O mal
Se Deus tudo sabe e tudo pode, porque não evita o mal? O mal no mundo é um mistério sombrio e doloroso. O próprio Crucificado perguntou ao seu Pai: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?» (Mt 27, 46). Muito dele é incompreensível. Mas de algo temos a certeza: Deus é cem por cento bom. Ele nunca pôde ter sido o autor de algo mau. Muitos males derivam, sem dúvida, dos limites naturais, da inserção no mundo. Participando num processo evolutivo global, o homem nasce, transforma-se e morre como os outros seres da Natureza. Só consegue receber a vida a pouco e pouco. A precaridade da condição de criatura é, depois, agravada por inúmeras culpas pessoais, que provocam mais ou menos directamente uma série de perturbações a si e aos outros. Basta recordar os danos produzidos à saúde, às distorções da convivência social, às guerras. Por sua vez, a propensão do homem para pecar, segundo a concepção bíblica, depende quer da influência de Satanás e dos vícios, quer de uma misteriosa solidariedade que envolve toda a humanidade desde as origens da história. A pergunta decisiva não é, portanto, «Como se pode crer num Deus bom, se há tanto mal?», mas «Como poderia o ser humano, com coração e inteligência, suportar a vida neste mundo se não existisse Deus?».
O mal não é indiferente a Deus. Deus toma a seu cuidado o pobre, a viúva e o órfão; reveste-se ele mesmo em seu Filho, da figura do Servo sofredor. Ele, o justo por excelência, consentiu em suportar a mais ignominiosa das mortes. Deus não quer o sofrimento: «Deus não fez a morte, e não se regozija em ver morrer os seres vivos» (Sb 1, 13). Foi por isso que o Filho de Deus a veio combater, numa espécie de luta corpo a corpo, a fim de que ela fosse «absorvida» na sua vitória (cf. 1Cor 15, 54). À luz do combate travado por Deus contra o mal, a fé impede-nos de nos resignarmos a ele, impelindo-nos a combater pela justiça e no exercício da caridade. A morte e a ressurreição de Cristo mostram-nos que o mal não tem a primeira nem a última palavra: do pior dos males Deus fez surgir o bem absoluto. Nós cremos que Deus, no Juízo Final, acabará com toda a injustiça. Na vida do mundo vindouro, o mal não terá mais lugar e o sofrimento acabará.
Deus sussurra nas nossas alegrias, fala na nossa consciência. Nas nossas dores, porém, Ele fala alto; elas são o seu megafone para despertar um mundo surdo (Clive Staples Lewis).