Ano da Fé – X

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Todo-Poderoso

O Credo confessa Deus como “Pai todo-poderoso”. A fé católica põe a omnipotência de Deus em relação com o título de Pai. Não é dominação arbitrária, mas soberania plena de sabedoria e de bondade à qual “nada é impossível” (Lc 1, 37; cf. Gn 18, 14). É a omnipotência amorosa de um pai: do “Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo” (2Cor 1, 3) que nos comunica o seu Espírito. A omnipotência deste Pai não vem esmagar, mas, pelo contrário, suscitar a vida, fazer voltar ao bem o que se lhe opõe, levantar o que está caído e mesmo vencer a morte. Manifestada na Criação, ela afirma-se, de maneira soberana, na cruz e na ressurreição de Jesus.

A fé na paternidade omnipotente de Deus exprime-se na piedade cristã como fé na Providência. A  fé cristã sabe que a bondade do Pai celeste envolve a existência dos seus filhos: Deus “faz com que tudo concorra para o seu bem” (Rm 8, 28). Não raramente se pergunta: “Então, onde está Deus?”. Ele diz-nos através do profeta Isaías: “Os meus pensamentos não são os vossos, nem os vossos caminhos são os meus” (Is 55, 8). A fé na Providência leva a uma atitude de profunda confiança e abandono e à oração, mas não justifica a nossa preguiça; pelo contrário, é fonte de generosidade, de coragem e de confiança.

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Ano da Fé – IX

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Deus Pai

Deus é, antes de mais, o Pai de Jesus, seu Filho único. É designando-O como Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo (2Cor 1, 3) que nós dizemos, o mais perfeitamente possível, o que Ele é em verdade. Jesus mantém com Ele uma relação única que se vê exprimir-se na maneira particularmente íntima e familiar com a qual ele se dirige ao Pai na oração (cf. Mc 14, 36). Mas ele é também realmente nosso Pai: «Vede, escreve São João, que admirável amor o Pai nos consagrou em nos chamar filhos de Deus. E somo-lo de facto» (1Jo 3, 1). Incluindo-nos no amor que ele tem pelo seu Filho, dá-se a nós como Pai. São Paulo designou-o como «Pai de misericórdia e Deus de toda a consolação» (2Cor 1, 3).

Pai-nosso que estais nos Céus, é a primeira expressão da oração que Jesus ensina aos discípulos. Não sabemos o que seria ver Jesus rezar!… Aquilo que os discípulos puderam testemunhar devia constituir um espectáculo extraordinário de intimidade e confiança e, compreensivelmente, pediram para ser iniciados nessa experiência.

Esta novidade sobre Deus revelada por Jesus aparece nos quatro evangelhos, que usam 170 vezes a palavra «Pai» para designar ou invocar Deus. Em Jesus Cristo, Deus revela-se como seu e nosso «Pai». Aliás, a expressão usada por Jesus é «Abbá», que quer dizer, literalmente, «Papá» ou «Paizinho». Trata-se de uma expressão carregada de intimidade e de amor. É esta a primeira pessoa de Deus: Pai, um Pai que ama os seres humanos como seus filhos.

«Pai»! Esta bela expressão usada por Jesus para designar ou invocar Deus pode, contudo, provocar equívocos. O principal é a comparação com a paternidade humana, com o nosso progenitor masculino. Em consequência, surgem antropomorfismos (imagens humanas de Deus) que deturpam a realidade divina, e dão origem a falsas imagens de Deus. Ninguém pode negar que a palavra «pai» contém uma carga emocional, positiva ou negativa, conforme a experiência concreta de cada um. Por isso, o uso do termo «Pai» em relação a Deus não pode ser senão analógico. De facto, não existe nenhuma palavra humana capaz de abarcar a totalidade do Mistério de Deus. Todas as expressões, mesmo que tenham sido pronunciadas por Jesus Cristo, só podem ser uma ajuda (e nunca um entrave) para nos aproximar do Mistério divino. Por outro lado, a utilização do termo «Pai» para designar a primeira pessoa de Deus pode levar-nos a pensar, consciente ou inconscientemente, que se trata de uma figura masculino. Ora, isto não pode corresponder à verdade. Deus não é homem nem mulher. O que na verdade Jesus Cristo nos ensina é que Deus é a origem e a fonte da vida. Como afirmou o Papa João Paulo I: «Ele é Pai, mais ainda, é Mãe». Aliás, já no Antigo Testamento, os profetas utilizam a maternidade para se aproximarem do Mistério de Deus. Não é mais fácil recorrermos à imagem materna para designarmos a misericórdia, a ternura, a bondade, o carinho, a beleza? A «ternura paternal de Deus também pode ser expressa pela imagem da maternidade, que indica de modo mais incisivo a imanência de Deus, a intimidade entre Deus e a sua criatura» (Catecismo da Igreja Católica, 239).

