Carta de Herodes a João Baptista
Caro João, escrevo-te no silêncio dos meus aposentos, escondido de todos. Escrevo-te para dizer particularmente uma coisa que nunca direi de forma que se oiça: sou um cobarde. Sim, João, tens um amigo cobarde: prendi-te a pedido, ouvi-te às escondidas, dei-te razão de modo que ninguém soubesse e aceitei a tua morte para manter vivo um juramento estúpido e um amor escravo.
Estou aqui só e morto em vida. Mas tu, João, estás vivo depois da morte, na coragem dos discípulos que vieram reclamar e honrar o teu corpo. Grande ironia: de mim aceitam as coisas, os banquetes e pedaços do reino. De ti querem um corpo decapitado –mas que grita verdade, liberdade e coerência. Nem a amizade te calou!…
Claro que não te posso remeter este texto. Ele, aliás, nem existe. Se porventura alguém agora aqui entrasse deitava-o rapidamente à lareira e chamava-lhe um discurso mal conseguido que estava a preparar… Porque escrevo? Evidentemente, por cobardia. Porque quero ficar de bem comigo, sem a dor de mudar… Mas os cobardes somos mesmo assim: sabemos a verdade, mas queremo-la de graça. Vês? Nem coragem tenho para te pedir perdão…
Herodes
João Aguiar Campos
Oração
Senhor, que na vossa admirável providência, quisestes que São João Baptista fosse o Precursor do nascimento e da morte do vosso Filho, concedei-nos que, assim como ele deu a sua vida pela justiça e pela verdade, também nós saibamos lutar corajosamente pela confissão da fé. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo. Amen.