A Fé é apoiar-se

Há um certo pudor em falar de fé. Um amigo dizia-me: “Tenho pena de não ter a tua fé.” Que é a fé? Na Bíblia, fé nada tem a ver com crença. Fé, ter fé, é apoiar-se em algo ou alguém. Se me apoio, se vou buscar a minha segurança ao dinheiro, tenho fé no dinheiro. Há quem vá buscar a sua felicidade ao sucesso, ao poder, à saúde, etc. Têm fé nisso. E eu próprio, em quem me apoio? Em Cristo?

Vasco P. Magalhães, sj

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A esperança cristã não engana

Apesar de aprendermos desde criança que não devemos nos ufanar daquilo que temos e somos, São Paulo, na Carta aos Romanos, convida a nos ufanarmos da abundância da graça de Deus que recebemos em Cristo. Isso significa aprender a ver todos os acontecimentos à luz do desígnio divino de salvação, levado à plenitude em Jesus. Quando acolhemos com gratidão essa manifestação do amor de Deus, experimentamos uma paz que se estende a todas as dimensões da nossa vida. O Apóstolo nos convida também a nos ufanarmos das nossas tribulações. Trata-se de algo mais difícil. Contudo, devemos pensar que a paz que Deus nos oferece não significa ausência de dificuldades e sofrimentos, mas é um dom que nasce da experiência de sabermos que somos amados por Ele, que sempre nos acompanha e nunca nos abandona. Isso faz com que sejamos pacientes nas tribulações, pois a misericórdia de Deus é maior do que tudo. Por isso, a esperança cristã não decepciona, pois tem por fundamento o amor de Deus e por garantia o Espírito Santo.

Papa Francisco, Resumo da audiência geral de 15 de Fevereiro de 2017

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Somos filhos de um Deus bondoso

Para quem crê num Deus bom – e não pode haver outro! – quando se fecha uma porta, abre-se logo uma janela. É que quem crê sabe que não há noite nem escuridão que dure sempre. Sabe e experimenta que há sempre uma saída, por mais fechada que pareça a situação. E se não a está a ver, não é porque não exista, é porque ainda não chegou a hora.

Vasco P. Magalhães, sj

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Todo aquele que se irar contra o seu irmão será submetido a julgamento (Mt 5, 21)

O conhecido escritor italiano, Alessandro Pronzato, publicou um livro intitulado Em busca das virtudes perdidas. A sua tese é clara: temos de prestar mais atenção às atitudes, tais como: a paciência, o respeito, a discrição, a doçura, a honradez, o sentido de dever…, se queremos viver de maneira mais humana numa sociedade onde o individualismo, a busca da eficácia e o êxito fácil parecem invadir tudo.

Entre outras coisas, Pronzato denuncia no seu livro a «profanação da linguagem» nos nossos dias. Não está na moda falar respeitosamente e com delicadeza. É mais frequente a linguagem decadente e de mau gosto. É fácil detectar três fatos lamentáveis:

A violência verbal – O falar actual reflecte, com frequência, a agressividade que habita no coração das pessoas. Da sua boca brota uma linguagem dura e implacável. Palavras ofensivas e feridoras, pronunciadas somente para humilhar e depreciar, para desqualificar e destruir. Por que está tão disseminada esta linguagem de insultos e injúrias? Às vezes, tudo provém da agressividade, da rejeição ou do desejo de vingança; outras vezes, da antipatia ou da inveja; às vezes, da superficialidade e da inconsciência.

O falar mal dos outros – Outra característica da linguagem actual é a injúria. As conversas estão repletas de palavras injustas que espalham condenações e parecem suspeitas. Palavras ditas sem amor e sem respeito, que envenenam a convivência e provocam dano. Palavras nascidas quase sempre da irritação, da mesquinhez ou da baixeza. Palavras que não estimulam nem constroem.

A vulgaridade – Outro sintoma penoso é a vulgaridade, a linguagem desenvergonhada e até obscena. Há pessoas que não conseguem expressar-se sem fazer referência de forma irreverente ao sagrado, ou utilizar termos grosseiros e indecentes. Não está na moda a linguagem amável ou as palavras educadas. Causa mais impacto o mau gosto e a transgressão.

Não perdeu actualidade a advertência de Jesus quando pede aos seus seguidores para não insultarem o irmão chamando-o de «imbecil”» ou «apóstata». Quando se tem um coração nobre e uma atitude digna, fala-se de uma maneira respeitosa e pacífica.

J. A. Pagola

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6º Domingo do Tempo Comum – Ano A

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus (Mt 5, 17-37)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim revogar, mas completar. Em verdade vos digo: Antes que passem o céu e a terra, não passará da Lei a mais pequena letra ou o mais pequeno sinal, sem que tudo se cumpra. Portanto, se alguém transgredir um só destes mandamentos, por mais pequenos que sejam, e ensinar assim aos homens, será o menor no reino dos Céus. Mas aquele que os praticar e ensinar será grande no reino dos Céus. Porque Eu vos digo: Se a vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos Céus.