Chamar a Deus «Pai» é um convite ao silêncio contemplativo e ao amor. É um convite a entrar numa relação filial. Até que dentro de nós possam ecoar as palavras do nosso Pai que está no Céu: tu és o meu filho muito amado!

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Ano da Fé – VIII


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Creio em um só Deus

A primeira afirmação de fé, no Símbolo Niceno-Constantinopolitano, é Creio em um só Deus. Fica bem claro que acreditamos num único Deus ou num Deus uno, “um só Deus”. Mas o Deus que Jesus Cristo nos revela não é também Trindade?! Não são três as pessoas divinas?! Hoje, vamos tentar ajudar a compreender, ou melhor, vamos aprender a acolher, pela fé, esta realidade divina: um só Deus.

O Deus de que a Revelação desvela o mistério de amor é o Deus santo. Não tem comparação senão com Ele mesmo. É único. É assim que, logo no início, o proclamamos no Credo. Se houvesse dois deuses, um seria a fronteira do outro. Nenhum dos dois seria infinito; nenhum, perfeito. Portanto, nenhum seria Deus. A experiência fundamental de Deus feita por Israel está assim expressa: “Escuta, Israel! O Senhor nosso Deus é único. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6, 4-5). A confissão da unicidade de Deus corresponde à declaração feita pelo próprio Deus: “Eu sou o primeiro e o último; fora de mim não há deuses” (Is 44, 6). É a mesma verdade do primeiro mandamento: “Não terás outros deuses além de Mim” (Ex 20, 3; cf. Dt 6, 3).

O monoteísmo da fé cristã é o princípio da liberdade perante todos os falsos deuses (dinheiro, poder, fama, prazeres, ideologias de qualquer espécie…), com os quais somos sempre tentados a fazer aliança. “Servir Deus é reinar” , declara uma oração da liturgia.

A afirmação da unicidade de Deus é paralela à sua santidade. Afirmar que Deus é santo é afirmar que Ele é totalmente outro; é dizer a impossibilidade para os homens de O encerrar dentro das ideias que fazem d’Ele. “Nenhuma palavra O exprime; Ele ultrapassa todas as formas de inteligência” (Gregório de Nazianzo). É evocar o mistério, que continua a envolvê-l’O, mesmo quando Ele se dá a conhecer. Hoje, a coisa mais difícil parece ser precisamente “crer em Deus”. De facto, por um lado, sentimo-nos remetidos para Deus e para o seu mistério. Mas, por outro, vivemos frequentemente “como se Deus não existisse”. Se reflectirmos bem, não é tanto Deus em si mesmo que constitui um problema para nós. É, sim, a nossa ideia acerca d’Ele – isto é, a imagem que d’Ele fazemos e que, por vezes, nos parece tão banal e infantil – e, ainda mais radicalmente, a nossa relação pessoal com Ele. Ter fé não significa ter Deus na mão e tê-lo à nossa disposição. Quando afirmamos “Creio em um só Deus” não estamos a afirmar que conhecemos tudo sobre Deus. Estamos a manifestar a nossa adesão pessoal ao Deus bíblico plenamente revelado em Jesus Cristo. Acreditar, não significa saber tudo sobre Deus. Tudo o que dissemos sobre Deus será sempre uma imagem imperfeita da perfeição divina. Por isso, mais do que elaborar tentativas para dizer quem é Deus, o crente acolhe, pela fé, a existência de Deus e aprende, como Abraão, a descobrir a presença de Deus nos acontecimentos da vida. A fé permite-nos abrir a nossa vida à presença de Deus. O crente deixa-se visitar por Deus e aceita o convite para mergulhar na profundidade do mistério divino. Ora, como diz Tertuliano: «O ser supremo tem necessariamente de ser único, isto é, sem igual. […] Se Deus não é único, não é Deus». O Catecismo da Igreja Católica apresenta as consequências da fé em Deus único: reconhecer a grandeza e a majestade de Deus; viver em acção de graças; reconhecer a dignidade de todos os seres humanos; fazer bom uso da Criação, das coisas criadas; ter confiança em Deus, em todas as circunstâncias. E conclui com a oração de Santa Teresa de Jesus: “Nada te perturbe, nada te atemorize. Tudo passa, Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem a Deus tem nada lhe falta. Só Deus basta”.

