São João da Cruz – 14 de Dezembro

Nasceu em Fontiveros, perto de Ávila, em Espanha, em 1542. Entrou na Ordem do Carmo aos 21 anos de idade. Desde o início, tinha o grande desejo de levar uma vida mais austera, mais fiel à Regra de Santo Alberto. Uma conversa providencial com Teresa de Jesus impediu-o de sair da Ordem e fez com que se tornasse a pessoa chamada por Deus para iniciar a reforma do Carmelo masculino. No dia 28 de Novembro de 1568, em Duruelo, Frei João da Cruz inicia a primeira comunidade reformada de religiosos Carmelitas contemplativos.

João sofreu muito da parte dos seus próprios confrades que o prenderam em prisão domiciliária durante nove meses. Mas foram estes mesmos sofrimentos que o ajudaram a relativizar tudo em vista do absoluto de Deus e a aprofundar o sentido da vida. O resultado destas experiências, ele as comunicava nas suas meditações, nas inúmeras cartas e nos seus escritos: “Subida do Monte Carmelo”, “Noite Escura”, “Cântico Espiritual” e “Chama Viva de Amor” que, até hoje, estão entre os escritos mais lidos da mística.

Frei João da Cruz foi um grande místico contemplativo. Ele ensina-nos a relativizar as ideias e as imagens que temos de Deus. Deus é sempre maior do que tudo aquilo que a respeito dele pensamos ou afirmamos. João da Cruz ensina que a nossa segurança não pode estar nas nossas ideias sobre Deus, mas sim em Deus, Ele mesmo.

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V centenário do nascimento de Santa Teresa de Jesus (1515-2015)

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A Igreja e as diferentes Ordens e Congregações de espiritualidade carmelita e teresiana celebram de 15 de Outubro de 2014 até 15 de Outubro de 2015 o V Centenário do Nascimento de Santa Teresa de Jesus. Apresentamos, em traços muito breves, o «bilhete de identidade» desta Santa Carmelita.

Teresa de Ahumada e Cepeda nasceu em Ávila, Espanha, a 28 de Março de 1515. Era a filha mais nova de 9 irmãos e 3 irmãs. Foram seus pais Alonso de Cepeda, descendente de judeus conversos, e Beatriz de Ahumada, de família nobre, ambos «pais virtuosos e tementes a Deus» (Vida 1,1), que a educaram na piedade e nos afazeres da casa. Aos 14 anos, Teresa perde a sua mãe. A experiência prematura de orfandade levou-a até aos pés da Virgem Maria, e pede-lhe que seja sua Mãe (Vida 1,7).

Aos 16 anos, após um período de vaidade e instabilidade, próprios da fase juvenil, é internada por seu pai durante um ano e meio no convento das Irmãs Agostinhas de Nossa Senhora das Graças, na cidade de Ávila. A amizade com uma santa religiosa infundiu-lhe o desejo de abraçar a Vida Consagrada. Aos 20 anos, contra a vontade de seu pai, ingressa no Carmelo da Encarnação. Fez a sua profissão a 3 de Novembro de 1537.

Pouco tempo depois, devido a uma doença misteriosa, vê-se obrigada a abandonar o Convento. Neste período de repouso, em casa de uns familiares, entra em contacto com os livros espirituais da sua época. Deixa-se cativar pelo Terceiro Abecedário de Francisco de Osuna que a inicia na prática da oração mental (Vida 4,6). Durante o Verão de 1539, a doença agrava-se e, durante três dias, fica como morta. Só a tenacidade de seu pai impede que a enterrem (Vida 5,9). Recuperou mas esta crise deixou marcas. Regressou, meia paralisada, ao seu Convento de Ávila (Vida 6,1-2). Atribuiu o seu completo restabelecimento a uma intervenção especial de São José (Vida 6,6-8), de quem se tornou muito devota. No entanto, a falta de saúde marcará toda a sua vida.

Reformadora do Carmelo

Deus, querendo unir Teresa mais a Si como sua esposa, purificou-a durante 18 anos com toda a espécie de provas: doenças, securas, dúvidas de fé… Um dia, quando decorria o ano de 1554, com 39 anos, diante de uma imagem de Cristo muito chagado e atado à coluna, o coração grande e terno de Teresa perturbou-se e, desfeita em lágrimas, entregou-se verdadeira e incondicionalmente à vontade de Deus. Comprometeu-se a fazer sempre o mais perfeito, rompendo com todos os laços que a prendiam às criaturas. A partir deste momento, como que morre Teresa de Cepeda e nasce Teresa de Jesus; é «outra vida» a que agora inicia. Ao ler, por esta altura, as Confissões de Santo Agostinho sente-se confirmada na mudança de rumo (Vida 9,8-9). Como fruto de uma intensa evolução espiritual, Teresa, com um punhado de amigas íntimas, decide-se a abraçar uma vida carmelita mais perfeita (Vida 32,9-10), voltando à observância da Regra Primitiva da Ordem. Funda, a 24 de Agosto de 1562, o Convento de S. José, em Ávila, enfrentando muitas oposições, chegando mesmo a pensar que tudo estava perdido (Vida 36). Mas depois de meses de luta, Teresa prossegue com a reforma da sua Ordem.

Poucos anos depois, o Senhor revela-lhe outra missão: fundar mais conventos segundo um novo estilo de vida: um pequeno grupo de Irmãs, não mais que 21, que recordasse o grupo dos apóstolos, onde a relação com Jesus pela oração fosse um exercício contínuo, onde se cultivasse a amizade entre as Irmãs e que todas colocassem as grandes preocupações da Igreja e do Mundo nas suas preces e orações. Mas Teresa ainda deseja ir mais longe e estende a Reforma das Irmãs também aos Frades, tal como veio a acontecer, depois de conhecer S. João da Cruz, em 1567, em Medina del Campo, cativando-o para a sua obra. O primeiro Convento de Frades Descalços é fundado em Duruelo, a 28 de Novembro de 1568, marcado por uma vida orante, fraterna e apostólica.

Amiga de Cristo, mulher de oração e escritora

A relação mais viva com Cristo deu-se através da leitura e meditação do Evangelho e das Vidas de Cristo. O Evangelho era o seu livro preferido. Teresa, depois de 1554, centrou-se sempre mais em Cristo, cultivando as virtudes humanas e cristãs, tais como a verdade, a humildade, o amor, a afabilidade, a determinação, os grandes desejos, como condição fundamental para crescer na oração e contemplação. À medida que o tempo passa, Teresa sente-se mais submergida em Cristo, ao ponto de exclamar como São Paulo: «Já não sou eu que vivo, mas sois Vós, Criador meu, que viveis em mim» (Vida 6,9).

Professou sempre uma terna devoção a Jesus Menino. A Paixão e Morte do Senhor foram sempre a sua meditação favorita. Teresa contemplava todo o mistério de Cristo à luz da Ressurreição, sobre a qual tem uma rica e abundante doutrina. Juntamente com o seu vivo amor a Jesus, a Santíssima Virgem e São José foram os modelos e intercessores mais marcantes na sua vida.

A oração, concebida «como trato de amizade com Quem sabemos que nos ama» (Vida 8,5), ocupa um lugar central na sua experiência espiritual e na sua doutrina. Teresa legou à Igreja, com os seus escritos, um método completo de oração mental e vocal, estudando todas as etapas que deve percorrer a pessoa para chegar à contemplação, isto é, aos últimos graus da oração, à união de amor com Deus, que ela também chama de matrimónio espiritual.

Teresa de Ávila escreveu muito, não por vontade própria mas por ordem dos seus confessores e superiores. Os seus escritos têm como tema central a sua experiência de Deus. Deixou-nos uma ampla doutrina e conselhos para a vida espiritual. As principais obras, carregadas de humanismo e vivacidade, são: Livro da Vida, Caminho de Perfeição, Castelo Interior ou As Moradas, Fundações, Cartas, Poesias e outros escritos menores.

Morreu a 4 de Outubro de 1582, num dos seus carmelos, em Alba de Tormes, a caminho de Ávila, deixando fundados, à sua morte, 17 carmelos por toda a Espanha. Contava a idade de 67 anos, 6 meses e 7 dias. Teresa de Jesus amou tanto a Igreja, ao ponto de se dispor a morrer por ela. As suas últimas palavras, no seu leito de morte, foram exactamente: «Morro filha da Igreja» e «Chegou a hora, Esposo meu, de nos encontrarmos». Paulo VI, a 27 de Setembro de 1970, proclamou-a Doutora da Igreja Universal.