Ouvistes que foi dito aos antigos: ‘Não matarás; quem matar será submetido a julgamento’. Eu, porém, digo-vos: Todo aquele que se irar contra o seu irmão será submetido a julgamento. Quem chamar imbecil a seu irmão será submetido ao Sinédrio, e quem lhe chamar louco será submetido à geena de fogo. Portanto, se fores apresentar a tua oferta sobre o altar e ali te recordares que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar, vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão e vem depois apresentar a tua oferta. Reconcilia-te com o teu adversário, enquanto vais com ele a caminho, não seja caso que te entregue ao juiz, o juiz ao guarda, e sejas metido na prisão. Em verdade te digo: Não sairás de lá, enquanto não pagares o último centavo.

Ouvistes que foi dito: ‘Não cometerás adultério’. Eu, porém, digo-vos: Todo aquele que olhar para uma mulher desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração. Se o teu olho é para ti ocasião de pecado, arranca-o e lança-o para longe de ti, pois é melhor perder-se um dos teus membros do que todo o corpo ser lançado na geena. E se a tua mão direita é para ti ocasião de pecado, corta-a e lança-a para longe de ti, porque é melhor que se perca um dos teus membros, do que todo o corpo ser lançado na geena.

Também foi dito: ‘Quem repudiar sua mulher dê-lhe certidão de repúdio’. Eu, porém, digo-vos: Todo aquele que repudiar sua mulher, salvo em caso de união ilegal, fá-la cometer adultério. Ouvistes que foi dito aos antigos: ‘Não faltarás ao que tiveres jurado, mas cumprirás os teus juramentos para com o Senhor’. Eu, porém, digo-vos que não jureis em caso algum: nem pelo Céu, que é o trono de Deus; nem pela terra, que é o escabelo dos seus pés; nem por Jerusalém, que é a cidade do grande Rei. Também não jures pela tua cabeça, porque não podes fazer branco ou preto um só cabelo. A vossa linguagem deve ser: ‘Sim, sim; não, não’. O que passa disto vem do Maligno».

Mensagem

O Evangelho deste Domingo faz ainda parte do chamado «Sermão da Montanha», a primeira grande pregação de Jesus. O nosso texto começa exactamente situando Jesus diante da Lei. A primeira parte realça que Jesus não rejeitou a Lei, mas veio dar-lhe o seu pleno cumprimento, o seu verdadeiro sentido. 

O texto de hoje insiste que não é suficiente simplesmente obedecer à letra da Lei, não matando, não cometendo adultério, etc. O discípulo de Jesus tem que tirar a raiz dessas acções más. Pois às vezes não se pratica uma acção má por falta de oportunidade ou medo, mas a raiz do mal está no pensamento, no coração. Por isso devemos cortar a “mão” que nos leva ao erro (mão = maneira de agir) e arrancar o “olho” errado (olho = a nossa maneira de ver as coisas, o nosso pensamento).  Devemos ter cuidado em não levar ao pé da letra estas expressões, muito próprias ddesse tempo e dessa região.

O trecho final do evangelho deste Domingo refere-se à questão do julgamento. A Lei de Moisés pede, apenas, a fidelidade aos compromissos selados com um juramento; mas, na perspectiva de Jesus, a necessidade de jurar implica a existência de um clima de desconfiança que é incompatível com o “Reino”. Para os que estão inseridos na dinâmica do “Reino”, deve haver um tal clima de sinceridade e confiança que os simples “sim” e “não” bastam.

De tudo isto compreende-se que Jesus vai à raiz da Lei, apostando sobretudo na intenção e por conseguinte no coração humano, onde têm origem as nossas acções boas e más. A fim de obter comportamentos bons e honestos não são suficientes as normas jurídicas, mas são necessárias motivações profundas, expressão de uma sabedoria escondida, a Sabedoria de Deus, que pode ser acolhida graças ao Espírito Santo. E nós, através da fé em Cristo, podemos abrir-nos à acção do Espírito, que nos torna capazes de viver o amor divino.

Palavra para o caminho

A Lei de Moisés exige, simplesmente, o não matar; mas, na perspectiva de Jesus, o não matar implica o evitar causar qualquer tipo de dano ao irmão. Há muitas formas de destruir o irmão, de o eliminar, de lhe roubar a vida: as palavras que ofendem, as calúnias que destroem, os gestos de desprezo que excluem, os confrontos que põem fim à relação. Na perspectiva de Mateus, a reconciliação com o irmão deve sobrepor-se ao próprio culto, pois é uma mentira a relação com Deus de alguém que não ama os irmãos.

