Provincial dos Carmelitas portugueses, D. Nuno fez a doação definitiva da igreja e convento de Lisboa à Ordem do Carmo, nela professando como donato, recusando mesmo o título de Frei, gostando de ser chamado Nuno, simplesmente Nuno.

Desprendido dos bens materiais, desejou realizar três intenções: mendigar o sustento pelas ruas da cidade, não consentir outro título que não fosse Nuno, e sair de Portugal para viver onde fosse desconhecido. Não foi preciso sair, porquanto Dom João e Dom Duarte lhe estabeleceram uma pensão para seu sustento, pensão essa que, ao fim e ao cabo, Nuno de Santa Maria distribuía pelos pobres e necessitados que à porta do Convento se aglomeravam, ganhando, entre o povo, o título de Pai dos Pobres. Já antes de professar na Ordem do Carmo, que preferiu em vista do seu altíssimo culto por Maria, Mãe de Jesus, Nuno dera provas de pureza e de castidade, de silêncio e de oração, praticando as virtudes teologais e cardeais, recusando as seduções do mundo. Todavia, os carismas que se tornam mais palpáveis são os do despojamento e da pobreza. Desprende-se de toda a propriedade material, torna-se pobre e vive como pobre para os pobres. Assim o viu o autor da Crónica do Condestável: “apartou-se a servir a Deus em estado de pobre”. O seu amor pela Virgem do Monte Carmelo levou-o a promover o culto mariano, mediante a devoção pelo significado do Escapulário. Com efeito, começou por convidar pessoas do seu conhecimento, tanto nobres como pobres, a reunirem-se para a prática devocional do Escapulário, dando origem à primeira Confraria de Leigos em Lisboa, chamada “Confraria do Bentinho”, origem da futura Ordem Terceira Secular. Foi, portanto, o fundador, do movimento do laicado carmelita.

Beatificado em 1918, pelo Papa Bento XV, foi canonizado pelo Santo Padre Bento XVI, em 26 de Abril de 2009, em Roma, deste modo se confirmando tanto a antiguidade do culto como o provado exercício das virtudes heróicas.

 

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A esperança

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Existe um modo simples de definir os cristãos: são homens e mulheres que têm esperança. Esta é a sua característica fundamental. Santo Agostinho já dizia que “esperar por Deus significa tê-lo” e o poeta Charles Péguy recordava-nos que a esperança é “a fé que Deus ama”. Os cristãos não pretendem conhecer o futuro do mundo melhor que os outros. Vivendo, dia-a-dia, a marcha do mundo, também nós nos debatemos entre a inquietude e a resignação. Somente Deus é a nossa esperança.

O Futuro final do mundo é Deus. Quer saibamos ou não, estamos colocados diante d’Ele. A história encaminha-se para o seu encontro. No final, todo o finito morre em Deus, e em Deus alcança a sua verdade última. Deus é o final misterioso do mundo: Deus encontrado para sempre é o “céu”; Deus perdido para sempre é o “inferno”; Deus como verdade última é o “juízo”. Isto que pode fazer alguns sorrirem é para aquele que crê a força mais real para manter a Esperança.

J. A. Pagola

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Comemoração dos fiéis defuntos. A vida eterna

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Depois da ressurreição dos mortos, o Credo proclama a fé na vida eterna ou na vida do mundo que há-de vir. “Nesta santa Igreja Católica, instruídos pelos ensinamentos e leis de salvação, alcançaremos o reino dos Céus e teremos como herança a vida eterna; e para a podermos alcançar do Senhor, estamos dispostos a tudo suportar neste mundo. Não é pouco o que esperamos; a finalidade da nossa luta é alcançar a vida eterna. Por isso, na profissão de fé aprendemos que depois do artigo: (Creio) na ressurreição da carne, isto é, dos mortos, devemos acreditar também na vida eterna, que é a esperança dos cristãos em todos os combates.

Por conseguinte, a vida verdadeira e autêntica é o Pai que, como uma fonte, derrama sobre nós todos os seus dons celestes, por intermédio do Filho, no Espírito Santo. É a sua bondade infinita que comunica aos homens os bens verdadeiros da vida eterna” (São Cirilo de Jerusalém).

Esta vida eterna é a continuidade e a expansão da nossa vida de união com Cristo a partir da terra (cf. Jo 17, 3) e na sua plenitude consiste em ver a Deus “tal como Ele é” (1Jo 3, 2), na plena participação da vida trinitária. É vida intensa, tal como é intensa a vida do próprio Deus, em que “Deus será tudo em todas as coisas” (1Cor 15, 28).

