A hora da passagem deste mundo para o Pai

Morrer, na realidade, faz parte do viver, e isto não só no fim, mas, considerando bem, em cada momento. Mas, apesar de todas as distracções a perda de uma pessoa querida leva-nos a redescobrir o “problema”, fazendo-nos sentir a morte como uma presença radicalmente hostil e contrária à nossa vocação natural para a vida e para a felicidade.

Jesus revolucionou o sentido da morte. Fê-lo com o seu ensinamento, mas sobretudo enfrentando Ele próprio a morte. “Ao morrer, destruiu a morte”, repete a Liturgia no tempo pascal. “Com um Espírito que não podia morrer escreve um Padre da Igreja Cristo matou a morte que matava o homem” (Melitone di Sardi, Sulla Pasqua, 66). O Filho de Deus quis desta forma, partilhar até ao fim a nossa condição humana, para a reabrir à esperança. Em última análise, Ele nasceu para poder morrer, e assim, nos libertar da escravidão da morte. Diz a Carta aos Hebreus: experimentou “a morte em favor de todos” (Hb 2, 9). Desde então, a morte já não é a mesma: foi privada, por assim dizer, do seu “veneno”. O amor de Deus, actuante em Jesus, deu de facto um sentido novo a toda a existência do homem, e assim transformou também o morrer. Se em Cristo a vida humana é “passagem deste mundo para o Pai” (Jo 13, 1), a hora da morte é o momento no qual isto se realiza de maneira concreta e definitiva. Quem se compromete a viver como Ele, é libertado pelo receio da morte, que já não mostra o escárnio de uma inimiga mas, como escreve São Francisco no Cântico das criaturas, o rosto amigo de uma “irmã”, pela qual se pode também bendizer ao Senhor:”Louvado sejas, ó meu Senhor, pela nossa irmã morte corporal”.

Não devemos recear a morte corporal, recorda-nos a fé, quer vivamos, quer morramos, somos do Senhor. E com São Paulo sabemos, mesmo separados do corpo, somos com Cristo, cujo corpo ressuscitado, que recebemos na Eucaristia, é a nossa habitação eterna e indiscutível. A verdadeira morte, que é preciso temer, é a da alma, que o Apocalipse chama “segunda morte” (cf. Ap 20, 14-15; 21, 8). De facto, quem morre em pecado mortal, sem arrependimento, fechado na recusa orgulhosa do amor de Deus, auto-exclui-se do reino da vida.

Bento XVI

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