7. Tudo está consumado (Jo 19, 29-35)
Havia ali uma vasilha cheia de vinagre. Então, ensopando no vinagre uma esponja fixada num ramo de hissopo, chegaram-lha à boca. Quando tomou o vinagre, Jesus disse: Tudo está consumado. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito. Como era o dia da Preparação da Páscoa, para evitar que no sábado ficassem os corpos na cruz, porque aquele sábado era um dia muito solene, os judeus pediram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas e fossem retirados. Os soldados foram e quebraram as pernas ao primeiro e também ao outro que tinha sido crucificado juntamente. Mas, ao chegarem a Jesus, vendo que já estava morto, não lhe quebraram as pernas. Porém, um dos soldados traspassou-lhe o peito com uma lança e logo brotou sangue e água. Aquele que viu estas coisas é que dá testemunho delas e o seu testemunho é verdadeiro. E ele bem sabe que diz a verdade, para vós crerdes também.
O evangelista João, depois de parar em contemplação diante da morte de Jesus, continua revelando o sinal que cumpre as Escrituras e o projeto de Deus solenemente prometido pela sede de Jesus. É algo de tão importante que João faz dessa contemplação o ponto de chegada de todo o Evangelho: o dom do Espírito que jorra do peito trespassado de Jesus na cruz.
Os soldados partiram as pernas aos que tinham sido crucificados com Jesus, para que morressem de sufocação, não podendo apoiar-se nos pés para respirar. Chegando a Jesus, não se deram a esse trabalho, pois viram que estava já morto, mas trespassam-lhe o peito, e saiu sangue e água. O sangue é o sinal da vida, da vida levada até à morte violenta. Era por isso que João tinha explicado o modo de agir de Jesus, no início da narração da paixão: Tendo amado os seus que estavam no mundo, levou até ao extremo o seu amor por eles (Jo 13,1). A água é a promessa feita por Jesus ao longo do Evangelho, o dom do Espírito. A humanidade de Jesus, como expressão total do amor (o sangue) e o dom do Espírito do Pai (a água prometida) são o coroamento da missão de Jesus nesta terra, que introduzem na humanidade um novo dinamismo. A criação prodigiosa do homem, atinge uma nova dimensão ao participar do Espírito, da vida de Deus.
É à luz deste sinal que S. João anuncia o valor recriador e salvador da morte de Jesus: sem o dom do Espírito, fruto da morte e ressurreição de Jesus, a sua missão poderia ser notável, mas não traria bem substancialmente novo à humanidade. É o Espírito de Deus que nos permite viver realizando o projeto de Jesus de anunciar a Boa nova aos pobres, de dar vista aos cegos de libertar os prisioneiros e anunciar a misericórdia de Deus. É igualmente esse Espírito que nos liberta definitivamente das nossas limitações e fragilidades, fazendo-nos participar da morte e ressurreição de Jesus. É pelo Espírito que a morte de Jesus é verdadeiramente salvadora e radicalmente libertadora.
Aos pés da cruz, acolhemos este Espírito que brota do Coração aberto de Jesus, expressão do seu amor humano levado até ao dom da vida, manifestação do amor fiel de Deus que nunca deixa nenhum dos seus filhos cair no aniquilamento da morte.
Esta é a fé, a vida e a esperança que hoje professamos e anunciamos aos pés da cruz do Senhor.
“As sete palavras de Jesus na cruz”, publicadas ao longo de sete dias por “Caminhos Carmelitas”, fazem parte da Homilia pronunciada por D. José Ornelas, Bispo de Setúbal, na Celebração da Paixão do Senhor, em 10 de Abril de 2020.