Nós possuímos desde já as primícias desta vida cuja plenitude está prometida para o lado de lá da morte, como canta um dos prefácios da missa de Domingo: “Durante a nossa vida terrena, sentimos cada dia os efeitos da vossa bondade e possuímos desde já o penhor da vida futura; tendo recebido as primícias do Espírito, pelo qual ressuscitaste Jesus Cristo de entre os mortos, vivemos na esperança da Páscoa eterna”.

Esta fé e esperança não deixa de ter consequências sobre a maneira de viver e de enfrentar a morte. A liturgia exprime-se assim a este propósito: “Para os que crêem em Vós, Senhor, a vida não acaba, apenas se transforma; e desfeita a morada deste exílio terrestre, adquirimos no céu uma habitação eterna” (Prefácio da Missa dos Defuntos). Morrer cristãmente, para aquele que vê vir a morte, leva-o a abandonar-se confiadamente à misericórdia de Deus. A oração da Igreja encoraja-nos a que nos preparemos para a hora da nossa morte: “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte”.

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Crer no céu

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Na festa cristã de Todos os Santos, quero dizer como entendo e trato de viver algumas características da minha fé na vida eterna. Quem conhece e segue Jesus Cristo compreender-me-á.

Crer no céu é, para mim, resistir a aceitar que a vida de todos e de cada um de nós é somente um pequeno parêntesis entre dois imensos vazios. Apoiando-me em Jesus, intuo, pressinto, desejo e creio que Deus está a conduzir para a sua verdadeira plenitude o desejo de vida, de justiça e de paz que se encerra na criação e no coração da humanidade.

Crer no céu é, para mim, rebelar-me com todas as minhas forças que ficará enterrada e esquecida para sempre essa imensa maioria de homens, mulheres e crianças que somente conheceram, nesta vida, a miséria, a fome, a humilhação e os sofrimentos. Confiando em Jesus, creio numa vida onde já não haverá pobreza nem dor, ninguém estará triste, ninguém terá de chorar. Finalmente, poderei ver aqueles que vêm em barcos chegar à sua verdadeira pátria.

Crer no céu é, para mim, aproximar-me com esperança de tantas pessoas sem saúde, enfermos crónicos, deficientes físicos e mentais, pessoas mergulhadas na depressão e angústia, cansadas de viver e de lutar. Seguindo Jesus, creio que, um dia, conhecerão o que é viver com paz e saúde total. Escutarão as palavras do Pai: “Entra para sempre na alegria do teu Senhor”.

Não me resigno a aceitar que Deus seja, para sempre, um “Deus oculto”, do qual não podemos conhecer jamais o seu olhar, a sua ternura e os seus abraços. Não posso aceitar a ideia de nunca me encontrar com Jesus. Não me resigno a que tantos esforços por um mundo mais humano e feliz se percam no vazio. Quero que um dia os últimos sejam os primeiros e que as prostitutas nos precedam. Quero conhecer os verdadeiros santos de todas as religiões e de todos os ateísmos, aqueles que viveram amando no anonimato, sem esperar nada.

Um dia poderemos escutar estas incríveis palavras que o Apocalipse põe na boca de Deus: «Para aquele que tem sede, eu darei de beber gratuitamente da fonte da vida». Grátis! Sem merecê-lo. Assim Deus saciará a sede de vida que há em nós.

J. A. Pagola

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Solenidade de Todos os Santos

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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus (Mt 5, 1-12)

Naquele tempo,ao ver as multidões, Jesus subiu ao monte e sentou-Se. Rodearam-n’O os discípulos e Ele começou a ensiná-los, dizendo: «Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos Céus. Bem-aventurados os humildes, porque possuirão a terra. Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é o reino dos Céus. Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós. Alegrai-vos e exultai, porque é grande nos Céus a vossa recompensa».

O santo: “já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20)

Nas Audiências gerais destes últimos dois anos acompanharam-nos as figuras de tantos Santos e Santas: aprendemos a conhecê-los mais de perto e a compreender que toda a história da Igreja está marcada por estes homens e mulheres que com a sua fé, caridade, e com a sua vida foram faróis para tantas gerações, e são-no também para nós. Os Santos manifestam de diversas formas a presença poderosa e transformadora do Ressuscitado; deixaram que Cristo se apoderasse tão plenamente da sua vida que puderam afirmar com São Paulo: «já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim» (Gl 2, 20). Seguir o seu exemplo, recorrer à sua intercessão, entrar em comunhão com eles, «une-nos a Cristo, do qual, como da Fonte e da Cabeça, promana toda a graça e toda a vida do próprio Povo de Deus» (Con. Ec. Vat. II, Const. Dogm. Lumen gentium, 50). No final desta série de catequeses, gostaria então de oferecer alguns pensamentos sobre o que é a santidade.