«Santa Teresa de Jesus é uma verdadeira mestra de vida cristã para os fiéis de todos os tempos. Na nossa sociedade, muitas vezes desprovida de valores espirituais, Santa Teresa ensina-nos a ser incansáveis testemunhas de Deus, da sua presença e da sua acção; ensina-nos a sentir realmente essa sede de Deus que existe no nosso coração, esse desejo de ver Deus, de buscá-lo, de ter uma conversa com Ele e de ser seus amigos. Esta é a amizade necessária para todos e que devemos buscar, dia após dia, novamente» (Bento XVI).

Possam estas breves notas sobre a vida de Santa Teresa de Jesus estimular a descoberta do legado desta mulher extraordinária, «Mestra dos Espirituais», cuja principal herança são os seus escritos e a grande família que gerou na Igreja.

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São João da Cruz

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João de Yepes nasceu em Fontiveros, perto de Ávila, Espanha. Seu pai, Gonçalo de Yepes, sendo de nobre família, a tudo renunciou para casar com Catarina Álvares, uma pobre órfã. João de Yepes nasceu, num lar pobre, mas de muito amor. A sua pobreza depressa se transformou em miséria com a morte do pai. A partir de então, Catarina, peregrinando de terra em terra, de feira em feira, acabou por se fixar em Medina del Campo onde João foi recolhido num orfanato.

Certo homem rico e conceituado fixou-se nas qualidades de João, dando-lhe possibilidades de estudar, ao mesmo tempo que o empregou no hospital de Medina. Dez anos foi o tempo que o jovem João de Yepes passou a tratar de doentes, vítimas de doenças incuráveis, sobretudo a sífilis que era terrivelmente mortal. Aqui João conheceu as histórias mais inverosímeis do mundo e as dores mais atrozes dos homens.

Na sua juventude foi cobiçado por diversas Ordens Religiosas, e pelo seu benfeitor que pensava nele como capelão do hospital, depois de ordenado sacerdote. Aos 21 anos de idade, sem dizer nada a ninguém, João dirigiu-se ao Convento dos Carmelitas onde tomou o hábito e onde nesse dia recebeu o nome de Frei João de S. Matias.

Para João, a escolha da Ordem do Carmo era plenamente justificada: sendo o Carmo a Ordem de Maria e tendo João de Yepes tanto amor à Virgem Nossa Senhora e tendo-o ela livrado de alguns perigos na sua meninice, escolheu servi-la e assim agradecer-lhe.

Estudou em Salamanca e cantou Missa em Medina del Campo. Foi aqui que no ano de 1567 conheceu a Madre Teresa de Jesus, que ficou prendada com as suas qualidades e santidade, o convida para primeiro Carmelita Descalço e fundador de entre os frades do novo estilo de vida que ela mesma havia iniciado entre as freiras.

No Verão de 1568, vestindo já o primeiro hábito de Carmelita Descalço, feito precisamente pela Madre Teresa de Jesus, dirigiu-se a Duruelo onde, durante todo o Verão, foi preparando e transformando uma velha e pobre casa no primeiro convento da nova família do Carmo. No dia 28 de Novembro desse ano, primeiro Domingo do Advento, chegaram Frei António de Jesus e Frei José de Cristo que deram oficialmente início à nova Ordem. A partir deste dia, Frei João de S. Matias passou a chamar-se Frei João da Cruz.

Quando Santa Teresa de Jesus foi nomeada priora do convento da Encarnação, em Ávila, pediu a S. João da Cruz que se dirigisse para esta cidade como confessor das freiras deste convento. Aqui permaneceu o nosso Santo durante cinco anos. As pessoas tinham-no por Santo, respeitando-o e amando-o como tal. Foi tentado por uma nobre e formosa mulher de quem nunca revelou o nome. Nesta cidade Frei João pintou o seu célebre desenho de Cristo na Cruz, onde o famoso pintor Dali se inspirou para a sua célebre pintura de Cristo morto sobre o mundo à qual intitulou «Cristo de S. João da Cruz». Frei João da Cruz realizou em Ávila, verdadeiros prodígios, o que levou os abulenses a terem por ele verdadeira admiração e profundo respeito.

Os Carmelitas Calçados de Ávila é que não estavam nada contentes com a boa fama e o apreço que o povo tinha por Frei João da Cruz e pelos frades da nova família de Carmelitas, chamada dos Descalços, por ele fundada. Decidiram, por fim, pôr cobro à situação. E a melhor forma que encontraram foi a de prender a alma do Carmo Descalço, Frei João da Cruz. Assim o pensaram e assim o fizeram uma noite, saltaram silenciosamente o muro da casa onde vivia, arrombaram as portas e prenderam Frei João. Levaram-no em segredo para o convento de Toledo. Ninguém teve tempo para reagir, tudo foi feito em grande sigilo e com tanta rapidez e discrição que ninguém pôde intervir. Santa Teresa escreveu ao rei Filipe II, mas como ninguém sabia de nada, Frei João continuara na prisão. Os Calçados tentaram fazer por todos os meios, lícitos e ilícitos, que Frei João abandonasse a obra começada. Torturas físicas e psicológicas, belas ofertas, de poder e de riqueza, até mesmo uma cruz de ouro cravejada de pedras preciosas! Ao que Frei João respondeu: «Quem procura seguir a Cristo pobre, não precisa de jóias nem de ouro».

Durante nove meses, de Dezembro a Agosto, Frei João permaneceu no cárcere, onde quase morrendo de frio no Inverno, quase asfixiado de calor no Verão, para comer davam-lhe pão, água e algumas sardinhas. Martirizaram o seu corpo com duras disciplinas. Durante mais de meio ano não lhe permitiram mudar ou lavar o hábito. O cárcere consiste num cubículo tão minúsculo que até mesmo Frei João, sendo pequeno de corpo, mal cabia. A 15 de Agosto Frei João pede que lhe deixem celebrar Missa por ser a Festa de Nossa Senhora. Indelicada e brutalmente o Prior recusa o pedido. É então que Frei João da Cruz aproveitando a liberdade que o novo carcereiro concede, Frei João de S. Maria, decide fugir, antes, porém, oferece ao seu carcereiro uma cruz de madeira feita por si, pedindo-lhe perdão de todos os trabalhos que lhe causou. Numa noite de Agosto, correndo os maiores perigos, desconhecendo em absoluto a cidade de Toledo e sem a ajuda de ninguém, muito debilitado fisicamente, no limite das suas forças, tão magro que as apodrecidas tiras de roupa de que se serviu para saltar da janela não rebentaram e assim conseguirá fugir da prisão! Acolheu-se no convento das Carmelitas Descalças que se assustaram e se alvoroçam ao vê-lo, pois mais parecia um morto do que um vivo! Preparam-lhe umas pêras assadas com canela!

Finalmente seguro! Os Calçados procuram-no, batem às portas do Convento das Descalças mas não encontram Frei João aí bem escondido. Durante toda a tarde as Carmelitas conversaram com o Santo, escutando enlevadas os poemas que tinha escrito na prisão. Entretanto, as Carmelitas pedem ajuda ao administrador do Hospital que levaram Frei João para sua casa, que ficava mesmo ao lado do convento onde tinha estado preso. Tudo foi feito durante dois meses para o restabelecer.

Em Outubro de 1578 Frei João deixou Toledo e dirigiu-se a Almodôvar onde esteve reunido o Capítulo de Lisboa. Aqui, pela primeira vez, contemplou, S. João da Cruz o mar, que o encantou e atraiu profundamente. Quantos o conheceram em Lisboa ficaram encantados e lhe chamavam Santo.

No mês de Junho de 1591, o Capítulo de Madrid deixou-o sem qualquer cargo na Ordem. Frei João desafiou o Geral da Ordem, Frei Nicolau Doria, que discordando dele e chamando-lhe à atenção sobre algumas situações menos claras do seu governo. Eis que paga a factura da sua ousadia singular. Ainda há mais por onde passar e que sofrer. Frei Diogo Evangelista, noutros tempos repreendido pelo Santo, resolve vingar-se dele e difama-o.