Portanto, o cristão acredita num só Deus em três pessoas (Pai, Filho, Espírito Santo). O cristão não adora três deuses diferentes, mas um único Ser que desabrocha em três, permanecendo, contudo, um. Que Deus seja trinitário sabemo-lo por Jesus Cristo: Ele, o Filho, fala do seu Pai que está no Céu: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10, 30). Ele ora ao Pai e concede-nos o Espírito Santo, que é o amor do Pai e do Filho.

O ser humano, somente através da razão, não consegue deduzir que Deus é uno e trino. Ele reconhece, todavia a razoabilidade deste mistério ao aceitar a Revelação de Deus em Jesus Cristo

Depois de ter descoberto que existe um Deus, tornou-se-me impossível não viver só para Ele (Beato Charles de Foucauld).

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Solenidade de São João da Cruz

Catequese de Bento XVI sobre São João da Cruz

Há duas semanas apresentei a figura da grande mística espanhola Teresa de Jesus. Hoje gostaria de falar de outro importante santo daquelas terras, amigo espiritual de santa Teresa, reformador com ela da família religiosa carmelita: São João da Cruz, proclamado Doutor da Igreja pelo Papa Pio XI em 1926, e chamado na tradição Doctor mysticus, «Doutor místico».

João da Cruz nasceu em 1542 no povoado de Fontiveros, perto de Ávila, na Velha Castela, de Gonzalo de Yepes e Catalina Alvarez. A família era extremamente pobre porque o pai, de nobre origem de Toledo, tinha sido expulso de casa e deserdado por ter casado com Catalina, uma humilde tecelã de seda. Órfão de pai em tenra idade, com nove anos, transferiu-se com a mãe e o irmão Francisco para Medina del Campo, perto de Valladolid, centro comercial e cultural. Ali frequentou o Colegio de los Doctrinos, desempenhando também alguns trabalhos humildes para as irmãs da igreja-convento da Madalena. Em seguida, considerando as suas qualidades humanas e os seus resultados nos estudos, foi admitido primeiro como enfermeiro no Hospital da Conceição, depois no Colégio dos Jesuítas, recém-fundado em Medina del Campo: ali João entrou com dezoito anos e estudou ciências humanas, retórica e línguas clássicas durante três anos. No final da formação, ele viu claramente qual era a sua vocação: a vida religiosa e, entre as muitas ordens presentes em Medina, sentiu-se chamado ao Carmelo.

No Verão de 1563 começou o noviciado com os Carmelitas da cidade, assumindo o nome religioso de João de São Matias. No ano seguinte foi destinado à prestigiosa Universidade de Salamanca, onde por três anos estudou artes e filosofia. Em 1567 foi ordenado sacerdote e voltou a Medina del Campo para celebrar a sua primeira Missa circundado pelo carinho dos familiares. Precisamente ali teve lugar o primeiro encontro entre João e Teresa de Jesus. O encontro foi decisivo para ambos: Teresa expôs-lhe o seu plano de reforma do Carmelo também no ramo masculino da Ordem e propôs a João que se adaptasse «para maior glória de Deus»; o jovem sacerdote ficou fascinado pelas ideias de Teresa, a ponto de se tornar um grande defensor do projecto. Os dois trabalharam juntos alguns meses, compartilhando ideais e propostas para inaugurar quanto antes possível a primeira casa de Carmelitas Descalços: a abertura ocorreu a 28 de Dezembro de 1568 em Duruelo, lugar solitário da província de Ávila. Com João formavam esta primeira comunidade masculina reformada outros três companheiros. Ao renovar a sua profissão religiosa segundo a Regra primitiva, os quatro assumiram um novo nome: Então, João denominou-se «da Cruz», como depois será conhecido universalmente. No final de 1572, a pedido de santa Teresa, tornou-se confessor e vigário do mosteiro da Encarnação em Ávila, onde a santa era priora. Foram anos de estreita colaboração e amizade espiritual, que a ambos enriqueceram. A esse período remontam inclusive as mais importantes obras teresianas e os primeiros escritos de João.

