Livres e disponíveis para a missão
O texto da missão dos Doze (Mc 6, 7-13), lido na Eucaristia deste Domingo, “é um eco e uma ampliação da atividade de Jesus” (Rinaldo Fabris). E não admira, porque, segundo um antigo provérbio rabínico, “o enviado é como se fosse aquele que o envia”. Marcos apresenta o perfil do discípulo e os requisitos essenciais do enviado: livre e disponível para a missão que o Mestre lhe confia. Não se tratando de um “manual do missionário”, o texto sugere uma espécie de lista de procedimentos e deveres de quem é enviado, em sete momentos.
1. “Jesus chamou os Doze”. Na raiz de qualquer vocação, está a graça e a iniciativa divinas. É Deus quem chama! É certo que podemos recusar (a graça divina não anula a liberdade humana), mas, a acontecer, viveríamos fechados no nosso pequeno mundo, superficial e banal. A missão exige que se deixe tudo e se entre numa aventura tecida de liberdade, disponibilidade, generosidade e doação.
2. “Começou a enviá-los dois a dois”. O facto não apenas evoca a exigência oriental de uma verdade ser comunicada por duas testemunhas (Dt 19, 15; Mt 18, 16), mas também a necessidade da ajuda fraterna e do apoio mútuo. Trata-se de uma “equipa missionária”, segundo o costume judaico (Lc 7, 18; Jo 1, 37) e da Igreja Primitiva (At 13, 2; 15, 39.40). O enviado não só conta com a presença e a proteção de Deus, como também com a ajuda daquele que é consigo enviado.
3. “Deu-lhes poder sobre os espíritos impuros”, um tema que é retomado na frase final: “Expulsavam muitos demónios”. A missão é uma luta constante contra o mal e as suas forças; a vida cristã é, por isso, uma tensão e uma escolha, porque mergulhada num mundo por vezes violento, injusto e arrogante. É o próprio Jesus quem o confirma, quando adverte: “Envio-vos como ovelhas para o meio dos lobos” (Mt 10, 16).
4. “Ordenou-lhes que nada levassem para o caminho”. Consciente da humana tentação de posse e de não ser possível servir a Deus e ao dinheiro (Lc 16, 13), Jesus enumera o que não deviam levar: “nem pão, nem saco, nem moedas na cintura (…). Não leveis duas túnicas”. A pobreza, a simplicidade e o desprendimento são qualidades que dão autenticidade ao discípulo e possibilitam o bom desempenho da sua missão.
5. “Quando entrardes em alguma casa, ficai nela até partirdes dali”. É clara a alusão à hospitalidade que é devida aos discípulos, quando enviados, e que Jesus recomenda à sua comunidade: “Quem vos acolhe, a mim acolhe” (Mt 10, 40). Tal como os rabinos, também os missionários vivem da generosidade e da hospitalidade daqueles a quem levam a mensagem. Face à possibilidade do fracasso e da rejeição (hostilidade), o discípulo deve permanecer sereno e seguir por diante, sacudindo o pó dos pés, um gesto que, no mundo judaico, significa o corte da relação. Os judeus praticavam este gesto quando, de um território pagão, regressavam à sua terra. Ao não aceitarem o Evangelho proclamado, os judeus são considerados pagãos e ficam fora do horizonte da salvação.
6. “Os Apóstolos partiram e pregaram o arrependimento”. Convém recordar que “arrependei-vos e acreditai no Evangelho” (Mc 1, 15) foi a primeira mensagem de Jesus. O arrependimento ou conversão (shwb) é, no sentido hebraico, um voltar ao lugar de onde alguém se desviou e, no sentido grego (metánoia), uma “mudança de mente”, com tudo o que isso significa: opção por um novo modo de pensar e sentir, por um novo caminho, mudança de vida.
7. “Ungiram com óleo (azeite) muitos doentes e curaram-nos”. O azeite era um fármaco bem conhecido e usado na medicina antiga. Aqui, “é sinal de sustento e conforto oferecido por Deus ao corpo doente e talvez antecipe a declaração de Tiago: ‘Quem está doente chame os presbíteros da Igreja para que rezem sobre ele, depois de o terem ungido com óleo, em nome do Senhor’ (5, 14)” (G. Ravasi).
O setenário em causa contém a fisionomia do discípulo de Cristo, na sua condição de enviado (apóstolo): a graça da vocação, a missão, a luta contra o mal, a pobreza ou desprendimento, a hospitalidade, a conversão e o amor. Para além de proposta de vida para todo e qualquer crente, este setenário também pode ser um guião para o exame de consciência que qualquer discípulo e apóstolo de Jesus Cristo é chamado a fazer com regularidade, no sentido de permanecer livre e disponível para a missão.
P. João Alberto Correia