Depois do Capítulo Frei João partiu para o convento de La Peñuela. No seu interior leva a secreta tarefa de acabar o quanto antes os seus escritos. Na realidade para aí se desloca aguardando que o chamem para embarcar no barco que o levará de Sevilha para as missões do México. É que Frei João oferecera-se para ir como missionário para o México.

Chegou a La Peñuela e prontamente dedicou-se aos seus escritos. Mas uma perna inflamou-se-lhe a tal ponto que a febre se recusou deixá-lo. Era a cruz preparada para o final do caminho que o devia conduzir, não ao México, mas, como ele próprio disse «a outras Índias melhores e mais ricas de tesouros eternos». De La Peñuela levam-no para Úbeda. O carinho e a alegria com que em Úbeda foi recebido pelos frades da comunidade e pelos leigos que conheciam o Santo era indescritível. O único que destoou foi Frei Francisco Crisóstomo, o prior, que aproveitava todas as ocasiões para o fazer sofrer, vingando-se, assim, de Frei João que noutros tempos o tinha repreendido.

A doença agravou-se. Foram cheios de dores atrozes os últimos dias de Frei João. Depois de uma operação dolorosíssima comentou: «Cortem quanto for preciso, em boa hora e a vontade do meu Senhor Jesus Cristo se faça».

No dia 7 de Dezembro soube que morreria a 14, por ser Sábado, dia de Nossa Senhora. Durante o dia 13 perguntou insistentemente as horas, dizendo que nesse dia lhe tinha mandado Deus ir cantar Matinas ao Céu. Antes da meia noite, querem os irmãos rezar-lhe as orações dos agonizantes, mas Frei João diz que não faz falta e pede que lhe leiam o Cântico dos Cânticos. Aos primeiros versículos Frei João comenta: «ó que preciosas margaridas tem o céu!». À meia noite, ouvindo o sino exclama: «Vou cantar Matinas para o Céu» e adormeceu dizendo: «Nas Tuas mãos Senhor entrego o meu espírito».

Era o dia 14 de Dezembro de 1591, Sábado. Uma voz correndo pela cidade foi gritando que tinha morrido o frade Santo do Carmo. O povo, apesar ser de noite e dura a tempestade, acorre e força os frades a abrirem as portas do convento para venerarem os restos mortais daquele homem a quem todos chamavam Santo

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São Nuno de Santa Maria

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Breves dados biográficos

Nascido em 1360, Nuno Álvares Pereira foi educado nos ideais nobres da Cavalaria medieval, no ambiente das ordens militares e depois na corte real. Tal ambiente marcou a sua juventude. As suas qualidades e virtudes impressionaram particularmente o Mestre de Aviz, futuro rei D. João I, que encontrou em D. Nuno o exímio chefe militar, estratega das batalhas dos Atoleiros, de Aljubarrota e Valverde, vencidas mais por mérito das suas virtudes pessoais e da sua táctica militar do que pelo poder bélico dos meios humanos e dos recursos materiais.

Casou com D. Leonor Alvim de quem teve três filhos, sobrevivendo apenas a sua filha Beatriz, que viria a casar com D. Afonso, dando origem à Casa de Bragança. Tendo ficado viúvo muito cedo e estando consolidada a paz, decidiu aprofundar os ideais da Cavalaria e dedicar-se mais intensamente aos valores do Evangelho, sobretudo à prática da oração e ao auxílio dos pobres. Assim, pediu para ser admitido como membro da Ordem do Carmo, que conhecera em Moura e apreciara pela sua vida de intensa oração, tomando o profeta Elias e Nossa Senhora como modelos no seguimento de Cristo.

De Moura, no Alentejo, vieram alguns membros da comunidade carmelita, para o novo convento que ele mesmo mandara construir em Lisboa. Em 1422, entra nesta comunidade e, a 15 de Agosto de 1423, professa como simples irmão, encarregado de atender a portaria e ajudar os pobres. Passou então a ser Frei Nuno de Santa Maria. Depois de uma intensa vida de oração e de bem fazer, numa conduta de grande humildade, simplicidade e amor à Virgem Maria e aos pobres, faleceu no convento do Carmo, onde foi sepultado.

Logo após a sua morte começou a ser venerado como santo pela piedade popular. As suas virtudes heróicas foram oficialmente reconhecidas pelo Papa Bento XV, que o proclamou beato, em 1918, passando a ter celebração litúrgica a 6 de Novembro.

Virtudes e valores afirmados na vida de Nuno Álvares Pereira

D. Nuno Álvares Pereira não é apenas o herói nacional, homem corajoso, austero, coerente, amigo da Pátria e dos pobres, que os cronistas e historiadores nos apresentam. Ele é também um homem santo. A sua coragem heróica em defender a identidade nacional, o seu desprendimento dos bens e amor aos mais necessitados brotavam, como água da fonte, do amor a Cristo e à Igreja. A sua beatificação, nos começos do século XX, apresentou-o ao povo de Deus como modelo de santidade e intercessor junto de Deus, a quem se pode recorrer nas tribulações e alegrias da vida.

Conscientes de que todos os santos são filhos do seu tempo e devem ser vistos e interpretados com os critérios próprios da sua época, desejamos propor alguns valores evangélicos que pautaram a sua vida e nos parecem de maior relevância e actualidade.

Os ideais da Cavalaria, nos quais se formou D. Nuno, podem agrupar-se em três arcos de acção: no plano militar, sobressaem a coragem, a lealdade e a generosidade; no campo religioso, evidenciam-se a fidelidade à Igreja, a obediência e a castidade; a nível social, propõem-se a cortesia, a humildade e a beneficência. Foram estes valores que impregnaram a personalidade de Nuno Álvares Pereira, em todas as vicissitudes da sua vida, como documentam os seus feitos militares, familiares, sociais e conventuais.

Fazia também parte dos ideais da Cavalaria a protecção das viúvas e dos órfãos, assim como o auxílio aos pobres. Em D. Nuno, estes ideais tornaram-se virtudes intensamente vividas, tanto no tempo das lides guerreiras como principalmente quando se desprendeu de tudo e professou na Ordem do Carmo. Como porteiro e esmoler da comunidade, acolhia os pobres de Lisboa, que batiam às portas do convento e atendia-os com grande humildade e generosidade. Diz-se que teve aqui origem a «sopa dos pobres».

Levado pela sua invulgar humildade, iluminada pela fé, desprendeu-se de todos os seus bens – que eram muitos, pois o Rei o tinha recompensado com numerosas comendas – e repartiu-os por instituições religiosas e sociais em benefício dos necessitados. Desejoso de seguir radicalmente a Jesus Cristo, optou por uma vida simples e pobre no Convento do Carmo e disponibilizou-se totalmente para acolher e servir os mais desfavorecidos. Esta foi a última batalha da sua vida. Para ela se preparou com as armas espirituais de que falam a carta aos Efésios (cf. Ef 6, 10-20) e a Regra do Carmo: a couraça da justiça, a espada do Espírito (isto é, a Palavra de Deus), o escudo da fé, a oração, o espírito de serviço para anunciar o Evangelho da paz, a perseverança na prática do bem.

Precisamos de figuras como Nuno Álvares Pereira: íntegras, coerentes, santas, ou seja, amigas de Deus e das suas criaturas, sobretudo das mais débeis. São pessoas como estas que despertam a confiança e o dinamismo da sociedade, que fazem superar e vencer as crises.

Apelo à Igreja em Portugal e a todos os homens e mulheres de boa vontade

A pessoa e acção de Nuno Álvares Pereira são bem conhecidas do povo português. A nível civil, é lembrado em monumentos, praças e instituições; a nível religioso, é celebrado em igrejas, imagens e associações. Figura incontornável da nossa história, importa revitalizar a sua memória e dar a conhecer o seu testemunho de vida. Para além de ser um modelo de santidade, no seguimento radical de Cristo, que «não veio para ser servido mas para servir» (Mt 20, 28), apraz-nos pôr em relevo alguns aspectos de particular actualidade, para todos os homens e mulheres de boa vontade: Nuno Álvares Pereira foi um homem de Estado, que soube colocar os superiores interesses da Nação acima das suas conveniências, pretensões ou carreira. Fez da sua vida uma missão, correndo todos os riscos para bem servir a Pátria e o povo. Em tempo de grave crise nacional, optou corajosamente por ser parte da solução e, numa entrega sem limites, enfrentou com esperança os enormes desafios sociais e políticos da Nação. Coroado de glória com as vitórias alcançadas, senhor de imensas terras, despojou-se dos seus bens e optou pela radicalidade do seguimento de Cristo, como simples irmão da Ordem dos Carmelitas. Não se valeu dos seus títulos de nobreza, prestígio e riqueza, para viver num clima de luxos e grandezas, mas optou por servir preferencialmente os pobres e necessitados do seu tempo.

