Santa Maria Madalena de’ Pazzi e a Palavra de Deus

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Quando aos 14 anos de idade S. Maria Madalena quis enriquecer o seu método de oração, que lhe fora ensinado aos 9 anos pelo Padre jesuíta André Rossi – pôr-se de joelhos, invocar o Espírito Santo, fazer o exame de consciência e rezar a confissão, para em seguida meditar sobre a paixão de Cristo, deixando ela “que fosse Deus a agir, dando-lhe, por sua misericórdia, o que Lhe agradava” (I, 73) –, passou também a meditar o Evangelho dos domingos e principais festas litúrgicas da Igreja, que preparava com a ajuda dalgum dos excelentes comentários que então circulavam em italiano, e meditava recorrendo a um método original. Na véspera do domingo anterior, pegava no Evangelho do domingo seguinte e dividia-o em sete partes, meditando, depois, cada uma delas num dia da semana, dividindo, por sua vez, cada uma dessas porções em três pontos, segundo o estilo inaciano, para depois o meditar, palavra após palavra, numa oração que se podia estender por diversas horas.

Nessa oração procurava apropriar-se sapiencialmente do texto bíblico, considerando cada uma das suas palavras, repetindo-a e ruminando-a, para o saborear “com pureza de coração, vazia de si mesma e do seu amor próprio” (VII, 309), de modo a dele se imbuir, com fé, esperança, amor e afeto, abrindo-se a todo o mistério da salvação e à revelação dos segredos divinos, “pois o poder de Deus (o Evangelho: Rm 1,16) é como uma pinha, repleta de pinhões, que é preciso lançar no fogo do amor divino, para poder partir a casca com a faca da Palavra de Deus, de modo a dela retirar o seu fruto tão suave e nutritivo” (III, 179s), o amor de Deus, que nos é comunicado pelo Espírito Santo, “refrigério, deleite e alimento das nossas almas”, a quem pede: “Vem e tira de mim tudo o que é meu e infunde em mim só o que é teu” (VI, 194), para só dele viver, a Ele se unindo e nele se transformando por amor.

Sem o saber, ela aprendeu a fazer uma autêntica lectio divina, que informará toda a sua vida carmelita e experiência mística, levando-a a apropriar-se de tal modo da Sagrada Escritura que será capaz de repetir de cor extensos textos da Vulgata em latim durante os êxtases em que falava. Assim a Palavra encarnava nela, fazendo dela uma profeta, como indica a Regra carmelita: “A espada do Espírito, que é a Palavra de Deus, habite com abundância na vossa boca e nos vossos corações. E tudo o que tiverdes de fazer, seja feito na Palavra do Senhor”. Por isso, pede ao Espírito Santo: “Venha aquele que, descendo, fez encarnar em Maria o Verbo e faça em nós pela graça o que nela fez pela graça e pela natureza” (VI, 194). Ao invés de S. Teresa de Ávila, teve a sorte de ter sempre acesso à Sagrada Escritura, que então circulava livremente, primeiro em vernáculo, depois em latim; e quando, à imagem do que acontecera em Espanha, em 1559, também quiseram impedir a sua leitura aos não-clérigo em Itália, escreve ao Papa Sisto V a pedir-lhe que, “não seja avaro e não deixe, por misericórdia, nem queira que fechem a fonte da piedade do Verbo humanado, isto é, o Santíssimo Sacramento e a sua Palavra”, para que estes possam ser dados “aos seus súbditos e ministros e estes também os possam dispensar com liberalidade aos outros”, pois deles é que deve partir a reforma da Igreja (VII, 64).

Pedro Bravo, O. Carm.

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