Um dos traços que sobressaem do perfil espiritual de São Nuno é a sua profunda piedade eucarística. Indubitavelmente, esta piedade aconteceu nos moldes e formas típicas daquela época. É bem conhecido o seu desejo de restaurar as igrejas devastadas pela guerra ou por qualquer outra causa, para que a Eucaristia pudesse ser celebrada com dignidade. Fundou ou restaurou também confrarias do Santíssimo Sacramento em muitos lugares, e fomentou as celebrações do Corpus, insistindo e ordenando que estas se fizessem com solenidade, decoro e piedade, e tudo isto, precisamente numa época da história da Igreja em que surgiram, em diversos lugares, críticas à ideia da presença real.
De igual modo, quer como Condestável do Exército, quer no convento, participava frequentemente na Eucaristia, preparando-se espiritualmente com muita seriedade e com penitências e jejuns. Contam as crónicas da época, e assim o recolhe o sumário do processo, que uma vez em que lhe perguntaram sobre os motivos pessoais de dita piedade eucarística, o Condestável respondeu: Quem quiser ver-me vencido nas batalhas que me afaste deste sagrado convite, no qual o próprio Deus, pão dos fortes, vigora os homens. Portanto, fortalecido com este manjar, revisto-me do ânimo e valor necessários para vencer o inimigo.
Para além do caso pontual em si e das circunstâncias do mesmo, não deixa de ser interessante para nós esta confiança plena na Eucaristia que, concebida como pharmakon (como lhe chamam alguns Padres Gregos), nos ajuda a vencer os inimigos da vida, que já não são soldados ou cavaleiros reais, mas inimigos mais perigosos, como o pecado, a violência, o egoísmo.
Esta centralidade da Eucaristia nas nossas vidas liga muito bem com o espírito carmelita, uma vez que, já a partir da própria Regra, no Capítulo XIV, o carmelita é chamado a colocar a eucaristia como o centro (não só arquitectónico ou temporal, como pede o texto da Formula Vitae), mas no centro das nossas inclinações, das nossas inquietações, dos nossos apostolados e das nossas vidas.
Que o exemplo da piedade eucarística de São Nuno de Santa Maria nos ajude a revitalizar a nossa vivência da eucaristia, para que o sacramento central da nossa fé não se converta numa mera rotina ou numa mera actividade pastoral, mas que ilumine toda a nossa vida e projecte os valores do reino sobre o nosso mundo e a nossa sociedade actual.
Fernando Millán Romeral, O. Carm.