Vivemos em tempo de crise global, que tem origem num vazio de valores morais. O esbanjamento, a corrupção, a busca imparável do bem-estar material, o relativismo que facilita o uso de todos os meios para alcançar os próprios benefícios, geraram um quadro de desemprego, de angústia e de pobreza que ameaçam as bases sobre as quais se organiza a sociedade. Neste contexto, o testemunho de vida de D. Nuno constituirá uma força de mudança em favor da justiça e da fraternidade, da promoção de estilos de vida mais sóbrios e solidários e de iniciativas de partilha de bens. Será também um apelo a uma cidadania exemplarmente vivida e um forte convite à dignificação da vida política como expressão do melhor humanismo ao serviço do bem comum.

Os Bispos de Portugal propõem, portanto, aos homens e mulheres de hoje o exemplo da vida de Nuno Álvares Pereira, pautada pelos valores evangélicos, orientada pelo maior bem de todos, disponível para lutar pelos superiores interesses da Pátria, solícita por servir os mais desprotegidos e pobres. Assim seremos parte activa na construção de uma sociedade mais justa e fraterna que todos desejamos.

Excerto da Nota da Conferência Episcopal Portuguesa

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Santa Teresa de Jesus – 15 de Outubro

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Teresa de Ahumada nasceu no dia 28 de Março de 1515. De entre os seus 11 irmãos, Teresa evidenciou ser a mais inteligente e agradável no trato, daí a mais querida de seus pais. Desde criança se imprimiu no seu espírito um forte desejo do Céu e da eternidade. Com apenas 13 anos perdeu a mãe. A partir daí foi junto de uma imagem de Nossa Senhora, na sua igreja paroquial, pedindo-lhe que fosse a sua mãe. Ao entrar na adolescência e juventude, órfã de mãe, Teresa sente-se um pouco desorientada e, com os seus primos, perde-se em futilidades e vaidades próprias da idade, inspiradas pelos romances que adorava ler. O seu pai viu-se obrigado a interná-la no Colégio de Irmãs de Nossa Senhora da Graça. Uma jovem freira da comunidade, de quem Teresa se tornou amiga, foi a sua então educadora e ajudou-a a redescobrir os grandes valores humanos e cristãos. Começou a pensar na possibilidade de vir a ser também ela religiosa, e decidiu entrar no convento de Nossa Senhora da Encarnação, das carmelitas, onde já se encontrava uma das sumas amigas, Joana Soares. O seu pai não esteve de acordo, mas Teresa insistiu e ingressou neste convento de clausura, embora lhe custasse muito separar-se da casa paterna.

Depois da Profissão Religiosa, foi atingida por uma estranha e grave doença que a levou às portas da morte, ao ponto de se ter preparado a sepultura no cemitério do convento. O seu pai não desiste e acredita na recuperação de Teresa, encomenda-a a S. José e, passados quatro dias, sai dum coma profundo. Desde então, tornou-se grande devota de S. José, devoção que depois legou a todo o Carmelo reformado.

Teresa conheceu os segredos de Deus que lhe eram transmitidos pela oração. Recorreu aos melhores teólogos do seu tempo para que a ajudassem no seu itinerário orante e contemplativo. Entre os quais encontra-se S. João da Cruz, S. Francisco de Borja, S. Pedro de Alcântara, S. João de Ávila e outros de grande fama no seu tempo. Um dia ouviu a voz do Senhor que lhe dizia: «Já não quero que tenhas conversas com homens, mas com anjos». Deus revelou-lhe verdades e incutiu-lhe grandes desejos de santidade e de serviço à Igreja.

Quando a Igreja, por causa dos protestantes, proibiu as edições da Bíblia em língua que não fosse o latim, Teresa sentiu muita pena e ouviu Cristo que lhe disse: «Não te preocupes. Eu serei o teu livro vivo». Por esta altura, sentiu o impulso que a inspirava a renovar a Ordem do Carmo. Assim, passando por muitos sofrimentos e sempre com a ajuda de Deus, fundou o primeiro convento, o de S. José de Ávila, da nova família das carmelitas descalças. Nas obras do seu primeiro convento, muito a ajudaram amigos e familiares. Foi inaugurado a 24 de Agosto de 1562, dia em que Teresa se descalçou, mudou de hábito e começou a chamar-se Teresa de Jesus.

A cidade de Ávila quis destruir o convento por não concordar com a reforma por ela iniciada e por já existirem muitos nesta cidade abulense. Mas quando Deus quer e o homem colabora, nenhuma oposição faz parar uma boa obra. A sua segunda fundação foi em Medina del Campo, onde conheceu S. João da Cruz, ficando encantada com ele e pedindo-lhe que fosse o primeiro carmelita descalço.

Em 1571, foi nomeada pelos superiores, prioresa da comunidade onde havia estado, a do Convento da Encarnação. Começou o seu mandato colocando as chaves do convento nas mãos duma imagem de Nossa Senhora do Carmo, a quem colocou na cadeira priorial, e Teresa a seus pés. Assim conquistou a simpatia da comunidade de quase 200 freiras, até então enfurecida com as suas aventuras. É aqui, neste mesmo lugar, que um dia ouviu o Senhor dizer-lhe: «Teresa, se não tivesse criado o Céu, para ti e por tua causa o criaria agora».

Durante o seu priorato na Encarnação, chamou para Ávila S. João da Cruz, reconhecendo-o como o único capaz de a ajudar naquela difícil empresa, fazendo dele o confessor do convento. Quando o apresentou à comunidade disse: «Irmãs, trago-vos por confessor um Santo!».

Ao todo, fundou dezassete conventos. O último foi o de Burgos. O Inverno estava áspero e a saúde de Teresa muito débil. Mas no meio das maiores dificuldades, erigiu o último convento. Regressada a Ávila, mandaram-na para Alba de Tormes onde caiu de cama dizendo: «Não me lembro de me ter deitado tão cedo desde há muitos, muitos anos». Não se levantou mais. Nas suas últimas palavras de despedida disse: «Perdoem-me os maus exemplos que viram em mim, que sou má freira. Guardem a Regra e as Constituições, e não é preciso mais para as canonizar».

Perguntaram-lhe se, morrendo queria ser enterrada em Ávila, ao que respondeu perguntando: «Mas aqui não terão um pouco de terra que me emprestem até ao dia do Juízo?». E morreu, exclamando: «Por fim, Senhor, morro filha da Igreja!». Eram nove horas da noite do dia 4 de Outubro de 1582. Nesse ano, o calendário foi actualizado pelo que o dia seguinte seria o 15 de Outubro.

Teresa de Jesus foi uma mulher extremamente alegre, humilde e agradecida. A Frei João da Miséria que a pintou num quadro, respondeu: «Deus te perdoe, Frei João, que me pintaste feia e enrugada!». Era de grande simpatia e afabilidade no trato com todos. Relacionava-se com Deus como com Amigo. Pela sua experiência, vida e escritos tornou-se Mestra e Doutora da Igreja sobretudo pelos ensinamentos em matéria de oração.

Um dia disseram-lhe: «Madre, dizem que sois bonita, inteligente e santa. Que dizeis de vós mesma?». Teresa respondeu: «Bonita, vê-se bem. Inteligente, penso que nunca fui tonta. E santa, a veremos, assim Deus o queira!».

Deixou-nos preciosos livros espirituais, tais como: Livro da Vida, Caminho de Perfeição, Moradas ou Castelo Interior, Livro das Fundações, Poesias, Exclamações, e mais de 500 Cartas. O seu conteúdo espiritual e intuições teológicas são de tal maneira profundos que a Igreja a declarou Doutora da Igreja.

