O publicano desceu justificado para sua casa e o fariseu não (Lc 18, 14)
Neste Domingo a Palavra de Deus ajuda-nos a rezar por meio de três personagens: na parábola contada por Jesus rezam o fariseu e o publicano e, na primeira leitura, fala-se da oração do pobre. Na sua oração, o fariseu vangloria-se porque cumpre do melhor modo possível os preceitos particulares, mas esquece o maior: amar a Deus e ao próximo. Transbordando confiança em si próprio, na sua capacidade de observar os mandamentos, nos seus méritos e virtudes, o fariseu aparece centrado apenas em si mesmo. O drama desse homem é que vive sem amor. Mas, sem amor, até as melhores coisas nada são, como diz São Paulo. E sem amor, qual é o resultado? No fim das contas, em vez de rezar, elogia-se a si mesmo. De facto, não pede nada ao Senhor, porque não se sente necessitado nem em dívida, mas com crédito. Está no templo de Deus, mas pratica outra religião, “a religião do eu”. Muitos grupos “ilustres”, “cristãos católicos”, vão por esta estrada.
E além de Deus, o fariseu esquece o próximo, despreza-o, ou seja, não lhe dá valor. Considera-se melhor do que os outros. Quanta superioridade presumida, que se transforma em opressão e exploração, ainda hoje!
Rezemos pedindo a graça de não nos considerarmos superiores, não nos julgarmos íntegros, nem nos tornarmos cínicos e escarnecedores. Peçamos a Jesus que nos cure de criticar e queixar dos outros, de desprezar seja quem for: são coisas que desagradam a Deus.
A oração do publicano ajuda-nos a compreender o que é agradável a Deus. Ele não começa pelas suas virtudes, mas pelas suas faltas; não pela riqueza, mas pela sua pobreza: não uma pobreza económica, os publicanos eram ricos, mas uma pobreza de vida, porque no pecado nunca se vive bem. Aquele homem reconhece-se pobre diante de Deus, e o Senhor ouve a sua oração, feita apenas de sete palavras, mas de atitudes verdadeiras. De facto, enquanto o fariseu estava à frente, de pé, o publicano mantém-se à distância e “nem sequer ousava levantar os olhos ao céu”, porque crê que o Céu está ali e é grande, enquanto ele se sente pequeno. E “batia no peito”, porque no peito está o coração. A sua oração nasce do coração, é transparente: coloca diante de Deus o coração, não as aparências. Rezar é deixar-se olhar dentro por Deus sem simulações, sem desculpas, nem justificações. Do publicano aprendemos a considerar-nos, todos, necessitados de salvação. É o primeiro passo da religião de Deus, que é misericórdia com quem se reconhece miserável. Considerar-se justo é deixar Deus, o único justo, fora de casa.
Se olharmos com sinceridade para dentro de nós, vemos os dois em nós: o publicano e o fariseu. Somos um pouco publicanos, porque pecadores, e um pouco fariseus, porque presunçosos, capazes de nos sentirmos justos, campeões na arte de nos justificarmos! Isto, com os outros, muitas vezes dá certo; mas, com Deus, não. Peçamos a Deus a graça de nos sentirmos necessitados de misericórdia, pobres intimamente. Por isso, faz-nos bem frequentar os pobres, para nos lembrarmos que somos pobres, para nos recordarmos de que a salvação de Deus só age num clima de pobreza interior.
O Livro do Eclesiástico fala que a oração do pobre “atravessa as nuvens”. Enquanto a oração de quem se considera justo fica por terra, esmagada pela força de gravidade do egoísmo, a do pobre sobe, directa, até Deus. O sentido da fé do Povo de Deus viu nos pobres “os porteiros do Céu”: são eles que nos abrirão, ou não, as portas da vida eterna; eles que não se consideraram senhores nesta vida, que não se antepuseram aos outros, que tiveram só em Deus a sua própria riqueza. São ícones vivos da profecia cristã.
Devemos rezar pedindo a graça de saber ouvir o grito dos pobres: é o grito de esperança da Igreja. Assumindo nós o seu grito, temos a certeza de que a nossa oração atravessará as nuvens.
Papa Francisco, Homilia (resumo), 27 de Outubro, 2019