A adesão à reforma carmelita não foi fácil, e causou a João também graves sofrimentos. O episódio mais traumático foi, em 1577, o seu rapto e aprisionamento no convento dos Carmelitas de Antiga Observância de Toledo, devido a uma acusação injusta. O santo permaneceu preso durante meses, submetido a privações e constrições físicas e morais. Ali compôs, além de outras poesias, o célebre Cântico espiritual. Finalmente, na noite entre 16 e 17 de Agosto de 1578, conseguiu fugir de modo aventuroso, refugiando-se no mosteiro das Carmelitas Descalças da cidade. Santa Teresa e os companheiros reformados celebraram com imensa alegria a sua libertação e, após um breve período de recuperação das forças, João foi destinado para a Andaluzia, onde transcorreu dez anos em vários conventos, especialmente em Granada. Assumiu cargos cada vez mais importantes na Ordem, até se tornar Vigário provincial, e completou a redacção dos seus tratados espirituais. Depois, voltou para a sua terra natal, como membro do governo geral da família religiosa teresiana, que já gozava de plena autonomia jurídica. Habitou no Carmelo de Segóvia, desempenhando a função de superior daquela comunidade. Em 1591 foi eximido de qualquer responsabilidade e destinado à nova Província religiosa do México. Enquanto se preparava para a longa viagem com outros dez companheiros, retirou-se num convento solitário perto de Jaén, onde adoeceu gravemente. João enfrentou com serenidade e paciência exemplares enormes sofrimentos. Faleceu na noite entre 13 e 14 de Dezembro de 1591, enquanto os irmãos de hábito recitavam o Ofício matutino. Despediu-se deles, dizendo: «Hoje vou cantar o Ofício no Céu». Os seus restos mortais foram trasladados para Segóvia. Foi beatificado por Clemente X em 1675 e canonizado por Bento XIII em 1726.

João é considerado um dos mais importantes poetas líricos da literatura espanhola. As obras principais são quatro: Subida ao Monte Carmelo, Noite obscura, Cântico espiritual e Chama de amor viva.

No Cântico espiritual, São João apresenta o caminho de purificação da alma, ou seja, a posse progressiva e jubilosa de Deus, até que a alma chegue a sentir que ama a Deus com o mesmo amor com que é por Ele amada. A Chama de amor viva continua nesta perspectiva, descrevendo mais pormenorizadamente o estado de união transformadora com Deus. A comparação utilizada por João é sempre a do fogo: assim como o fogo, quanto mais arde e consome a madeira, tanto mais se torna incandescente até se tornar chama, também o Espírito Santo, que durante a noite obscura purifica e «limpa» a alma, com o tempo ilumina-a e aquece-a como se fosse uma chama. A vida da alma é uma festa contínua do Espírito Santo, que deixa entrever a glória da união com Deus na eternidade.

A Subida ao Monte Carmelo apresenta o itinerário espiritual sob o ponto de vista da purificação progressiva da alma, necessária para escalar a montanha da perfeição cristã, simbolizada pelo cimo do Monte Carmelo. Tal purificação é proposta como um caminho que o homem empreende, colaborando com a obra divina, para libertar a alma de todo o apego ou afecto contrário à vontade de Deus. A purificação, que para alcançar a união com Deus deve ser total, começa a partir daquela da vida dos sentidos e continua com a que se alcança por meio das três virtudes teologais: fé, esperança e caridade, que purificam a intenção, a memória e a vontade. A Noite obscura descreve o aspecto «passivo», ou seja, a intervenção de Deus neste processo de «purificação» da alma. Com efeito, o esforço humano sozinho é incapaz de chegar às profundas raízes das más inclinações e hábitos da pessoa: só os pode impedir, mas não consegue erradicá-los completamente. Para o fazer, é necessária a acção especial de Deus, que purifica radicalmente o espírito e o dispõe para a união de amor com Ele. São João define «passiva» tal purificação, precisamente porque, embora seja aceite pela alma, é realizada pela obra misteriosa do Espírito Santo que, como chama de fogo, consome toda a impureza. Neste estado, a alma é submetida a todo o tipo de provações, como se se encontrasse numa noite obscura.