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Festa de Santa Teresinha do Menino Jesus – 1 de Outubro

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Teresinha nasceu no seio de uma família profundamente cristã. Os seus pais foram um casal ideal: o pai relojoeiro, a mãe bordadeira do famoso ponto de Alençon. As suas quatro irmãs abraçaram a Vida Religiosa. Três foram carmelitas no mesmo Carmelo de Lisieux, onde viveu Teresinha os seus jovens anos. Teresinha era a irmã mais nova (1873-1897). As suas quatro irmãs tiveram a sorte de a ver nos altares canonizada por Pio XI em 1925. Alguma delas terá também a sorte de ver como se inicia a causa da canonização dos seus pais.

Da vida de Teresinha conhecemos quase tudo: a sua vida em família, porque ela a contou deliciosamente na primeira parte do livro «História de uma Alma». A sua vida no Carmelo, desde os 16 aos 24 anos, porque foi meticulosamente investigada e testemunhada nos processos da beatificação e canonização, hoje publicados. Conhecemos também a sua constante “presença” entre os homens depois da morte, porque Teresinha prometeu «passar o Céu a fazer o bem sobre a terra» e tem cumprido sua palavra em proporções fabulosas.

Os factos mais destacados da sua vida em família são: o seu despertar precoce: «desde a idade de três anos, comecei a não negar nada a Deus de tudo o que me pedia»; a morte de sua mãe, quando Teresinha tinha apenas quatro anos (recordada e contada por ela em pormenor); a mudança da família de Alençon para Lisieux (aos quatro anos); o grande acontecimento da sua primeira comunhão (aos onze anos); a doença de Teresinha (aos dez anos) curada prodigiosamente pelo sorriso da Virgem Maria e o drama da sua vocação para o Carmelo, que a fará recorrer pessoalmente ao Papa Leão XIII para vencer os últimos obstáculos e entrar no Carmelo aos quinze anos. Por esta altura já ela tinha vivido a graça de uma profunda conversão pessoal, e descoberto o poder da oração e sua profunda vocação orante, que coincide com o julgamento do criminoso Pranzini.

No Carmelo, Teresinha era feliz. Porém com a bem-aventurança dos que sofrem. Na clausura assiste de coração destroçado à doença de seu pai que tem de ser internado num hospital psiquiátrico. Ela propõe a si mesma fidelidade absoluta à vida carmelita e fá-lo desde o primeiro momento. Alimenta-se espiritualmente com os escritos de São João da Cruz. Faz a sua Profissão Religiosa depois de longa espera e muitos atrasos, quando completou dezassete anos. Para além dos votos religiosos, e de forma muito secreta, faz a sua entrega total; é uma oração delicada e atrevida, escrita num simples bocado de papel, mas que chegou até nós. Ao fim de pouco tempo passa a ser ajudante da mestra de noviças. Sem título. Mas rapidamente se torna uma verdadeira mestra espiritual. Cuida das almas como se fossem autênticas jóias. Alterna os trabalhos mais humildes com a tarefa espontânea de escrever poemas. Pinta quadros. Redige com a maior intimidade a primeira parte da «Historia de uma Alma», como um pequeno ramalhete de recordações familiares para a sua irmã Paulina.

Inesperadamente, chega-lhe a oferta de um irmão sacerdote. E logo outro. Dois jovens que depois das ordenações partem para as missões. E que durante a sua vida se apoiaram nas orações da Teresinha.

«Orar pelos sacerdotes missionários» será uma segunda missão da sua vida de carmelita. Na noite de Quinta-Feira para Sexta-Feira Santa de 1896, Teresinha tem a sua primeira hemoptise, triste porta de entrada para a sua doença. Pouco depois, entra na noite da fé, terrível prova purificadora que a acompanhará até à morte. Gravemente doente, escreve as duas últimas partes de «Historia de uma Alma», cujas páginas finais têm de ser escritas a lápis por já não segurar a caneta.

Pouco antes de entrar na «noite», Teresinha escreveu para si uma oração com sentido sacrificial, como se fosse ofertório da sua vida: é o «Acto de oferta ao amor misericordioso de Deus».

Os longos meses de enfermidade foram de um enorme exemplo e riqueza espiritual. O seu quarto converteu-se pouco a pouco numa sala de aulas de teologia espiritual e de santidade. Por fim, as irmãs que a assistem mais de perto decidem apontar em vários cadernos as diferentes etapas da sua doença, palavras e reacções, tais como «a paixão e morte de Teresinha» (será sob este título que, meio século depois, um teólogo analisará aquelas vivências). Essas pérolas possuimo-las hoje num precioso livro com o título «Ultimas Conversações».

Teresinha morreu a 30 de Setembro de 1897, aos 24 anos de idade. Só um ano depois se publicou timidamente «História de um Alma», que rapidamente se difundiu no mundo inteiro em milhões e milhões de exemplares, e em tantas línguas como nunca acontecera com livro algum, quer de literatura, quer de espiritualidade. Comparável unicamente à difusão da Bíblia. O grande contributo e o grande acontecimento de Teresinha foi o seu caminho de infância espiritual: versão viva e límpida do Evangelho de Jesus, vivido com toda a sensibilidade e radicalidade. Nele reafirma o valor e a fecundidade do amor. O valor das pequenas acções. A confiança sem limites. A fé na acção e na graça de Deus. Para ela,«tudo é graça». As suas parábolas predilectas, semelhantes às de Jesus, são: o elevador, a bola-brinquedo, a florzinha desprendida do muro…

Teresinha acredita na força da oração. De jovem, aos 14 anos, reza com toda a sua alma pelo desgraçado Pranzini. Mais tarde, de carmelita, ora e oferece a sua vida pelos sacerdotes e missionários, inclusive pelos anónimos e desconhecidos. Descobre que a quinta essência da sua vida contemplativa é desempenhar no coração da Igreja o serviço do amor: «no coração da Igreja, minha mãe, eu serei o amor». Teresinha oferecerá a sua oração eucarística e a sua última comunhão, já no leito de morte, pela conversão de um sacerdote, então tristemente célebre, o ex-padre Jacinto Loison.

Os seus pais, Luis e Célia, sobem com ela a glória dos altares no dia 19 de Outubro de 2008, Dia Mundial das Missões, ao serem beatificados.

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Solenidade de São João da Cruz

Catequese de Bento XVI sobre São João da Cruz

Há duas semanas apresentei a figura da grande mística espanhola Teresa de Jesus. Hoje gostaria de falar de outro importante santo daquelas terras, amigo espiritual de santa Teresa, reformador com ela da família religiosa carmelita: São João da Cruz, proclamado Doutor da Igreja pelo Papa Pio XI em 1926, e chamado na tradição Doctor mysticus, «Doutor místico».

João da Cruz nasceu em 1542 no povoado de Fontiveros, perto de Ávila, na Velha Castela, de Gonzalo de Yepes e Catalina Alvarez. A família era extremamente pobre porque o pai, de nobre origem de Toledo, tinha sido expulso de casa e deserdado por ter casado com Catalina, uma humilde tecelã de seda. Órfão de pai em tenra idade, com nove anos, transferiu-se com a mãe e o irmão Francisco para Medina del Campo, perto de Valladolid, centro comercial e cultural. Ali frequentou o Colegio de los Doctrinos, desempenhando também alguns trabalhos humildes para as irmãs da igreja-convento da Madalena. Em seguida, considerando as suas qualidades humanas e os seus resultados nos estudos, foi admitido primeiro como enfermeiro no Hospital da Conceição, depois no Colégio dos Jesuítas, recém-fundado em Medina del Campo: ali João entrou com dezoito anos e estudou ciências humanas, retórica e línguas clássicas durante três anos. No final da formação, ele viu claramente qual era a sua vocação: a vida religiosa e, entre as muitas ordens presentes em Medina, sentiu-se chamado ao Carmelo.

