Domingos de Ramos e a narrativa da Paixão do evangelista Marcos

Termos da Paixão, em Marcos

Nas celebrações do próximo Domingo (Domingo de Ramos), vai ser lida a narrativa da Paixão do evangelista Marcos (14, 1 – 15, 47). Porque usa termos cuja compreensão requer alguma explicitação, propomo-nos apresentar o seu significado, de forma sumária.

Começa por, em 14, 1, falar da Festa da Páscoa e dos Ázimos. O termo “Páscoa” indica, no Antigo Testamento, a ceia do cordeiro (comer a Páscoa [v. 12] significa, por isso, “comer o cordeiro pascal”), comemorativa da libertação do Egito (êxodo). Acontecia no dia 14 do mês de Nisan, após o equinócio da Primavera. Na pastorícia, era a festa que assinalava a passagem dos rebanhos das pastagens de inverno para as de verão (transumância). A Festa dos Ázimos (de origem grega, o termo “ázimo” significa “sem fermento”) começava no dia a seguir à Páscoa (15 de Nisan). Durante sete dias, comia-se o pão não fermentado, como memorial da saída do Egito (cf. Ex 12, 15-20). Na agricultura, era a festa que assinalava a novidade das colheitas. Em época incerta, esta festa foi associada à Páscoa, de tal modo que se tornaram, na prática, uma festa única (cf. Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas, XVII, 93).

Um pouco mais adiante, em 14, 32, a narrativa fala-nos do Getsémani (o termo significa “lagar de azeite”), nome de uma propriedade situada no Monte das Oliveiras, a leste de Jerusalém, ainda que de localização incerta.

Depois de, em 14, 33, ter falado de “sumo sacerdotes, doutores da Lei e anciãos”, no v. 35, refere o nome da instituição por eles formada, o Sinédrio, uma espécie de tribunal judaico, chamado a intervir nas questões religiosas, mas sem poder para condenar, pois só os romanos o podiam fazer.

Estando Jesus perante o tribunal romano e sendo costume Pilatos soltar-lhes um preso por altura da festa, a decisão da multidão recai sobre Barrabás (15, 7.11), um nome aramaico que significa “filho (bar) do pai (abbá)”. A ironia é forte: Pilatos solta Barrabás, que fora “preso com os insurretos que tinham cometido um assassínio durante a revolta” (v. 7), e condena Jesus, o verdadeiro filho do Pai. Tal diz bem da falsidade e dos equívocos que presidiram ao processo que dita a condenação de Jesus.

A cena agora referida ocorreu no Pretório (15, 16), palavra de origem latina que significa, no âmbito militar, a sede do pretor e, aqui, o lugar onde Pilatos ordenou a condenação de Jesus. Apesar da incerteza, a sua localização oscila entre a Torre Antónia e o palácio de Herodes, ambos em Jerusalém.

Depois de Pilatos ter decidido crucificar Jesus (15, 15), a narrativa fala da cruz (v. 21). Era usada em muitas culturas antigas como ornamento, mas os egípcios viam-na como símbolo da vida. Por influência persa, os romanos adotaram-na para instrumento de suplício.

O caminho da Paixão termina no Gólgota (15, 22), termo que, em latim, se diz calvarium e significa “caveira/crânio”. Trata-se de uma pequena elevação de terreno rochoso fora das muralhas de Jerusalém, mas a poucos metros da cidade. O nome pode advir-lhe da sua configuração (em forma de crânio) ou do facto de aí haver muitos túmulos.

O vinagre dado a Jesus, numa esponja (15, 36), será um vinho acidulado ou uma mistura de água e vinagre, o refrigerante dos soldados. Tendo em conta que a Paixão de Jesus é relida em chave vetero-testamentária, Marcos evoca Sl 69, 22: “Deram-me fel, em vez de comida, e vinagre, quando tive sede”.

Quase a terminar, a narrativa fala da Preparação e esclarece que se tratava da “véspera do sábado” (15, 42). Assim se designava o início da tarde de sexta, em que se preparava a celebração do sábado e, neste caso, da própria Páscoa (cf. Jo 19, 31.42).

Para concluir, a narrativa refere a presença de um centurião (15, 44.45). Trata-se do chefe romano de um conjunto de cem soldados (centurium, em latim).

Partindo do pressuposto de que conhecer mais ajuda a viver melhor, esperamos, deste modo, contribuir para uma melhor vivência do Domingo de Ramos e da Semana da Paixão.

Pe. João Alberto Correia