“Somos missão porque somos o amor de Deus comunicado”
De três em três anos, os dois Conselhos Gerais dos frades O. Carm. e O.C.D. reunimo-nos para reflectir sobre diversos temas relacionados com o nosso carisma e missão na Igreja. Este ano, juntámo-nos em Gort Muire, a casa provincial da Província irlandesa dos Carmelitas (O. Carm.), localizada em Dublin, Irlanda, para reflectir sobre o tema “Baptizados e enviados: a Igreja de Cristo em missão no mundo”.
Neste contexto, reflectimos sobre um texto do discurso do Papa Francisco contido em “Baptizados e enviados: a Igreja de Cristo em missão no mundo”. O Papa Francisco recorda-nos que a missão está enraízada no baptismo e é um chamamento dirigido a todo o baptizado. O discurso do Papa Francisco transforma a nossa compreensão da missão. Tendemos a entender a missão principalmente como pregar, construir escolas, hospitais, serviços sociais e desenvolver actividades caritativas. Se bem que estas iniciativas e actividades missionárias são importantes, o Papa Francisco convida-nos a ver a missão desde uma perspectiva mais profunda e mais ampla: “SOMOS missão porque somos o amor de Deus comunicado, somos santidade de Deus criada à sua própria imagem”.
A missão não é principalmente o que fazemos mas o que somos. Essencialmente é uma questão de ser mais do que fazer. Flui do nosso encontro pessoal com Jesus Cristo, que nos chama a estar com ele e a acompanhá-lo na sua missão no mundo. Somente a partir desta nossa intimidade com Jesus Cristo, descobrindo que nos ama incondicionalmente, poderemos crescer numa conversão contínua e ser missão no nosso mundo. Visto desta maneira, o nosso chamamento a ser missão acontece onde vivemos, quando damos testemunho de amor, na nossa comunidade, família paróquia e entre os vizinhos. É um chamamento a crescer na santidade expressa através de acções amorosas da vida quotidiana.
Neste sentido, recordamos dois santos missionários carmelitas: Santa Teresa do Menino Jesus e o Beato Tito Brandsma. Ambos dão testemunho do que significa ser missão no contexto da sua vida e do seu tempo.
Apesar de Santa Teresa do Menino Jesus nunca ter saído do recinto do seu Carmelo, foi proclamada padroeira universal das missões juntamente com São Francisco Xavier em 14 de Dezembro de 1927. Santa Teresa tinha um coração missionário. Nos seus “Manuscritos autobiográficos” diz-nos que teria gostado “ser missionária não só por alguns anos mas desde o princípio da criação até à consumação dos tempos”.
Limitada pelas paredes do Carmelo, viveu o seu zelo missionário no mosteiro. Descobriu a sua vocação de ser “amor no coração da Igreja”; quer dizer, fazer do amor de Jesus Cristo o centro da sua vida e expressar o seu amor por ele concretamente nas pequenas acções da vida diária e em todas as suas relações. Ela acreditava que o amor é eterno; que transcende os limites físicos, o espaço e o tempo, e tem um poder transformador para curar e converter os corações. Estava convencida de que quanto mais amor haja no coração da Igreja, mais amor haverá em todos os membros da Igreja e no mundo. A prática do amor produz frutos para toda a Igreja e para o mundo. Neste sentido, todos os baptizados são chamados a ser “amor no coração da Igreja” e fazer do amor a força motivadora das nossas vidas. Desta maneira convertemo-nos em missão na Igreja e no nosso mundo.
O Beato Tito Brandsma, que morreu no campo de concentração de Dachau em 1942, também tinha um coração missionário. Desde jovem frade ainda em período de formação, Tito desejou ser enviado como missionário para anunciar o Evangelho a todos os povos. Contudo, a falta de saúde impediu-o de realizar o seu sonho. Deus enviou Tito a um território de missão que ele próprio nunca teria escolhido: os campos de concentração nazis. Em 1942 foi deportado para o campo de concentração de Dachau. Ali converteu-se em missionário através da sua oração, da sua confiança em Deus no meio do terrível sofrimento, ao consolar as aflições dos seus companheiros de prisão e ao negar-se a odiar os nazis. Tito acreditava que “a oração não é um oásis no deserto da vida; é toda a vida”. Esta bela afirmação revela a fonte da sua fortaleza para levar a cabo as suas actividades apostólicas, para dar testemunho da Verdade e para suportar com paciência a pobreza, o sofrimento e a brutalidade dos campos de concentração e para perdoar aos seus inimigos. Num discurso pronunciado em 1941, Tito disse: “A nossa vocação e a nossa felicidade consiste em fazer felizes os outros”. Talvez estas palavras, assim como as palavras de Jesus que significaram tanto para o Beato Tito, “a paz vos deixo, a minha paz vos dou”, resumem o seu espírito missionário e o que significa ser missão na Igreja e no mundo.
Ser missionários no nosso tempo implica fazer a nós próprios a seguinte pergunta: “Como podemos, como carmelitas, responder aos desafios que o nosso mundo e as nossas Igrejas enfrentam neste século XXI?”. Devemos esforçar-nos por ser: a) homens e mulheres autênticos de oração; b) viver uma vida comunitária evangélica, abertos ao diálogo e construindo relações nos lugares onde vivemos e servimos; c) que os nossos ministérios sejam proféticos. Reconhecemos que está a surgir uma nova realidade na Igreja: sinodal, dialógica, colaborativa, inclusiva e responsável. Isto requer discernimento, formação e conversão contínua.
Nós carmelitas SOMOS missão. Damo-nos conta, mais uma vez, das riquezas da nossa herança carmelita e, a partir da fonte do nosso carisma, desejamos responder às necessidades e desafios presentes no nosso mundo e na nossa Igreja.
Como sempre, confiamos na intercessão e na presença de Maria, Rainha e Formosura do Carmelo, cujo coração missionário a impulsionou depois da Anunciação a levar à sua prima Isabel a alegria da salvação de Deus em Jesus Cristo. Oramos para que nos acompanhe nos nossos esforços para ser missão na nossa Igreja e no nosso mundo.
Dublin (Irlanda), 31 de Maio de 2019
Conselhos Gerais O. Carm. e O.C.D.