No Verão de 1563 começou o noviciado com os Carmelitas da cidade, assumindo o nome religioso de João de São Matias. No ano seguinte foi destinado à prestigiosa Universidade de Salamanca, onde por três anos estudou artes e filosofia. Em 1567 foi ordenado sacerdote e voltou a Medina del Campo para celebrar a sua primeira Missa circundado pelo carinho dos familiares. Precisamente ali teve lugar o primeiro encontro entre João e Teresa de Jesus. O encontro foi decisivo para ambos: Teresa expôs-lhe o seu plano de reforma do Carmelo também no ramo masculino da Ordem e propôs a João que se adaptasse «para maior glória de Deus»; o jovem sacerdote ficou fascinado pelas ideias de Teresa, a ponto de se tornar um grande defensor do projecto. Os dois trabalharam juntos alguns meses, compartilhando ideais e propostas para inaugurar quanto antes possível a primeira casa de Carmelitas Descalços: a abertura ocorreu a 28 de Dezembro de 1568 em Duruelo, lugar solitário da província de Ávila. Com João formavam esta primeira comunidade masculina reformada outros três companheiros. Ao renovar a sua profissão religiosa segundo a Regra primitiva, os quatro assumiram um novo nome: Então, João denominou-se «da Cruz», como depois será conhecido universalmente. No final de 1572, a pedido de santa Teresa, tornou-se confessor e vigário do mosteiro da Encarnação em Ávila, onde a santa era priora. Foram anos de estreita colaboração e amizade espiritual, que a ambos enriqueceram. A esse período remontam inclusive as mais importantes obras teresianas e os primeiros escritos de João.

A adesão à reforma carmelita não foi fácil, e causou a João também graves sofrimentos. O episódio mais traumático foi, em 1577, o seu rapto e aprisionamento no convento dos Carmelitas de Antiga Observância de Toledo, devido a uma acusação injusta. O santo permaneceu preso durante meses, submetido a privações e constrições físicas e morais. Ali compôs, além de outras poesias, o célebre Cântico espiritual. Finalmente, na noite entre 16 e 17 de Agosto de 1578, conseguiu fugir de modo aventuroso, refugiando-se no mosteiro das Carmelitas Descalças da cidade. Santa Teresa e os companheiros reformados celebraram com imensa alegria a sua libertação e, após um breve período de recuperação das forças, João foi destinado para a Andaluzia, onde transcorreu dez anos em vários conventos, especialmente em Granada. Assumiu cargos cada vez mais importantes na Ordem, até se tornar Vigário provincial, e completou a redacção dos seus tratados espirituais. Depois, voltou para a sua terra natal, como membro do governo geral da família religiosa teresiana, que já gozava de plena autonomia jurídica. Habitou no Carmelo de Segóvia, desempenhando a função de superior daquela comunidade. Em 1591 foi eximido de qualquer responsabilidade e destinado à nova Província religiosa do México. Enquanto se preparava para a longa viagem com outros dez companheiros, retirou-se num convento solitário perto de Jaén, onde adoeceu gravemente. João enfrentou com serenidade e paciência exemplares enormes sofrimentos. Faleceu na noite entre 13 e 14 de Dezembro de 1591, enquanto os irmãos de hábito recitavam o Ofício matutino. Despediu-se deles, dizendo: «Hoje vou cantar o Ofício no Céu». Os seus restos mortais foram trasladados para Segóvia. Foi beatificado por Clemente X em 1675 e canonizado por Bento XIII em 1726.

João é considerado um dos mais importantes poetas líricos da literatura espanhola. As obras principais são quatro: Subida ao Monte Carmelo, Noite obscura, Cântico espiritual e Chama de amor viva.

No Cântico espiritual, São João apresenta o caminho de purificação da alma, ou seja, a posse progressiva e jubilosa de Deus, até que a alma chegue a sentir que ama a Deus com o mesmo amor com que é por Ele amada. A Chama de amor viva continua nesta perspectiva, descrevendo mais pormenorizadamente o estado de união transformadora com Deus. A comparação utilizada por João é sempre a do fogo: assim como o fogo, quanto mais arde e consome a madeira, tanto mais se torna incandescente até se tornar chama, também o Espírito Santo, que durante a noite obscura purifica e «limpa» a alma, com o tempo ilumina-a e aquece-a como se fosse uma chama. A vida da alma é uma festa contínua do Espírito Santo, que deixa entrever a glória da união com Deus na eternidade.

A Subida ao Monte Carmelo apresenta o itinerário espiritual sob o ponto de vista da purificação progressiva da alma, necessária para escalar a montanha da perfeição cristã, simbolizada pelo cimo do Monte Carmelo. Tal purificação é proposta como um caminho que o homem empreende, colaborando com a obra divina, para libertar a alma de todo o apego ou afecto contrário à vontade de Deus. A purificação, que para alcançar a união com Deus deve ser total, começa a partir daquela da vida dos sentidos e continua com a que se alcança por meio das três virtudes teologais: fé, esperança e caridade, que purificam a intenção, a memória e a vontade. A Noite obscura descreve o aspecto «passivo», ou seja, a intervenção de Deus neste processo de «purificação» da alma. Com efeito, o esforço humano sozinho é incapaz de chegar às profundas raízes das más inclinações e hábitos da pessoa: só os pode impedir, mas não consegue erradicá-los completamente. Para o fazer, é necessária a acção especial de Deus, que purifica radicalmente o espírito e o dispõe para a união de amor com Ele. São João define «passiva» tal purificação, precisamente porque, embora seja aceite pela alma, é realizada pela obra misteriosa do Espírito Santo que, como chama de fogo, consome toda a impureza. Neste estado, a alma é submetida a todo o tipo de provações, como se se encontrasse numa noite obscura.

Estas indicações sobre as obras principais do santo ajudam-nos a aproximar-nos dos pontos salientes da sua vasta e profunda doutrina mística, cuja finalidade é descrever um caminho seguro para alcançar a santidade, a condição de perfeição à qual Deus chama todos nós. Segundo João da Cruz, tudo o que existe, criado por Deus, é bom. Através das criaturas, nós conseguimos chegar à descoberta daquele que nelas deixou um vestígio de Si. De qualquer modo, a fé é a única fonte confiada ao homem para conhecer Deus como Ele é em si mesmo, como Deus Uno e Trino. Tudo o que Deus queria comunicar ao homem, disse-o em Jesus Cristo, a sua Palavra que se fez carne. Jesus Cristo é o único e definitivo caminho para o Pai (cf. Jo14, 6). Qualquer coisa criada nada é em comparação com Deus, e nada vale fora dele: por conseguinte, para alcançar o amor perfeito de Deus, todos os outros amores devem conformar-se em Cristo com o amor divino. Daqui deriva a insistência de São João da Cruz sobre a necessidade da purificação e do esvaziamento interior para se transformar em Deus, que é a única meta da perfeição. Esta «purificação» não consiste na simples falta física das coisas ou do seu uso; o que torna a alma pura e livre, ao contrário, é eliminar toda a dependência desordenada das coisas. Tudo deve ser inserido em Deus como centro e fim da vida. Sem dúvida, o longo e cansativo processo de purificação exige o esforço pessoal, mas o verdadeiro protagonista é Deus: tudo o que o homem pode fazer é «dispor-se», estar aberto à obra divina e não lhe pôr obstáculos. Vivendo as virtudes teologais, o homem eleva-se e valoriza o próprio compromisso. O ritmo de crescimento da fé, da esperança e da caridade caminha a par e passo com a obra de purificação e com a união progressiva com Deus, até se transformar nele. Quando alcança esta meta, a alma imerge-se na própria vida trinitária, e São João afirma que ela consegue amar a Deus com o mesmo amor com que Ele a ama, porque a ama no Espírito Santo. Eis por que motivo o Doutor místico afirma que não existe verdadeira união de amor com Deus, se não culmina na união trinitária. Neste estado supremo a alma santa conhece tudo em Deus e já não deve passar através das criaturas para chegar a Ele. A alma já se sente inundada pelo amor divino e alegra-se completamente nele.