Estas indicações sobre as obras principais do santo ajudam-nos a aproximar-nos dos pontos salientes da sua vasta e profunda doutrina mística, cuja finalidade é descrever um caminho seguro para alcançar a santidade, a condição de perfeição à qual Deus chama todos nós. Segundo João da Cruz, tudo o que existe, criado por Deus, é bom. Através das criaturas, nós conseguimos chegar à descoberta daquele que nelas deixou um vestígio de Si. De qualquer modo, a fé é a única fonte confiada ao homem para conhecer Deus como Ele é em si mesmo, como Deus Uno e Trino. Tudo o que Deus queria comunicar ao homem, disse-o em Jesus Cristo, a sua Palavra que se fez carne. Jesus Cristo é o único e definitivo caminho para o Pai (cf. Jo14, 6). Qualquer coisa criada nada é em comparação com Deus, e nada vale fora dele: por conseguinte, para alcançar o amor perfeito de Deus, todos os outros amores devem conformar-se em Cristo com o amor divino. Daqui deriva a insistência de São João da Cruz sobre a necessidade da purificação e do esvaziamento interior para se transformar em Deus, que é a única meta da perfeição. Esta «purificação» não consiste na simples falta física das coisas ou do seu uso; o que torna a alma pura e livre, ao contrário, é eliminar toda a dependência desordenada das coisas. Tudo deve ser inserido em Deus como centro e fim da vida. Sem dúvida, o longo e cansativo processo de purificação exige o esforço pessoal, mas o verdadeiro protagonista é Deus: tudo o que o homem pode fazer é «dispor-se», estar aberto à obra divina e não lhe pôr obstáculos. Vivendo as virtudes teologais, o homem eleva-se e valoriza o próprio compromisso. O ritmo de crescimento da fé, da esperança e da caridade caminha a par e passo com a obra de purificação e com a união progressiva com Deus, até se transformar nele. Quando alcança esta meta, a alma imerge-se na própria vida trinitária, e São João afirma que ela consegue amar a Deus com o mesmo amor com que Ele a ama, porque a ama no Espírito Santo. Eis por que motivo o Doutor místico afirma que não existe verdadeira união de amor com Deus, se não culmina na união trinitária. Neste estado supremo a alma santa conhece tudo em Deus e já não deve passar através das criaturas para chegar a Ele. A alma já se sente inundada pelo amor divino e alegra-se completamente nele.

Caros irmãos e irmãs, no fim permanece esta pergunta: com a sua mística excelsa, com este árduo caminho rumo ao cimo da perfeição, este santo tem algo a dizer também a nós, ao cristão normal que vive nas circunstâncias desta vida de hoje, ou é um exemplo, um modelo apenas para poucas almas escolhidas que podem realmente empreender este caminho da purificação, da ascese mística? Para encontrar a resposta, em primeiro lugar temos que ter presente que a vida de São João da Cruz não foi um «voar sobre as nuvens místicas», mas uma vida muito árdua, deveras prática e concreta, quer como reformador da ordem, onde encontrou muitas oposições, quer como superior provincial, quer ainda no cárcere dos seus irmãos de hábito, onde esteve exposto a insultos incríveis e a maus tratos físicos. Foi uma vida dura, mas precisamente nos meses passados na prisão, ele escreveu uma das suas obras mais bonitas. E assim podemos compreender que o caminho com Cristo, o andar com Cristo, «o Caminho», não é um peso acrescentado ao fardo já suficientemente grave da nossa vida, não é algo que tornaria ainda mais pesada esta carga, mas é algo totalmente diferente, é uma luz, uma força que nos ajuda a carregar este peso. Se um homem tem em si um grande amor, este amor quase lhe dá asas, e suporta mais facilmente todas as moléstias da vida, porque traz em si esta grande luz; esta é a fé: ser amado por Deus e deixar-se amar por Deus em Cristo Jesus. Este deixar-se amar é a luz que nos ajuda a carregar o fardo de todos os dias. E a santidade não é uma obra nossa, muito difícil, mas é precisamente esta «abertura»: abrir as janelas da nossa alma, para que a luz de Deus possa entrar, não esquecer Deus, porque é precisamente na abertura à sua luz que se encontra a força, a alegria dos remidos. Oremos ao Senhor para que nos ajude a encontrar esta santidade, deixando-nos amar por Deus, que é a vocação de todos nós e a verdadeira redenção. Obrigado!

Bento XVI

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Ano da Fé – VII

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Existe contradição entre fé e ciência natural?

Nenhuma verdade de fé faz concorrência com as verdades da ciência. Só existe uma Verdade, à qual dizem respeito tanto a fé como a razão científica. Deus quis tanto a razão, com que podemos descobrir as estruturas racionais do mundo, como a fé. Por isso, a fé cristã exige e apoia a ciência natural. A fé existe para conhecermos as coisas que, embora não possam ser abarcadas pela razão, existem todavia para além da razão e são reais. A fé lembra à ciência natural que esta não se deve colocar no lugar de Deus, mas servir a Criação. A ciência natural tem de respeitar a dignidade humana, em vez de atentar contra ela.