Que significa ser santos? Quem é chamado a ser santo? Com frequência somos levados a pensar ainda que a santidade é uma meta reservada a poucos eleitos. São Paulo, ao contrário, fala do grande desígnio de Deus e afirma: «N’Ele – Cristo – (Deus) escolheu-nos antes da criação do mundo para sermos santos e imaculados diante d’Ele na caridade» (Ef 1, 4). E fala de todos nós. No centro do desígnio divino está Cristo. No qual Deus mostra o seu Rosto: o Mistério escondido nos séculos revelou-se em plenitude no Verbo que se fez homem. E Paulo depois diz: «De facto, aprouve a Deus que n’Ele habite toda a plenitude» (Cl 1, 19). Em Cristo o Deus vivente tornou-se próximo, visível, audível, palpável para que todos possam beneficiar da sua plenitude de graça e de verdade (cf. Jo 1, 14-16). Por isso, toda a existência cristã conhece uma única lei suprema, aquela que São Paulo expressa numa fórmula que recorre em todos os seus escritos: em Cristo Jesus. A santidade, a plenitude da vida cristã não consiste em realizar empreendimentos extraordinários, mas em unir-se a Cristo, em viver os seus mistérios, em fazer nossas as suas atitudes, pensamentos e comportamentos. A medida da santidade é dada pela estatura que Cristo alcança em nós, desde quando, com a força do Espírito Santo, modelamos toda a nossa vida sobre a sua. É ser conformes com Jesus, como afirma são Paulo: «Aqueles que ele conheceu desde sempre, predestinou-os para serem conformes com a imagem do seu Filho» (Rm 8, 29). E Santo Agostinho exclama: «Será viva a minha vida toda repleta de Ti» (Confissões, 10, 28). O Concílio Vaticano II, na Constituição sobre a Igreja, fala com clareza da chamada universal à santidade, afirmando que ninguém é excluído dela: «Nos vários géneros de vida e nas várias formas profissionais é praticada uma única santidade por todos os que são movidos pelo Espírito de Deus e… seguem Cristo pobre, humilde e carregando a cruz, para merecer ser partícipes da sua glória» (nº 41).

Bento XVI

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O amor de Deus torna-nos dignos

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A moral cristã afirma que eu sou amado antes mesmo de fazer algo, seja bom ou não. Não posso comprar o amor de Deus. Não o posso ganhar. Não posso dar nada em troca. Eu não tenho que acalmar Deus para que Ele me ame. Deus ama-me na vida, e continuará a amar-me ao longo da minha vida. Não posso afastar o seu amor de mim. Pode ser que não acredite nele, pode ser que eu o rejeite, mas Deus não anda longe. Deus “está sempre lá” (…).

Teresa conta que nos primeiros 18 anos da sua vida (no convento) da Encarnação estava perdida. Quando estava com as coisas de Deus, queria estar com as coisas do mundo. Ao contrário, quando estava com as coisas do mundo, queria estar com as coisas de Deus.

Por “mundo”, acredito que Teresa entendia que continuava metida nas noticias de Ávila através das conversas que mantinha no locutório e através de outros meios de comunicação. Por “coisas de Deus” queria dizer que trabalhava arduamente para que a considerassem no convento uma monja observante.

Um dia, quando estava diante de uma estátua de Cristo “muito chagado”, um “Ecce Homo”, que levaram para o convento, Teresa caiu de joelhos e disse que não se levantaria até que ficasse curada. O encontro com Cristo “muito chagado” curou-a. Pôs-se de pé, livre de indecisões e, pouco tempo depois, começou a planear a reforma do Carmelo.

Teresa não disse o que exactamente foi curado, mas podemos supor o que lhe aconteceu conhecendo as nossas próprias necessidades. Talvez a nossa pergunta mais profunda seja: Somos amados? Somos essencialmente bons? O que temos que realmente mereça a pena? Qual é o nosso valor? Teresa deu-se conta do que tinha vindo a pedir à sociedade, aos que viviam ao seu redor, e à própria vida religiosa: que a valorizassem e a reconhecessem. Estava a tentar ser reconhecida pela sociedade, que a considerassem uma boa religiosa. Procurou ser reconhecida desde fora.

Neste encontro com “Cristo chagado”, talvez se tenha dado conta de que as aquelas feridas eram por amor a ela. Não tinha que demonstrar aos que a rodeavam que era adorável e digna. Teresa percebeu que tinha um imenso valor e dignidade, simplesmente porque Deus a amava. A sua dignidade vinha de Deus que estava no centro da sua vida.