Caros irmãos e irmãs, no fim permanece esta pergunta: com a sua mística excelsa, com este árduo caminho rumo ao cimo da perfeição, este santo tem algo a dizer também a nós, ao cristão normal que vive nas circunstâncias desta vida de hoje, ou é um exemplo, um modelo apenas para poucas almas escolhidas que podem realmente empreender este caminho da purificação, da ascese mística? Para encontrar a resposta, em primeiro lugar temos que ter presente que a vida de São João da Cruz não foi um «voar sobre as nuvens místicas», mas uma vida muito árdua, deveras prática e concreta, quer como reformador da ordem, onde encontrou muitas oposições, quer como superior provincial, quer ainda no cárcere dos seus irmãos de hábito, onde esteve exposto a insultos incríveis e a maus tratos físicos. Foi uma vida dura, mas precisamente nos meses passados na prisão, ele escreveu uma das suas obras mais bonitas. E assim podemos compreender que o caminho com Cristo, o andar com Cristo, «o Caminho», não é um peso acrescentado ao fardo já suficientemente grave da nossa vida, não é algo que tornaria ainda mais pesada esta carga, mas é algo totalmente diferente, é uma luz, uma força que nos ajuda a carregar este peso. Se um homem tem em si um grande amor, este amor quase lhe dá asas, e suporta mais facilmente todas as moléstias da vida, porque traz em si esta grande luz; esta é a fé: ser amado por Deus e deixar-se amar por Deus em Cristo Jesus. Este deixar-se amar é a luz que nos ajuda a carregar o fardo de todos os dias. E a santidade não é uma obra nossa, muito difícil, mas é precisamente esta «abertura»: abrir as janelas da nossa alma, para que a luz de Deus possa entrar, não esquecer Deus, porque é precisamente na abertura à sua luz que se encontra a força, a alegria dos remidos. Oremos ao Senhor para que nos ajude a encontrar esta santidade, deixando-nos amar por Deus, que é a vocação de todos nós e a verdadeira redenção. Obrigado!

Bento XVI

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Festa de São Nuno de Santa Maria

 

Nuno Álvares Pereira nasceu a 24 de Junho de 1360 em Cernache do Bonjardim, e foi educado nos ideais nobres da Cavalaria medieval, no ambiente das Ordens militares e depois na Corte real. Tal ambiente marcou a sua juventude. Aos dezasseis anos casou-se com Dona Leonor de Alvim, e desta união nasceram três filhos, sobrevivendo apenas a sua filha Beatriz. As suas qualidades e virtudes impressionaram particularmente o Mestre de Aviz, futuro rei D. João I, que encontrou em D. Nuno um exímio chefe militar e nomeou-o Condestável, isto é, Comandante supremo do exército. Nuno conduziu o exército português repetidas vezes à vitória, sendo a mais significativa a de Aljubarrota a 14 de Agosto de 1385, assegurando a independência de Portugal em relação ao Reino de Castela.

Os dotes militares de Nuno eram no entanto acompanhados por uma espiritualidade sincera e profunda. O amor pela Eucaristia e pela Virgem Maria eram a trave-mestra da sua vida interior. Mandou construir por conta própria numerosas igrejas, destacando-se de entre estas o Convento do Carmo de Lisboa, que veio a entregar aos Carmelitas, que conhecera em Moura, e apreciara pela sua vida de intensa oração e amor a Nossa Senhora.

Com a morte da esposa, em 1387, Nuno recusou contrair novas núpcias. Quando finalmente foi alcançada a paz, distribuiu grande parte dos seus bens e decidiu entrar no Convento do Carmo de Lisboa, tendo tomado o nome de Frei Nuno de Santa Maria: era a opção por uma mudança radical de vida em coerência com a fé autêntica que sempre o orientara. Ao entrar no Convento recusou todos os privilégios e assumiu a condição mais humilde, a de simples irmão, dedicando-se totalmente ao serviço do Senhor, de Maria – a sua terna Padroeira que sempre venerou – e dos pobres, nos quais via o rosto de Jesus.

Frei Nuno de Santa Maria morreu no Domingo de Páscoa de 1 de Abril de 1431, sendo sepultado no Convento do Carmo, passando de imediato a ser venerado como Santo pela piedade popular.

O Papa Bento XV declarou-o Beato a 23 de Janeiro de 1918, e o Papa Bento XVI proclamou-o Santo da Igreja Católica, na Praça de São Pedro, em Roma, no dia 26 de Abril de 2009. A sua Festa litúrgica celebra-se a 6 de Novembro.

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Onde está o teu tesouro aí está o teu coração

Oh, se os espirituais soubessem de quanto bem e abundância de espírito se privam por não quererem retirar o espírito de ninharias! Se as não quisessem saborear, receberiam o sabor de todas as coisas neste manjar simples do espírito! Mas não o saboreiam. (…) Assim também, quem quer amar outra coisa juntamente com Deus, tem, sem dúvida, pouco apreço por Deus, porque coloca na mesma balança com Deus aquilo que, dista sumamente de Deus.

São João da Cruz

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Festa de Santa Teresa de Jesus

Catequese do Papa Bento XVI sobre Santa Teresa de Jesus

Queridos irmãos e irmãs:

Ao longo das catequeses que eu quis dedicar aos Padres da Igreja e a grandes figuras de teólogos e mulheres da Idade Média, pude falar sobre alguns santos e santas que foram proclamados Doutores da Igreja por sua eminente doutrina. Hoje, gostaria de começar com uma breve série de encontros para completar a apresentação dos Doutores da Igreja.

E iniciamos com uma santa que representa um dos cumes da espiritualidade cristã de todos os tempos: Santa Teresa de Jesus. Nasceu em Ávila, Espanha, em 1515, com o nome de Teresa de Ahumada. Na sua autobiografia, ela menciona alguns detalhes da sua infância: o nascimento “de pais virtuosos e tementes a Deus”, numa grande família, com nove irmãos e três irmãs. Ainda jovem, com pelo menos 9 anos, leu a vida dos mártires, que inspiram nela o desejo do martírio, tanto que chegou a improvisar uma breve fuga de casa para morrer como mártir e ir para o céu (cf. Vida 1, 4): “Eu quero ver Deus”, disse a pequena aos seus pais. Alguns anos mais tarde, Teresa falou das suas leituras da infância e afirmou ter descoberto a verdade, que se resume em dois princípios fundamentais: por um lado, que “tudo o que pertence a este mundo passa”; por outro, que só Deus é para “sempre, sempre, sempre”, tema que recupera em seu famoso poema: “Nada te perturbe, nada te espante; tudo passa, só Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem a Deus tem, nada lhe falta. Só Deus basta!”. Ficando órfã aos 12 anos, pediu à Virgem Santíssima que fosse sua mãe (cf. Vida 1,7).

Se, na adolescência, a leitura de livros profanos a levou às distracções da vida mundana, a experiência como aluna das freiras agostinianas de Santa Maria das Graças, de Ávila, e a leitura de livros espirituais, em sua maioria clássicos da espiritualidade franciscana, ensinaram-lhe o recolhimento e a oração. Aos 20 anos de idade, entrou para o convento carmelita da Encarnação, sempre em Ávila. Três anos depois, ficou gravemente doente, tanto que permaneceu por quatro dias em coma, aparentemente morta (cf. Vida 5, 9). Também na luta contra as suas próprias doenças, a santa vê o combate contra as fraquezas e resistências ao chamamento de Deus. Escreve: ” Desejava viver, pois bem entendia que não vivia, antes pelejava com uma sombra de morte e não havia quem me desse vida nem a podia eu tomar. E Quem ma podia dar tinha razão de não me socorrer, pois tantas vezes me havia chamado a Si e eu O havia deixado.” (Vida 8, 12). Em 1543, perdeu a proximidade da sua família: o pai morre e todos os seus irmãos, um após outro, migram para a América. Na Quaresma de 1554, aos 39 anos, Teresa chega ao topo da luta contra as suas próprias fraquezas. A descoberta frutífera de “um Cristo muito ferido” marcou profundamente a sua vida (cf. Vida, 9). A santa, que naquele momento sente profunda consonância com o Santo Agostinho das “Confissões”, descreve assim a jornada decisiva da sua experiência mística: “Aconteceu que… de repente, experimentei um sentimento da presença de Deus, que não havia como duvidar de que estivesse dentro de mim ou de que eu estivesse toda absorvida n’Ele” (Vida 10, 1). Paralelamente ao amadurecimento da sua própria interioridade, a santa começa a desenvolver, de forma concreta, o ideal de reforma da Ordem Carmelita: em 1562, funda, em Ávila, com o apoio do bispo da cidade, Dom Álvaro de Mendoza, o primeiro Carmelo reformado, e logo depois recebe também a aprovação do superior geral da Ordem, Giovanni Battista Rossi. Nos anos seguintes, continuou a fundação de novos Carmelos, um total de dezassete. Foi fundamental o seu encontro com São João da Cruz, com quem, em 1568, constituiu, em Duruelo, perto de Ávila, o primeiro convento dos padres Carmelitas Descalços. Em 1580, recebe de Roma a elevação a Província Autónoma para os seus Carmelos reformados, ponto de partida da Ordem Religiosa dos Carmelitas Descalços. Teresa termina a sua vida terrena justamente enquanto se ocupa com a fundação.

