Jesus, lembra-te de mim quando vieres com a tua realeza (Lc 23, 42)
No centro do Evangelho deste Domingo em que celebramos a “Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo”, está a escrita colocada sobre a cabeça de Jesus crucificado: “Este é o rei dos judeus”. Que estranha a realeza de Cristo!… É exactamente o contrário do que os homens estão habituados a imaginar. A inscrição colocada na cruz proclama “Rei dos Judeus” um homem derrotado, incapaz de se defender, privado de qualquer poder. Um rei assim deita por terra todos os nossos projectos.
Jesus não veio para dominar sobre os povos e territórios, mas para libertar os homens da escravidão do pecado e reconciliá-los com Deus. O “poder” de Jesus Cristo Rei não é o dos reis e dos grandes deste mundo; “é o poder divino de dar a vida eterna, de libertar do mal, de derrotar o domínio da morte. É o poder do Amor, que do mal sabe obter o bem, enternecer um coração endurecido, levar paz ao conflito mais áspero, acender a esperança na escuridão mais cerrada” (Bento XVI).
Ao pé da cruz encontram-se uma série de pessoas desiludidas: o povo, os chefes, os soldados, dois malfeitores. Todos estão desiludidos menos um dos malfeitores. Este é o único que reconhece em Jesus o rei esperado: “Jesus, lembra-te de mim quando vieres com a tua realeza”. E Jesus promete-lhe: “Hoje estarás comigo no Paraíso”. A história deste homem é a história de cada um de nós. Quem de nós nunca se comportou como um malfeitor, não estragou a vida de um irmão, não provocou pequenos ou grandes desastres na sociedade, na família, na comunidade cristã? Mas não estamos sós. Jesus não nos abandona mesmo quando caímos no abismo das malfeitorias que praticamos.
Vale a pena, neste momento, a propósito do “bom ladrão”, dar a palavra a um dos grandes pregadores dos primeiros séculos cristãos, São João Crisóstomo (349-407). Disse ele: “Este ladrão roubou o paraíso. Ninguém antes dele ouviu uma promessa semelhante: nem Abraão nem Isaac nem Jacob nem Moisés nem os profetas nem os apóstolos. O ladrão entrou à frente deles todos. Mas também a sua fé ultrapassou a deles. Ele viu Jesus atormentado, e adorou-o como se estivesse na glória. Viu-o pregado a uma cruz, e suplicou-lhe como se o tivesse visto no trono. Viu-o condenado, e pediu-lhe uma graça como se faz a um rei. Ó admirável malfeitor! Viste um homem crucificado, e proclamaste-o Deus!”.
A Solenidade que celebramos neste Domingo convida-nos a repensar a nossa existência e os nossos valores. Diante deste “rei” despojado de tudo e pregado numa cruz, não nos parecem completamente ridículas as nossas pretensões de honras, de glórias, de títulos, de aplausos, de reconhecimentos? Diante deste “rei” que dá a vida por amor, não nos parecem completamente sem sentido as nossas manias de grandeza, as lutas para conseguirmos mais poder, as invejas mesquinhas, as rivalidades que nos magoam e separam dos irmãos? Diante deste “rei” que se dá sem guardar nada para si, não nos sentimos convidados a fazer da vida um dom?