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A humildade é a verdade

Não sei se a humildade está na moda… Está na moda afirmar-se, competir, querer ficar por cima e ganhar, viver das aparências e da mentira. A humildade, pelo contrário, é a verdade, é ser o que se é. A humildade liberta dos medos e não pensa mal.

Vasco P. Magalhães, sj

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Alimentar a nossa esperança com a esperança dos outros

Não se aprende, sozinho, a esperar. Não é possível. A esperança, para se alimentar, precisa dum «corpo», no qual os vários membros se apoiem e animem mutuamente. Isto significa que esperamos, porque muitos irmãos e irmãs nos ensinaram a esperar e mantiveram viva a nossa esperança. A morada natural da esperança é um «corpo» solidário; no caso da esperança cristã, este corpo é a Igreja. Nela, os primeiros chamados a alimentar a esperança são aqueles a quem está confiado o cuidado e a orientação pastoral; e não por serem melhores do que os outros, mas em virtude dum ministério divino, que supera de longe as suas próprias forças. Por isso têm tanta necessidade do apoio orante, do respeito e compreensão de todos. Depois dos responsáveis, o apóstolo Paulo pede a nossa atenção aos irmãos e irmãs cuja esperança corre maior risco de apagar-se: os desanimados, os frágeis, os oprimidos pelo peso da vida e das próprias culpas que estão sem forças para se levantar. Nestes casos, a proximidade solidária da Igreja deve fazer-se ainda mais intensa e amorosa, sob as formas de compaixão, conforto e consolação. Como escreve Paulo aos Romanos, «nós, os fortes, temos o dever de carregar com as fraquezas dos que são frágeis e não procurar aquilo que nos agrada». Este dever não está circunscrito aos membros da comunidade eclesial, mas estende-se a todo o contexto civil e social como apelo a não criar muros mas pontes, a não pagar o mal com o mal mas vencer o mal com o bem, a ofensa com o perdão, a viver em paz com todos. Esta é a Igreja; e isto é o que realiza a esperança cristã, quando assume os lineamentos fortes e, ao mesmo tempo, ternos do amor. Ora o sopro vital, a alma desta esperança é o Espírito Santo; é Ele a moldar as nossas comunidades, num Pentecostes perene, como sinais vivos de esperança para a família humana.

Papa Francisco, Resumo da audiência geral de 8 de Fevereiro de 2017

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Santa Maria Madalena de’ Pazzi e a Eucaristia

Desde muito pequena, Madalena sentiu uma irresistível atração pela Eucaristia (I, 76), a qual recebeu a primeira vez aos 10 anos, no dia 25 de março de 1576, festa da Encarnação do Senhor, tendo pouco depois, a 19 de abril, Quinta-feira santa, feito voto a Deus de perpétua virgindade, acabando por ingressar para sempre aos 16 anos, a 27 de novembro de 1582, no Carmelo de Santa Maria dos Anjos – o primeiro Carmelo feminino do mundo –, que escolhera porque nele se comungava todos os dias (I, 85).

A partir de então a Eucaristia marcará toda a sua existência, sendo dela que partem ou a ela que conduzem quase todas as suas experiências místicas. A Eucaristia é a Páscoa que o Senhor desejou ardentemente comer com os seus e em que, num excesso louco de amor, num ato incompreensível de misericórdia e de bondade infinitas (I,226ss; II, 402), se deixou a si mesmo, esquecendo-se de si (VII, 243), para se dar a si mesmo e se unir connosco “com o mesmo amor com que encarnou, assumindo a nossa humanidade” (II, 222s). Ela é “a janela do céu”, “a mesa celeste”, “o maná escondido”, que desce diariamente para alimentar o povo de Deus no deserto desta vida (I, 186), maná “que contém em si todos os sabores” (IV, 249) e dá a beber sem medida o fogo do amor divino (II, 302), o Espírito Santo, que renova em nós todo o mistério da salvação.

Por isso diz: “Quando fordes comungar, pensai que esta é a maior e mais digna ação que se pode fazer: receber em vós o Senhor Deus” (VII, 240). Não se pode “encontrar meio mais eficaz para aperfeiçoar a alma do que aproximar-se desta mesa divina, graças à qual, se dela vos soubésseis servir bem, ficaríeis cheias do amor de Deus, porque uma só comunhão é capaz de fazer santa uma alma” (ib., 241). Para isso, após comungar, há, que se esquecer de si mesmo e de tudo o resto, para se perder em Deus, apercebendo-se que “tendes dentro de vós toda a Santíssima Trindade” (ib.) e “imaginando que então só se encontram Deus e vós neste mundo”, aproveitando bem esse “tempo que é o mais precioso e oportuno para se relacionar com Deus, escutar a sua voz e aprender dele a servi-lo segundo a sua vontade, dando glória à Santíssima Trindade e tornando-se útil a todo o mundo”, dando muitos frutos de caridade (ib., 243s).

Pedro Bravo, O. Carm.

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