Caríssimos irmãos!
Saúdo-vos com alegria, vós que fostes convocados para celebrar o Capítulo Geral e, através de vós, saúdo todos os membros da Ordem Carmelita. O tema central da vossa reflexão capitular é “Vós sois minhas testemunhas (Is 43,10); de uma geração à outra: chamados a ser fiéis ao nosso carisma carmelita” (cf. Const., nº 21).
Deus abençoou o Carmelo com um carisma original para enriquecer a Igreja e para comunicar ao mundo a alegria do Evangelho, partilhando o que recebestes com entusiasmo e generosidade: “De graça recebestes, de graça dai” (Mt 10,8). Gostaria de vos encorajar acerca disto indicando-vos três linhas orientativas para o caminho.
A primeira linha é fidelidade e contemplação. A Igreja aprecia-vos e, quando pensa no Carmelo, pensa numa escola de contemplação. Como atesta uma rica tradição espiritual, a vossa missão é fecunda, na medida em que está enraizada na relação pessoal com Deus. O Beato Tito Brandsma, mártir e místico, afirmou: “É próprio da Ordem do Carmelo, embora seja uma Ordem mendicante de vida activa e que vive no meio das pessoas, conservar uma grande estima pela solidão e desapego do mundo, considerando a solidão e a contemplação como a melhor parte da sua vida espiritual”. As Constituições de 1995, que por estes dias estais a rever, sublinham-no: “A esta vocação contemplativa referem-se sempre os grandes mestres espirituais da família carmelita” (nº 17). O modo carmelita de viver a contemplação prepara-vos para servir o povo de Deus através de qualquer ministério e apostolado. O certo é que, qualquer que seja o que façais, sereis fiéis ao vosso passado e abertos ao futuro com esperança se, “vivendo em obséquio de Jesus Cristo” (Regra, nº 2), tiverdes especialmente no coração o caminho espiritual das pessoas.
A segunda linha é acompanhamento e oração. O Carmelo é sinónimo de vida interior. Os místicos e os escritores carmelitas entenderam que “estar em Deus” e “estar nas suas coisas” nem sempre coincidem. Se nos tornarmos agitados por causa de fazer mil coisas por Deus sem estar enraizados n’Ele (cfr. Lc 10,38-42), mais cedo ou mais tarde a conta é-nos apresentada: damo-nos conta de que O perdemos durante o caminho. Santa Maria Madalena de’ Pazzi, nas suas famosas cartas de Renovamento da Igreja (1586), prevê que a “tibieza” pode infiltrar-se na vida consagrada quando os conselhos evangélicos se tornam apenas uma rotina e o amor de Jesus deixa de ser o centro da vida (cf. Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho, nº 264). Do mesmo modo, também o mundanismo pode infiltrar-se, que é a tentação mais perigosa da Igreja, especialmente para nós, homens da Igreja. Sei muito bem, irmãos, que esta tentação entrou e causou sérios danos também entre vós. Rezei e rezo para que o Senhor vos ajude. E este Capítulo é uma ocasião providencial para receber do Espírito Santo a força para lutar juntos contra essas armadilhas.
Gerações de carmelitas e carmelitas ensinaram-nos com o exemplo, a viver mais “dentro” do que “fora” de nós mesmos, e a seguir para “o mais profundo centro”, como diz São João da Cruz (Chama viva de amor B, 1,11-12), porque aí habita Deus, e aí Ele nos convida a procurá-lo. O verdadeiro profeta na Igreja é aquele e aquela que vem do “deserto”, como Elias, cheio do Espírito Santo, com aquela autoridade que têm os que escutaram no silêncio a voz subtil de Deus (cf. 1 Rs 19,12).
Encorajo-vos a acompanhar as pessoas a “fazer amizade” com Deus. Santa Teresa dizia: “De falar ou ouvir falar de Deus quase nunca me cansava”. O nosso mundo tem sede de Deus e vós carmelitas, mestres de oração, podeis ajudar muitos a sair do barulho, da pressa e da aridez espiritual. Não se trata naturalmente de ensinar as pessoas a coleccionar orações, mas a serem homens e mulheres de fé, amigos de Deus, que sabem percorrer os caminhos do espírito.
Do silêncio e da oração nascerão comunidades renovadas e ministérios autênticos (cf. Const., nº 62). Como bons artesãos de fraternidade ponde a vossa confiança no Senhor vencendo a inércia do imobilismo e evitando a tentação de reduzir a comunidade religiosa a “grupos de trabalho” que acabariam por diluir os elementos fundamentais da vida religiosa. A beleza da vida comunitária é em si mesma um ponto de referência que gera serenidade, atrai o povo de Deus e contagia a alegria de Cristo Ressuscitado. O verdadeiro carmelita transmite a alegria de ver no outro um irmão que deve ser apoiado e amado e com quem se partilha a vida.
E finalmente a terceira linha: ternura e compaixão. O contemplativo tem um coração compassivo. Quando o amor enfraquece, tudo perde sabor. O amor, diligente e criativo, é bálsamo para os que estão cansados e esgotados (cf. Mt 11,28), para os que sofrem o abandono, o silêncio de Deus, o vazio da alma, o amor despedaçado. Se um dia, à nossa volta, não houver mais pessoas doentes e famintas, abandonadas e desprezadas – os menores de que fala a vossa tradição mendicante – não é porque não se encontrem aí, mas simplesmente porque não as vemos. Os pequenos (cf. Mt 25, 31-46) e os descartados (cf. A Alegria do Evangelho, nº 53) sempre os teremos (cf. Jo 12,8), a oferecer-nos uma oportunidade para que a contemplação seja uma janela aberta à beleza, à verdade e à bondade. “Quem ama a Deus deve procurá-lo nos pobres”, nos “irmãos de Jesus”, como disse o Beato Angelo Paoli, de quem ireis celebrar brevemente o terceiro centenário da sua morte. Que possais ter sempre a bondade de os procurar! A confiança absoluta do Beato Angelo Paoli na providência divina fazia-o exclamar com alegria: “Tenho uma despensa na qual nada falta!”. Que a vossa despensa transborde compaixão diante de qualquer forma de sofrimento humano!
A contemplação seria apenas qualquer coisa momentânea se se reduzisse a arroubos e êxtases que nos afastasse das alegrias e das preocupações das pessoas. Devemos desconfiar do contemplativo que não é compassivo. A ternura, segundo o estilo de Jesus (cf. Lc 10,25-37), protege-nos da “pseudo-mística”, da “solidariedade de fim de semana” e da tentação de ficar longe das feridas do corpo de Cristo. Três perigos: a “pseudo-mística”, o “fim de semana solidário” e a tentação de ficar longe das feridas do corpo de Cristo. As feridas de Jesus são também ainda hoje visíveis no corpo dos irmãos que são despojados, humilhados e escravizados. Tocando estas feridas, acariciando-as, é possível adorar o Deus vivo no meio de nós. Hoje é necessário fazer uma revolução da ternura (cf. A Alegria do Evangelho, nnº 88; 288) para que nos torne mais sensíveis diante das noites escuras e dos dramas da humanidade.
Caríssimos irmãos, agradeço-vos por este encontro. Que a Virgem do Carmelo sempre vos acompanhe e proteja todos aqueles que colaboram convosco e se inspiram na vossa espiritualidade. E, por favor, confiai-me também a mim à sua maternal protecção. Obrigado!