Em 1582, de facto, tendo criado o Carmelo de Burgos e enquanto fazia a viagem de volta a Ávila, morreu, na noite de 15 de Outubro, em Alba de Tornes, repetindo humildemente duas frases: “No final, morro como filha da Igreja” e “Chegou a hora, Esposo meu, de nos encontrarmos”. Uma existência consumada dentro da Espanha, mas empenhada por toda a Igreja.

Beatificada pelo Papa Paulo V, em 1614, e canonizada por Gregório XV, em 1622, foi proclamada “Doutora da Igreja” pelo Servo de Deus Paulo VI, em 1970. Teresa de Jesus não tinha formação académica, mas sempre entesourou ensinamentos de teólogos, literatos e mestres espirituais. Como escritora, sempre se ateve ao que tinha experimentado pessoalmente ou visto na experiência de outros (cf. Prefácio do “Caminho de Perfeição”), ou seja, a partir da experiência.

Teresa consegue tecer relações de amizade espiritual com muitos santos, especialmente com São João da Cruz. Ao mesmo tempo, é alimentada com a leitura dos Padres da Igreja, São Jerónimo, São Gregório Magno, Santo Agostinho. Entre as suas principais obras, deve ser lembrada, acima de tudo, a sua autobiografia, intitulada “Livro da Vida”, que ela chama de “Livro das Misericórdias do Senhor”.

Escrito no Carmelo de Ávila, em 1565, conta o percurso biográfico e espiritual, como diz a própria Teresa, para submeter a sua alma ao discernimento do “Mestre dos espirituais”, São João de Ávila. O objectivo é manifestar a presença e a acção de um Deus misericordioso na sua vida: Para isso, a obra muitas vezes inclui o diálogo de oração com o Senhor. É uma leitura fascinante, porque a santa não apenas narra, mas mostra reviver a profunda experiência do seu amor com Deus.

Em 1566, Teresa escreveu o “Caminho de Perfeição”, chamado por ela de “Admoestações e Conselhos” que dava às suas religiosas. As destinatárias são as doze noviças do Carmelo de São José, em Ávila. Teresa propõe-lhes um intenso programa de vida contemplativa ao serviço da Igreja, em cuja base estão as virtudes evangélicas e a oração. Entre os trechos mais importantes, destaca-se o comentário sobre o Pai Nosso, modelo de oração.

A obra mística mais famosa de Santa Teresa é o “Castelo Interior”, escrito em 1577, em plena maturidade. É uma releitura do seu próprio caminho de vida espiritual e, ao mesmo tempo, uma codificação do possível desenvolvimento da vida cristã rumo à sua plenitude, a santidade, sob a acção do Espírito Santo. Teresa refere-se à estrutura de um castelo com sete “moradas”, como imagens da interioridade do homem, introduzindo, ao mesmo tempo, o símbolo do bicho da seda que renasce numa borboleta, para expressar a passagem do natural ao sobrenatural. A santa inspira-se na Sagrada Escritura, especialmente no “Cântico dos Cânticos”, para o símbolo final dos “dois esposos”, que permite descrever, na sétima “morada”, o ápice da vida cristã em seus quatro aspectos: trinitário, cristológico, antropológico e eclesial. À sua actividade fundadora dos Carmelos reformados, Teresa dedica o “Livro das Fundações”, escrito entre 1573 e 1582, no qual fala da vida do nascente grupo religioso. Como na autobiografia, a história é dedicada principalmente a evidenciar a acção de Deus na fundação dos novos mosteiros.

Não é fácil resumir em poucas palavras a profunda e complexa espiritualidade teresiana. Podemos citar alguns pontos-chave. Em primeiro lugar, Santa Teresa propõe as virtudes evangélicas como base da vida cristã e humana: em particular, o desapego dos bens ou a pobreza evangélica (e isso diz respeito a todos nós); o amor de uns aos outros como elemento essencial da vida comunitária e social; a humildade e o amor à verdade; a determinação como resultado da audácia cristã; a esperança teologal, que descreve como sede de água viva. Sem esquecer das virtudes humanas: afabilidade, veracidade, modéstia, cortesia, alegria, cultura. Em segundo lugar, Santa Teresa propõe uma profunda sintonia com os grandes personagens bíblicos e a escuta viva da Palavra de Deus. Ela se sente em consonância sobretudo com a esposa do “Cântico dos Cânticos”, com o apóstolo Paulo, além de com o Cristo da Paixão e com Jesus Eucarístico.

A santa enfatiza, depois, quão essencial é a oração: rezar significa “tratar de amizade com Deus, estando muitas vezes tratando a sós com quem sabemos que nos ama” (Vida 8, 5). A ideia de Santa Teresa coincide com a definição que São Tomás Aquino dá da caridade teologal, como amicitia quaedam hominis ad Deum, uma espécie de amizade entre o homem e Deus, quem primeiro ofereceu a sua amizade ao homem (Summa Theologiae II-ΙI, 23, 1). A iniciativa vem de Deus. A oração é vida e desenvolve-se gradualmente, em sintonia com o crescimento da vida cristã: começa com a oração vocal, passa pela interiorização, através da meditação e do recolhimento, até chegar à união de amor com Cristo e com a Santíssima Trindade. Obviamente, este não é um desenvolvimento no qual subir degraus significa abandonar o tipo de oração anterior, mas um gradual aprofundamento da relação com Deus, que envolve toda a vida. Mais que uma pedagogia da oração, a de Teresa é uma verdadeira “mistagogia”: ela ensina o leitor das suas obras a rezar, rezando ela mesma com ele; frequentemente, de facto, interrompe o relato ou a exposição para fazer uma oração.

Outro tema caro à santa é a centralidade da humanidade de Cristo. Para Teresa, na verdade, a vida cristã é uma relação pessoal com Jesus que culmina na união com Ele pela graça, por amor e por imitação. Daí a importância que ela atribui à meditação da Paixão e à Eucaristia, como presença de Cristo na Igreja, para a vida de cada crente e como coração da liturgia. Santa Teresa vive um amor incondicional à Igreja: ela manifesta um vivo sensus Ecclesiae frente a episódios de divisão e conflito na Igreja do seu tempo. Reforma a Ordem Carmelita com a intenção de servir e defender melhor a “Santa Igreja Católica Romana” e está disposta a dar a sua vida por ela (cf. Vida 33, 5).

Um último aspecto fundamental da doutrina de Teresa que eu gostaria de sublinhar é a perfeição, como aspiração de toda a vida cristã e sua meta final. A Santa tem uma ideia muito clara da “plenitude” de Cristo, revivida pelo cristão. No final do percurso do “Castelo Interior”, na última “morada”, Teresa descreve a plenitude, realizada na inabitação da Trindade, na união com Cristo mediante o mistério da sua humanidade.

Queridos irmãos e irmãs, Santa Teresa de Jesus é uma verdadeira mestra de vida cristã para os fiéis de todos os tempos. Na nossa sociedade, muitas vezes desprovida de valores espirituais, Santa Teresa ensina-nos a ser incansáveis testemunhas de Deus, da sua presença e da sua acção; ensina-nos a sentir realmente essa sede de Deus que existe no nosso coração, esse desejo de ver Deus, de buscá-lo, de ter uma conversa com Ele e de ser seus amigos. Esta é a amizade necessária para todos e que devemos buscar, dia após dia, novamente.

Que o exemplo desta santa, profundamente contemplativa e eficazmente laboriosa, também nos encoraje a dedicar a cada dia o tempo adequado à oração, a esta abertura a Deus, a este caminho de busca de Deus, para vê-lo, para encontrar a sua amizade e, por conseguinte, a vida verdadeira; porque muitos de nós deveríamos dizer: “Eu não vivo, não vivo realmente, porque não vivo a essência da minha vida”. Porque este tempo de oração não é um tempo perdido, é um tempo no qual se abre o caminho da vida; abre-se o caminho para aprender de Deus um amor ardente a Ele e à sua Igreja; e uma caridade concreta com nossos irmãos. Obrigado.

Bento XVI

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