As sete palavras de Jesus na cruz – 1

1. Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste? (Mc 15,33-36)

Ao chegar o meio-dia, fez-se trevas por toda a terra, até às três da tarde. E às três da tarde, Jesus exclamou em alta voz: «Eloí, Eloí, lemá sabachtáni?», que quer dizer: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste? Ao ouvi-lo, alguns que estavam ali disseram: «Está a chamar por Elias!» Um deles correu a embeber uma esponja em vinagre, pô-la numa cana e deu-lhe de beber, dizendo: «Esperemos, a ver se Elias vem tirá-lo dali.»

Esta exclamação de Jesus crucificado mostra, antes de mais, como Ele desceu realmente à condição humana, em todas as suas potencialidades e capacidades, mas igualmente à sua dramaticidade, dor e limitação. Confrontado com a oposição, a violência, a injustiça, a dor e a perspetiva da morte, Ele permanece fiel ao projeto do Pai do céu e do seu desígnio de criação de um mundo mais humano e aberto à plenitude da vida.

Na hora da crise, da violência, da morte, Jesus sente a angústia de qualquer ser humano, não só perante a morte física, mas igualmente perante o aparente desmoronar dos seus projetos. Ele sente a experiência do “abandono de Deus”, que contradiz a própria relação com Ele.

Mas não vive esta hora em oposição com Deus, mas rezando. As suas palavras são o início de um salmo – oração dos aflitos (Sl 22) – que começa com um doloroso lamento perante o que aparece como o abandono de Deus e termina com louvor perante a salvação que Ele concede aos que nele confiam.

Esta atitude orante – isto é, de ligação e comunhão com Deus – não aparece apenas aqui. Esteve presente ao longo da sua vida: no início da sua missão, no deserto, nas noites e manhãs em que se retirava, quando tinha de tomar decisões, no Jardim das Oliveiras, na horas das crises. Jesus viveu sempre em comunhão com o Pai e, nesta hora solene e dramática, essa relação faz-se mais forte.

Mas a oração de Jesus na cruz significa mais do que isso. Ele reza a oração do seu povo, com o seu povo, com toda a humanidade e pela humanidade à qual se tinha unido. O seu grito ao Pai é o grito da humanidade inteira. Ele sente bem a angústia dos homens: a fome das multidões, a sede de vida dos enfermos, dos pobres e injustiçados, a exclusão dos pecadores e dos que pensam diferente, as vítimas das opressões e os frustrados das revoltas violentas… Tudo isso se encontra neste grito de Jesus, na cruz de Jesus.

Este é também o grito da humanidade crente, o grito de nós todos, também nesta pandemia que atinge a humanidade: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?” Não é um grito contra Deus, mas dirigido a Deus na dor e, por vezes, na difícil compreensão dos seus caminhos. No fundo um grito de sede e de confiança, para entender e aceitar o porquê de tudo isto e a meta aonde o caminho da vida nos leva.

A dor pode ter este efeito: reconhecer a própria limitação e levantar os olhos ao céu à procura de luz, de força, de caminho.