Entre Deus e a ciência natural não encontramos qualquer contradição. Eles não se excluem, como hoje alguns crêem e temem; eles completam-se e implicam-se mutuamente (Max Planck).

 

 

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Ano da Fé – VI

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O ser humano responde a Deus

Quem deseja crer precisa de um “coração que escuta” (1Rs 3, 9). Deus procura o contacto connosco de múltiplas formas. Em cada encontro humano, em cada experiência da Natureza que nos toca, em cada aparente acaso, em cada desafio, em cada sofrimento… Deus deixa-nos uma mensagem escondida. Ele fala-nos ainda mais claramente quando se dirige a nós pela sua Palavra ou pela voz da consciência. Ele trata-nos como amigos. Por isso, também nós, como amigos devemos corresponder-lhe, crendo e confiando totalmente n’Ele, aprendendo a conhecê-lo cada vez melhor e a aceitar sem reservas a sua vontade.

Quando a fé nasce, ocorre com frequência uma perturbação ou um desassossego. O ser humano apercebe-se de que o mundo visível e o decurso normal das coisas não correspondem a tudo o que existe. Sente-se tocado por um mistério. Persegue as pistas que o remetem para a existência de Deus e encontra-se cada vez mais confiante em abordar Deus, e, por fim, liga-se a Ele livremente. Diz-se no Evangelho segundo São João: “A Deus nunca ninguém o viu. O Filho Unigénito, que está no seio do Pai, é que o deu a conhecer” (Jo 1, 18). Portanto, temos de crer em Jesus, o Filho de Deus, se queremos saber o que Deus nos quer comunicar. Assim, crer significa aderir a Jesus e entregar a nossa vida inteira nas suas mãos.

Fé é conhecimento e confiança. Ela apresenta sete características: 1)- A fé é uma pura dádiva de Deus, que nós obtemos se intensamente a pedirmos. 2)- A fé é a força sobrenatural de que necessariamente precisamos para alcançar a salvação. 3)- A fé requer a vontade livre e a lucidez do ser humano quando ele se abandona ao convite divino. 4)- A fé é absolutamente segura porque Jesus a garante. 5)- A fé é incompleta enquanto não se tornar operante no amor. 6)- A fé cresce na medida em que escutamos cada vez melhor a Palavra de Deus e permanecemos com Ele, na oração, em vivo intercâmbio. 7)- A fé permite-nos já a experiência do alegre antegozo do Céu.

É importante aquilo em que cremos, mas mais importante ainda é Aquele em quem cremos (Bento XVI).

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Ano da Fé – V

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O livro da revelação divina: a Bíblia (II)

A Bíblia não caiu do céu feita, nem Deus a ditou a autómatos, isto é, escritores inconscientes. Antes, «para escrever os livros sagrados, Deus escolheu e serviu-Se de pessoas na posse das suas faculdades e capacidades, para que, agindo Ele neles e por eles, pusessem por escrito, como verdadeiros autores, tudo aquilo e só aquilo que Ele queria» (Dei Verbum, 11). Para que determinados textos fossem reconhecidos como Escritura Sagrada, tiveram de ser aceites pela Igreja universal. Teve de existir, portanto, um consenso nas comunidades: «Sim, é o próprio Deus que nos fala por este texto, isto é mesmo inspirado pelo Espírito Santo».

Como pode a Sagrada Escritura ser “Verdade”, se nem tudo o que nela se encontra está correcto? A Bíblia não transmite precisão histórica nem conhecimentos científico-naturais. Também os autores eram filhos do seu tempo. Eles partilhavam as concepções culturais do seu ambiente, em cujos erros, por vezes, estavam presos. Não obstante, tudo o que o ser humano precisa de saber sobre Deus e sobre o caminho da sua redenção encontra-se com infalível segurança na Sagrada Escritura. A Bíblia é como uma longa carta de Deus dirigida a cada um de nós. Por isso, temos de acolher as Sagradas Escrituras com grande amor e respeito. Primeiro, devemos realmente ler a carta de Deus, isto é, não isolar pormenores sem atender ao todo. Depois, devemos orientar esse todo para o seu coração e mistério, ou seja, para Jesus Cristo, de quem fala toda a Bíblia, mesmo o Antigo Testamento. Portanto, devemos ler as Sagradas Escrituras na mesma fé viva da Igreja em que elas surgiram.

A Bíblia divide-se em duas grandes partes: Antigo Testamento, composto de 46 livros, e Novo Testamento composto de 27 livros.

A Bíblia é a carta do amor de Deus dirigida a nós (Sören Kierkegaard).

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