John Welch, O. Carm.

 

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A oração conduz à missão

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Precisamente porque é mãe de portas abertas, a Igreja sempre está em caminho para os homens para levar-lhes aquela «água viva» (cf. Jo 4,10) que rega o horto do seu coração sedento. A santa escritora e mestra de oração foi ao mesmo tempo fundadora e missionária pelos caminhos de Espanha. A sua experiência mística não a separou do mundo nem das preocupações das pessoas. Pelo contrário, deu-lhe novo impulso e coragem para a acção e para os deveres de cada dia, porque também «entre as panelas anda o Senhor» (Fundações 5,8). Ela viveu as dificuldades do seu tempo – tão complicado – sem ceder à tentação do lamento amargo, mas antes aceitando-as na fé como uma oportunidade para dar um passo mais no caminho. E é que, «para fazer Deus grandes mercês a quem de verdade o serve, sempre há tempo» (Fundações 4,6). Hoje Teresa diz-nos: Reza mais para compreender bem o que acontece à tua volta e assim actuar melhor. A oração vence o pessimismo e gera boas iniciativas (cf. Moradas VII, 4,6). Este é o realismo teresiano, que exige obras em vez de emoções, e amor em vez de sonhos, o realismo do amor humilde ante um ascetismo trabalhoso! Algumas vezes a Santa abrevia as suas saborosas cartas dizendo: «Estamos de caminho» (Carta 469,7.9), como expressão da urgência em continuar até ao fim com a tarefa começada. Quando arde o mundo, não se pode perder o tempo em negócios de pouca importância. Oxalá contagie a todos esta santa pressa para sair e percorrer os caminhos do nosso próprio tempo, com o Evangelho na mão e o Espírito no coração!

Papa Francisco

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Exercícios espirituais pregados ao papa e à cúria romana

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Sou o Papa Francisco e quero pedir-lhe um grande favor: pregar os Exercícios espirituais, a mim e à Cúria romana”. “Santo Padre, mas eu sou um pecador…”. “Nós também o somos, todos…”. “Deixe-me discernir durante alguns dias…”. “Muito bem, mas eu espero um sim…“. “Dentro de alguns dias responderei. Entretanto, reze por mim…”. Ouvir directamente a voz do Papa Francisco apanhou-me de surpresa na manhã de 2 de Dezembro de 2014. Pedi alguns dias para discernir: não se tratava de uma coisa fácil. Finalmente aceitei, ainda que a ideia me deixasse espantado. Não podia dizer não ao Papa. Para mim representava um grande desafio e também uma honra para a Ordem. Devia sintonizar com a linguagem e as perspectivas do Papa para o ajudar no seu estilo de guiar a Igreja (…).

Em princípio, como carmelita, pensei em apresentar o caminho espiritual segundo a perspectiva de Teresa de Ávila. Seria uma preciosa homenagem no centenário do seu nascimento. Ou, como alternativa, propor talvez uma leitura sapiencial do evangelho de Marcos, que conheço bem. Por fim optei por uma figura bíblica que encarnasse muitos dos problemas e das perspectivas do Papa Francisco.

Escolhi a figura bíblica do profeta Elias: ele não escreveu nada, falou pouco, mas as “cenas” da sua vida assemelham-se grandemente a muitos dos nossos problemas e situações. A solidão amarga, a procura do sentido da vida, o fundamentalismo fanático, o diálogo inter-religioso, o fracasso pessoal, a solidariedade, a instrumentalização ateia de Deus, a intercessão solidária, o sofrimento absurdo, a desconcertante experiência de Deus, etc. Inclusivamente o seu enquadramento geográfico, expressa algo de excepcional: ele está sempre em saída para as fronteiras (inclusivamente as afastadas, como Sarepta ou o Monte Carmelo) até que finalmente desaparece de forma imperceptível e no fogo, além Jordão. Pensei que este ícone bíblico ajudava mais o Papa e a sua estratégia eclesial (…). Segui o método da lectio divina, de que tenho bastante experiência, mas não com uma lectio contínua (…).

Para mim, esta foi uma experiência totalmente excepcional: pelo auditório, pela sua função eclesial, pela força que sentia em alguns momentos perante o dever de dizer a verdade acerca de algumas “enfermidades da Cúria” (…).

O Papa Francisco escreveu-me uma formosíssima carta de agradecimento, nada formal, em que elogiava e valorizava o método e o estilo das meditações. Já está publicado em italiano o livro com o texto das meditações com o título: Profeti del Dio vivente. In cammino con Elia: Ed. Messaggero/Lev, Padova/Vaticano 2015.

Bruno Secondin, O. Carm.

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