Ainda há pouco estávamos a viver com uma confiança imensa no poder cientifico-técnico, no poder económico-financeiro, pensando que estaríamos, porventura, imunes a qualquer epidemia ou, se ela viesse, logo se encontraria uma solução rápida. Mas, inesperadamente, um vírus imprevisível, invisível, silencioso, capaz de contagiar tudo e todos, põe o mundo inteiro a vacilar. Sentimos o chão a fugir-nos debaixo dos pés.
É uma situação dramática e trágica, sem precedentes, que nos convida a reflectir sobre a vida e, em primeiro lugar, a ir ao essencial, que muitas vezes esquecemos quando a vida corre bem. Põe a nu e revela a vulnerabilidade e a fragilidade da nossa condição humana. Às vezes, parecemos tão tremendamente fortes e somos tão tremendamente frágeis e vulneráveis. Leva-nos a pensar sobre o sentido da vida (para quê vivo? para quem vivo?) e sobre a possibilidade e a realidade da morte, da nossa própria morte e da dos entes queridos. Obriga-nos a repensar os nossos hábitos, o nosso estilo de vida, a escala de valores que orienta a nossa vida. Não se pode viver só para produzir e para consumir, para ter e para aparecer. Coloca-nos perante o grande mistério último da vida e da humanidade que nós, os crentes, chamamos Deus, e nós, os cristãos, chamamos o Deus de Jesus Cristo.
Tudo isto, irmãos e irmãs, exige uma reflexão interior, espiritual e também a abertura do nosso coração a Deus, tão esquecido, ignorado, marginalizado.
A pandemia é um chamamento à conversão espiritual mais em profundidade. Um chamamento aos fiéis cristãos, mas também a todos os homens, que permanecem criaturas de Deus. Uma vida melhor na nossa casa comum, em paz com as criaturas, com os outros e com Deus, uma vida rica de sentido requer conversão! Perguntemo-nos, pois, se temos tempo para Deus, se lhe damos o lugar que Ele merece no nosso coração e na nossa vida.
Querida Mãe, queremos agradecer-te esta peregrinação interior, a luz, a esperança, a consolação e a paz de Cristo que levas às nossas casas e aos nossos corações. Hoje fazes tu o caminho da ida; o caminho da volta fá-lo-emos nós, quando superarmos esta ameaça que no-lo impede. Voltaremos, sim, voltaremos! É a nossa confiança e nosso compromisso, hoje. Voltaremos juntos aqui, em acção de graças, para te cantar: “aqui vimos, mãe querida, consagrar-te o nosso amor”
D. António Marto, Excertos da Homilia da Eucaristia da Peregrinação de 13 de Maio, 2020